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Foro privilegiado: ter ou não ter, eis a questão

23/03/2016 às 08:20
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O texto traz uma breve reflexão sobre a existência do “foro privilegiado” e suas implicações na estratégia de defesa numa persecução penal.

Recentemente, em razão da indicação do ex-presidente Lula para ser Ministro-Chefe da Casa Civil, com a suposta intenção de elidir a competência originária do Juiz Sérgio Moro sobre a persecução penal em andamento, vieram à tona diversas discussões sobre o coloquialmente denominado “foro privilegiado”[1].

Este artigo, sem qualquer pretensão de se aprofundar demasiadamente neste assunto já tão amplamente tratado por especialistas, tem por escopo trazer algumas reflexões sobre a existência do “foro privilegiado” e suas implicações na estratégia de defesa numa persecução penal.

Logo de plano, é importante esclarecer que o “foro privilegiado” tinha e tem por objetivo, num plano imediato, a proteção propriamente dita dos cargos do alto escalão da República (Presidente, Vice, Ministros, Deputados, Senadores, etc.), para dar maior autonomia e segurança no exercício da sua função institucional, de maneira que estes não podem ser julgados, em regra no âmbito criminal, por juízes de primeira instância, somente pelos Tribunais (representantes maiores do Poder Judiciário).

Já num plano mediato, o “foro privilegiado” tem por função proteger a própria Tripartição dos Poderes e o Sistema de Freios e Contrapesos (“Checks and Balances”), uma vez que a submissão dos Chefes dos Poderes e seus maiores representantes às decisões e vontades de um Juiz de primeira instância criaria uma subordinação, incompatível com este sistema, dos Poderes Executivo e Legislativo em relação ao Judiciário.

Neste ponto, vale salientar que tal garantia institucional, em que pese as diversas críticas, é de salutar importância para o nosso sistema Republicano, uma vez que os representantes do Poder Judiciário não são eleitos, ou seja, são escolhidos por meio de certames públicos de aferição de capacidade técnica, sem passar, no entanto, pelo crivo da representação popular.

Pois bem. Feitas estas considerações iniciais, passemos a analisar as implicações do “foro privilegiado” na estratégia de defesa numa persecução penal, no atual contexto político-jurídico. De início, destaca-se que tanto a doutrina quanto a jurisprudência praticamente já pacificaram o acertado entendimento de que este foro especial não constitui um privilégio pessoal, mas uma prerrogativa funcional.

Portanto, uma eventual nomeação à cargo com o “foro privilegiado” simplesmente para suprimir ou alterar o juízo natural de primeira instância, além de ser um ato administrativo nulo, não altera automaticamente a competência, existindo decisões divergentes sobre o tema no próprio STF[2].

Assim, qual seria a vantagem, no âmbito estratégico de defesa criminal, de possuir o “foro privilegiado”? Até um passado recente, as principais vantagens seriam (i) de ser julgado por um colegiado, composto por juízes mais experimentados, e que, em regra, (ii) as Cortes Superiores tinham a tendência de ser mais “garantistas”.

Atualmente, com o recrudescimento da aplicação da lei penal, demonstrado inclusive pelas recentes alterações na jurisprudência do STF – inclusive com a determinação de “prisão em flagrante” de Senador em exercício do mandato, temos que a vantagem do “garantismo” não subsiste mais.

Além disso, por mais experientes e técnicos que sejam o Juízes, na era da sociedade da informação a pressão exercida sobre os julgamentos é cada vez maior, deixando-os em situações delicadas, pois não podemos esquecer o lado humano daquele que julga.

Desta forma, tem-se que as supostas vantagens do “foro privilegiado” numa persecução penal, no atual contexto político-jurídico, não mais existem, muito pelo contrário, ser tornaram, ao que parece, verdadeiras desvantagens.

Não se pode esquecer, ainda, a grande – e pior – desvantagem do “foro privilegiado” de ser julgado, na maior parte dos casos, na última – e, portanto, única – instância do Poder Judiciário. Em outras, palavras com a “opção” de manter o “foro privilegiado”, o acusado abre mão do duplo grau de jurisdição, ou seja, de ter sua decisão revisada por uma instância superior, composta por outros julgadores.

Esta foi a grande desvantagem sentida no famoso julgamento do “Mensalão”, pelo qual, tanto aqueles que possuíam o foro especial quanto os que não tinham essa prerrogativa, foram julgados e – em sua maioria – condenados numa única instância, sem direito à revisão por outros julgadores. O caso foi, inclusive, levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para verificar a violação ao artigo 8º do Pacto de São José da Costa Rica.

Assim, muito embora tenha sido divulgado pela grande mídia, bem como nos diversos meios sociais, me parece totalmente equivocada a conclusão que a nomeação do ex-presidente Lula tinha por escopo elidir a competência originária do Juiz Moro e, desta forma, criar algum tipo de vantagem no seu procedimento investigatório criminal, o que, como vimos, no atual contexto não se sustenta.

Com efeito, apenas como argumentação, também não se pode concluir com base nas interceptações telefônicas divulgadas que esta era a principal intenção da nomeação, uma vez que nenhuma das conversas deixa claro tal situação, sendo certo que a conclusão aferida pelas autoridades que investigam o caso tende mais para uma indução do que para dedução.

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Em suma, podemos verificar que, no atual contexto político-jurídico de nosso País, a manutenção do “foro privilegiado” numa investigação criminal claramente deixou de ser uma vantagem ou proteção ao acusado em razão do cargo que ocupa, sendo certo que tal prerrogativa institucional acaba, na prática, limitando os próprios direitos e garantias individuais dos investigados, dentre elas, a do duplo grau de jurisdição.


Notas

[1] A doutrina traz como nomem iuris Foro Especial por Prerrogativa de Função.

[2] O Min. Roberto Barroso chegou a sugerir, no julgamento da AP 536, um critério objetivo para delimitação de competência em relação ao foro privilegiado, sugerindo o recebimento da denúncia como marco temporal. No entanto, o plenário não chegou a aprofundar a discussão e decidir sobre o tema.

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Sobre o autor
Lucas Bento Sampaio

Advogado em São Paulo. Sócio do escritório LBS | Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Lucas Bento. Foro privilegiado: ter ou não ter, eis a questão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4648, 23 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47553. Acesso em: 22 nov. 2024.

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