1. Introdução
Com a Lei 13.015/2014, foi introduzido no sistema recursal trabalhista, o sistema do precedente judicial.
Inaugura-se, assim, um novo paradigma no sistema processual trabalhista brasileiro que exige de todos os profissionais que atuam no âmbito laboral uma mudança de postura e de mentalidade, e por parte das instituições de ensino jurídico adequação de seus programas a essa nova realidade que não sabemos quais serão os impactos que produzirá na concretização do fundamental direito de acesso à justiça, garantia constitucional que, infelizmente, ainda não se conseguiu implementar em sua plenitude.
Necessárias, assim, algumas palavras a respeito do significado e do alcance desse novo sistema que agora se inaugura entre nós com o novo Código de Processo Civil, e que, na Justiça do Trabalho foi incorporado pela Lei 13.015/2014 ao introduzir profundas alterações no sistema recursal trabalhista.
Indispensável, pois, breves palavras sobre os grandes sistemas de Direito, de modo a permitir uma melhor compreensão do sistema de precedentes judiciais e sua origem.
2. Os grandes sistemas de direitos
Para que se possa entender o significado e do alcance do precedente judicial que, entre nós, a bem da verdade, foi consagrado de forma vinculativa a partir da Emenda Constitucional 45 com a chamada Súmula Vinculante e, posteriormente, com a repercussão geral em sede de recurso extraordinário (arts. 543-A e 543-B do Código de Processo Civil vigente e 1035 do novo Código) , necessário algumas considerações a respeito dos grandes sistemas de direitos.
De acordo com o magistério doutrinário de René David , essencialmente existem no mundo ocidental dois grandes sistemas de direitos:
a) o sistema da civil law, tributário do Direito Romano, no qual em regra, o Direito é escrito e a jurisdição é estruturada essencialmente com a finalidade de fazer atuar o direito objetivo, em regra posto pelo legislador e que, portanto, visa a segurança jurídica nas relações;
b) o sistema da common law, originário do direito anglo-saxão, que tem como base o direito costumeiro, aplicado pela jurisprudência, no qual o modelo de distribuição de justiça prepondera a visão de pacificação dos litigantes e as decisões jurisdicionais se fundamentam no precedente judicial.
3. O significado e alcance do precedente
Podemos entender o precedente como a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para julgamentos posteriores em casos análogos . Portanto, é da natureza do precedente, o efeito vinculativo.
Essa força vinculativa dos precedentes está ligada a valores essenciais de um Estado democrático de direito como a racionalidade e legitimidade das decisões judiciais, a segurança jurídica e a isonomia .
Constitui, assim, o precedente elemento de suma importância para a estabilidade e harmonia do sistema jurídico e, por conseguinte, para as decisões judiciais e, portanto, fonte do direito, à medida que a moderna dogmática jurídica reconhece ao Poder Judiciário o papel de co-criador do direito .
De acordo com José Rogério Cruz e Tucci , o precedente é composto das circunstâncias de fato que embasam a controvérsia e da tese ou princípio jurídico assentado na motivação do provimento decisório, que constitui a ratio decidendi – a holding para os norte–americanos - constituindo a essência da tese jurídica com duas normas:
a) uma suficiente para decidir o caso concreto – rule of law - portanto, de caráter individual;
b) outra geral, fruto da interpretação/compreensão dos fatos envolvidos na lide e da conformação ao direito positivo que servirá de base para futuros julgamentos. Por conseguinte, a norma geral ou ratio decidendi está sempre localizada na fundamentação da decisão, sendo assim, os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão e que servirá para fundamentar futuras decisões que tenham como base os mesmo fatos ou as mesmas circunstâncias.
É esse o sistema que o novo Código de Processo Civil adota (arts. 926 e seguintes) e que, no âmbito da Justiça do Trabalho foi incorporado pela Lei 13.015/2005 que o disciplinou por meio do:
a)Recurso de Revista (art. 896, §§ 3º a 6º);
b)Julgamento de Recursos Repetitivos (art. 896-C);
c) Incidente da Assunção de Competência (art. 896, § 13).
Então vejamos em apertada síntese, em que consiste cada um deles.
3. Uniformização da jurisprudência no sistema recursal trabalhista
3.1 Incidente de Uniformização de Jurisprudência
A Lei 13.015/2014 cria a obrigação de uniformização da jurisprudência no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho.
Nesse sentido, o § 4º do art. 896 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT na redação advinda da citada Lei estabelece:
Ao constatar, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, a existência de decisões atuais e conflitantes no âmbito do mesmo Tribunal Regional do Trabalho sobre o tema objeto de recurso de revista, o Tribunal Superior do Trabalho determinará o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que proceda à uniformização da jurisprudência.
Como se vê, há, agora, uma obrigação dos Tribunais Regionais do Trabalho uniformizar sua jurisprudência, tarefa que anteriormente era feita pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Como lembra o Prof. Estevão Mallet , “ao invés de o próprio Tribunal Superior do Trabalho julgar a causa e, assim, solucionar, em caso individual, a divergência remete-se ao Tribunal Regional a incumbência de uniformizar a sua jurisprudência, fazendo-o em termos gerais e não casuísticos”, o que implica afirmar que não mais se admite decisões divergentes sobre o mesmo tema no âmbito do Tribunal.
E aqui a primeira e talvez mais importante norma a respeito do regime do precedente no âmbito do Processo do Trabalho.
De fato, com a uniformização da jurisprudência se evitam decisões divergentes a respeito do mesmo tema no âmbito do Tribunal e ao mesmo tempo dá-se o norte para futuras decisões sobre a mesma matéria aos Juízes da primeira instância trazendo estabilidade, integridade e coerência nas decisões judiciais, nos termos recomendados pela norma constante do art. 926 do novo Código de Processo Civil ao ordenar:
Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
Nessa perspectiva, as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho sobre determinado tema, além de vincular os membros do próprio Tribunal, vinculam também os Juízes da primeira instância (art. 489, inciso VI do novo Código) que deverão seguir a orientação adotada pelo precedente, salvo quando o caso examinado for distinto, hipótese em que o Juiz terá de justificar fundamentadamente, sob pena de nulidade (art. 489, § 1º, incisos V e VI do novo Código).
Com isso, além de se evitar decisões divergentes sobre a mesma matéria tanto no âmbito do Tribunal como na primeira instância, há possibilidade de que elas sejam proferidas de forma mais célere com maior aptidão de se tornarem efetivas, cumprindo-se assim, pelo menos no campo teórico, o princípio da razoável duração do processo.
Até a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, a uniformização da jurisprudência se dava precipuamente por meio do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, disciplinado nos arts. 476/479 do vigente Código. Todavia, esse instrumento será extinto com a entrada em vigor do novo Código, sendo substituído pelo procedimento de Julgamento de Recursos Repetitivos no âmbito dos Tribunais Superiores (arts. 896-C da CLT e 1036 e seguintes do novo Código) que entendo deve ser aplicado também pelos Tribunais Regionais do Trabalho à falta de outro mecanismo.
Todavia, os fatos da realidade da vida são dinâmicos e sempre estão à frente do legislador, especialmente numa sociedade de conflitos massificados, tecnologicamente avançada e de rápidas mudanças no contexto social.
Essa realidade obriga, não raro, a mudanças que precisam ser compreendidas e absorvidas pelo Direito, embora este sempre esteja atrás dos fatos, inclusive no campo instrumental.
Desse modo, o precedente pode ser superado pela técnica do overruling, por meio da qual perde a força vinculante e é substituído por outro em face de um juízo negativo sobre a sua ratio decidendi, fundado em substanciais razões ou de mudanças sociais e jurídicas para abandoná-lo como, por exemplo, alterações legislativas, mudança do modelo econômico, conquistas tecnológicas, entre outras .
Ademais, o precedente pode deixar de ser aplicado quando a situação fática do caso concreto a ser julgado for diversa.
Nessa hipótese, o juiz não está obrigado a segui-lo, devendo, todavia, demonstrar na decisão, de forma fundamentada, a distinção entre a tese nele acolhida e o caso a ser apreciado, fazendo assim, o que a doutrina norte-americana denomina de distinshing (arts. 489, inciso VI e 1037, §§ 9º e seguintes do novo Código). Porém, presente a mesma situação fática ou as mesmas circunstâncias e enquanto não superado pela técnica do overruling, não se admite possa haver decisões divergentes sobre a mesma matéria no âmbito do mesmo Tribunal; Com isso também se pretende garantir a segurança jurídica nas relações, integridade e coerência da jurisprudência do Tribunal e mais, se dá consequência prática ao princípio-garantia da igualdade.
Como lembra Guilherme Marinoni , “a igualdade é um elemento indissociável do Estado Democrático de Direito”. Por conseguinte, “tanto o Estado quanto os particulares estão submetidos ao princípio da igualdade. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário sofrem a mesma incidência do princípio”.
Quanto ao Judiciário, no nosso modo de ver, a incidência do princípio da igualdade se mostra evidente pela necessidade de se dá tratamento igualitário para as situações iguais que são submetidas a julgamento não sendo admissível que sejam tratadas de forma diferenciada, pois além de injusto gera insegurança jurídica.
Vale reiterar que o precedente pode sofrer revisão ou superação especialmente em razão das mudanças inerentes à vida social que é sempre mais dinâmica do que o Direito, especialmente num mundo globalizado, de avanços e conquistas tecnológicas e científicas rápidas como se vivencia na atualidade, em que as distâncias culturais e de comunicação cada vez mais diminuem e terminam influenciado na vida de todos.
Essa realidade não pode ser desprezada pelo Direito que existe e tem a missão de disciplinar exatamente as relações e vida em sociedade.
Desse modo, o precedente também sofre a influência dessas mudanças e conquistas que não podem ser por ele ignoradas. Logo, o precedente precisa ser superado ou revisto quando elas ocorrem de forma a mudar a visão não apenas do legislador, mas da própria sociedade sobre certos ou determinados assuntos.
Todavia, para garantir a segurança jurídica das relações firmadas sob a égide da decisão acolhida pelo precedente, a norma processual faculta ao Tribunal modular os efeitos da alteração (art. 896-C, § 3º da CLT), autorização que também se encontra prevista no art. 927, § 3º do novo Código de Processo Civil estabelecendo que:
na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de recursos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
Desse modo, a decisão de alteração do precedente poderá, em nome da preservação das situações criadas pelo entendimento anterior, inclusive em homenagem ao princípio-garantia da segurança jurídica, modular os efeitos da alteração. Afinal, como lembra J. J. Gomes Canotilho :
o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas.
Desse modo, na hipótese de o precedente sofrer alteração ou ser superado pela técnica do overruling, devem ser preservadas as situações jurídicas com base nele constituídas, modulando-se os efeitos da alteração.
Como averba Guilherme Marinoni , a segurança jurídica, “vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser “Estado de Direito”, o que implica afirmar que a superação ou alteração do precedente deve preservar as decisões e situações com base nele criadas não se podendo surpreender aqueles que tiveram os conflitos compostos com arrego em seus fundamentos, sob pena de se criar instabilidade nas relações jurídicas.
De fato, as pessoas têm o direito de prever razoavelmente as obrigações decorrentes dos atos originários do Poder, não apenas os decorrentes do sistema normativo, mas também os que são originados da atividade jurisdicional do Estado não podendo ser surpreendidas com mudanças que impliquem em destruição daquilo que convencionaram ou conquistaram com base em entendimento anterior do Poder Judiciário, sob pena de instalar-se a insegurança se não a desordem.
Desse modo, na hipótese de uma Corte de Justiça, nomeadamente uma Corte Superior, toma uma decisão grave de reverter uma jurisprudência consolidada, não pode nem deve fazê-lo com indiferença em relação à segurança jurídica, às expectativas de direito por ela própria gerada, à boa-fé e à confiança legítima que os jurisdicionados criaram com base nesse entendimento. Nessa hipótese, é a própria credibilidade do Tribunal que está em questão .
Se a Constituição impõe limites à inovação legislativa em nome da segurança jurídica, da boa-fé e das legítimas expectativas de direito, pelas mesmas razões essa limitação deve ser observada pelo Judiciário ao alterar um precedente. Até porque a garantia da segurança encontra-se consagrada no art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como um direito natural e imprescritível. E na Constituição de 1988, esse direito encontra abrigo no art. 5º ao lado do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade.
Por essa razão, a uniformização da jurisprudência por meio do precedente judicial deve ser fonte de certeza e segurança, mas também de tratamento igualitário para situações iguais, garantia que decorre do macro princípio do Estado Democrático de Direito, que tem igualdade e a segurança como pilares.
Em definitivo, a eventual alteração do precedente apenas poderá produzir efeitos futuros, não se mostrando razoável que lhes sejam atribuídos efeitos retroativos.
Deve-se conciliar a possibilidade da modificação com o respeito ao conteúdo essencial do princípio da segurança jurídica, da boa-fé e das legítimas expectativas de direitos dos cidadãos.
3.2. Julgamento de Recursos Repetitivos
Outra técnica de resolução de conflitos de massa, com base na teoria do precedente incorporada pela Lei 13.015/2014 que inseriu na CLT os arts. 896-B e 896-C é a do julgamento de recursos repetitivos, prevista também no novo Código de Processo Civil (arts. 1036 e seguintes).
Referida técnica surge no processo civil brasileiro com a Lei 11.418/2006 no âmbito do recurso extraordinário e, posteriormente, com Lei 11.672/2008, para o recurso especial.
Para admissibilidade dessa nova técnica de julgamento faz-se necessária a existência de uma “multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito” (art. 896-C, caput, da CLT). Por conseguinte, a multiplicidade de recursos deve, necessariamente, envolver “idêntica questão de direito”.
Podemos, então, afirmar que são pressupostos para admissibilidade da nova técnica de julgamento:
a) a existência de multiplicidade de recursos de revista.
Não se pode aplicar a referida técnica quando houver apenas um recurso ou um pequeno grupo de processos que se mostre quantitativamente insignificante.
A propósito, lembra Claudio Brandão :
Ainda que se trate de conceito jurídico indeterminado (multiplicidade de recursos de revista), a idéia é interessante porque afasta certa margem a discricionariedade do Ministro ao pretender suscitar o procedimento em havendo, por exemplo, apenas dois casos a serem apreciados. Certo é, contudo, que, diante da verdadeira “avalanche de processos” distribuídos, facilmente se poderá alcançar a quantidade sugerida.
Parece, pois, acertado entender, ante a ausência de um critério objetivo ou substantivo, que o termo multiplicidade deve ser interpretado no sentido da existência um grande numero de recursos de revista, não sendo razoável aplicar-se a nova técnica ante uma quantidade pequena de recursos considerando-se, inclusive os efeitos que o julgamento provoca.
b) identidade da questão de direito como objeto dos recursos.
Necessário, ainda, que a multiplicidade de recursos tenha como objeto idêntica questão de direito – material ou processual – ordinária ou constitucional, para que a escolha daquele representante da controvérsia possa servir de parâmetro para os demais. Não se admite julgamento pela técnica dos recursos repetitivos quando se está ante matéria fática.
Também não é cabível a técnica em matéria de dissídios coletivos, devendo necessariamente tratar-se de recursos repetitivos interpostos em dissídio individual.
c) a existência de questão relevante ou controvérsia interpretativa sobre ela.
Necessário, ademais, que a matéria objeto dos recursos tenha relevância, ou exista a seu respeito divergência interpretativa entre os Ministros ou entre as turmas do Tribunal.
A matéria objeto dos recursos para ser considerada relevante e justificar a técnica de julgamento de recursos repetitivos, deverá ter alcance econômico, social, político ou jurídico que transcenda os interesses subjetivos da causa.
Como lembra Estêvão Mallet, “a controvérsia deve envolver o direito em tese sendo desimportante dizer respeito ao direito material, como ao direito processual”.
Pode ser suscitado por qualquer um dos Ministros componentes da SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, ao identificar os requisitos mencionados no art. 896-C da CLT, incumbindo à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidir sobre a adoção do procedimento de julgamento de recursos repetitivos.
Entende Estevão Mallet não existir proibição para que o pedido seja feito pelas partes ou até por integrante do Ministério Público do Trabalho.
Ouso divergir do ilustre Professor nesse aspecto, pois a norma constante do art. 896-C é expressa ao dizer que o requerimento deve ser feito por qualquer um dos Ministros que compõe a Seção Especializada, não mencionando nenhum outro legitimado, ao contrário do novo Código de Processo Civil (art. 977) que autoriza expressamente às partes e outros legitimados a requerer a instauração do incidente.
Como a CLT não é omissa quanto à matéria, parece não ser possível invocar-se, ainda que subsidiariamente, a norma de Direito Processual Civil no particular, embora reconheça ser a tese defendida pelo nobre Professor bastante tentadora, máxime se pensarmos que visa facilitar o direito fundamental do acesso à justiça e à uniformização da jurisprudência.
A deliberação sobre o julgamento compete exclusivamente à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno. O acolhimento do procedimento exige maioria simples.
Devem chegar ao órgão julgador - Seção Especializada em Dissídios Individuais ou o Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho - os processos representativos da controvérsia jurídica que ensejou a multiplicação de recursos a fim de permitir que se tenha “visão global da questão”. E para tanto, alguns processos serão afetados pelos Presidentes de Turmas, por indicação dos relatores.
Devem ser escolhidos processos que permitam conhecer esses diferentes enfoques. A seleção pode abranger ainda, a critério dos Presidentes das Turmas, processos que tenham sido considerados representativos pelos Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho (art. 896-C, § 4º da CLT).
O relator poderá, ainda, “solicitar, aos Tribunais Regionais do Trabalho, informações a respeito da “controvérsia”, que podem ser prestadas por meio de relatório, sem prejuízo de envio dos processos considerados representativos.
Pode o relator também determinar a suspensão os “recursos interpostos em casos idênticos aos afetados como recursos repetitivos” que estejam aguardando o julgamento, sendo facultado, ainda, ouvir pessoas, órgãos ou entidades, inclusive como assistentes que, todavia não têm legitimação para recorrer da decisão que vier a ser proferida nem estão sujeitos aos efeitos da sucumbência.
Considerando que a norma não especifica a que título essas pessoas podem ser ouvidas, apenas falando, exemplificativamente, “inclusive como assistentes simples”, entendo perfeitamente cabível, a aplicação subsidiária da norma do art. 138 do novo Código de Processo Civil que admite a intervenção de amicus curiae, inclusive com a possibilidade da interposição de recurso da decisão que julgar o incidente de recursos repetitivos, mas não do acórdão que resolver a controvérsia de mérito, à medida que sua intervenção visa auxiliar com o fornecimento de esclarecimentos e informações técnicas sobre determinados assuntos de grande repercussão e com isso ajudando na formação do convencimento do Tribunal. Desse modo, O papel do amicus curiae é, assim, o de chamar atenção da corte para alguma matéria de interesse público que outro modo, poderia escapar-lhe à atenção.
Visa, pois, ajudar a corte obter informação sobre determinadas matérias sobre as quais haja divergência e cuja relevância transcenda aos interesses subjetivos das partes envolvidas na demanda, cujo julgamento pode influenciar em outros casos transformando-se em precedente.
A propósito lembra Alexandre Câmara que a presença do amicus curiae só deve ser admitida se a matéria de direito for nova ou, sendo antiga, haja divergência a seu respeito.
Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça assentou que “o escopo da edição da norma legal viabilizadora da intervenção do amicus curiae é o de permitir ao julgador maiores elementos para a solução do conflito, que envolve, de regra, a defesa de matéria considerada de relevante interesse social”. (AgRg nos Embargos de Divergência em Resp nº 827.194 – SC. DJ: 18/09/2009).
Com o devido respeito, no âmbito laboral tratando-se de recursos em ações repetitivas envolvendo questão de relevância social, econômica ou jurídica que possa afetar aos interesses de grupos ou categorias, a presença do amicus curiae poderá auxiliar o Tribunal trazendo subsídios e informações sobre determinados temas técnicos a respeito dos quais nem sempre os julgadores têm conhecimento, e com isso contribuindo para julgamento e consequente tese a ser firmada pelo precedente.
Nesse quadro, não vemos nenhum inconveniente na admissão dessa figura processual no âmbito do Processo do Trabalho; antes, trará grande contribuição nos julgamentos, especialmente porque não se pode deixar de reconhecer a complexidade das demandas que hoje são apresentadas a julgamento na Justiça do Trabalho, não raro de natureza repetitivas com fortes e concretos impactos não apenas sobre os interesses dos envolvidos na demanda, mas também sobre coletividades ou grupos de trabalhadores ou de empreendedores, não podendo essa realidade ser desprezada pelo Direito.
No procedimento de recursos repetitivos, no julgamento é firmada a tese jurídica para a questão de direito controvertida que servirá como precedente produzindo dois efeitos:
a) um com relação a caso ou os casos que hajam sido objeto de afetação (intraprocessual;
b) outro, para os demais, em que se tenha ordenado o sobrestamento dos recursos de revista (extraprocessual) e que valerá para futuros julgamentos constituindo assim, o precedente judicial.
Essa técnica encontra fundamento na teoria do precedente e visa coerência, estabilidade e integridade das decisões, e ao mesmo tempo produz celeridade, pois com um único julgamento são resolvidas várias demandas prestigiando-se também o princípio da razoável duração do processo.
3.3. Assunção de competência
Por ultimo, gostaria de tecer rápidas considerações a respeito do incidente assunção de competência previsto e disciplinado nos arts. 896, § 13 da CLT e 947 do novo Código de Processo Civil.
Esse incidente tem lugar nos dissídios individuais quando a matéria de direito objeto do recurso seja reputada de grande relevância a ponto de merecer julgamento pelo Pleno do Tribunal.
Será suscitado por qualquer um dos membros da Sessão Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho e aprovado pela maioria dos integrantes da Seção.
O acórdão proferido tem efeitos vinculantes em relação a todos os juízes e órgãos fracionários do Tribunal, salvo quando houver revisão da tese.
Também aqui se pretende dar integridade, estabilidade e coerência nas decisões de forma a prevenir ou compor divergências de entendimentos entre câmaras ou turma do Tribunal.
Trata-se de um mecanismo que visa resolver questões de direito, com grande repercussão social, econômica ou jurídica, sem repetição em múltiplos processos (art. 947 do novo Código de Processo Civil e 896, § 13 da CLT), visando assegurar estabilidade nas relações jurídicas, à medida que a eficácia do pronunciamento definitivo no recurso representativo se estende aos demais recursos que tenham idêntico fundamento de direito. Por conseguinte, traz maior celeridade na resolução dos conflitos, pois a uniformização interpretativa se aplica obrigatoriamente aos demais processos que tratam de idêntica questão de direito tendo ainda uma estreita relação com o princípio da isonomia.
De fato o pronunciamento judicial proferido no recurso representativo da controvérsia alcança os demais recursos que tenham sido sobrestados, visando evitar decisões contraditórias ou divergentes sobre a mesma matéria trazendo segurança jurídica e estabilidade às decisões especialmente àquelas que envolvem questões de grande repercussão social.
São essencialmente essas três técnicas que a Lei 13.015/2014 trouxe ao sistema recursal trabalhista.
Se considerarmos que a Justiça do Trabalho recebe por ano mais de dois milhões de novos processos, a técnica de julgamento de recursos repetitivos e da assunção de competência contribuirá e muito para tornar realidade a garantia da razoável duração do processo.
4. Considerações finais
As novas técnicas de julgamento dos recursos trabalhistas trazidas pela Lei 13.015/2014 visando imprimir celeridade nos julgamentos e estabilidade e segurança jurídica, para que possam produzir os almejados efeitos, exigem uma mudança de postura e de mentalidade de todos os envolvidos com o sistema de Justiça, de modo a compreender que muitos conflitos deveriam ser compostos por mecanismos extrajudiciais como a mediação e a conciliação, que, no campo dos dissídios laborais, se mostram bastante eficazes.
Apenas os conflitos que envolvam questões relevantes sob a perspectiva social, econômica e jurídica devem ser levados ao Judiciário.
Precisamos reeducar a sociedade de modo a conscientizá-la que é ela quem deve ser a protagonista da resolução de seus conflitos por meio dos mecanismos de negociação e conciliação e que o processo judicial é apenas mais um desses instrumentos não o único como infelizmente pensam alguns.
E nessa tarefa os sindicatos e os advogados têm um relevante papel a desempenhar, mas não apenas estes, também as faculdades e universidades de Direito, de modo a preparar os futuros profissionais para essa nova e inevitável realidade, à medida que a Justiça não mais consegue resolver, pelo menos no tempo desejável, os milhões de conflitos que lhe são apresentados.
É preciso repensar as formas de composição de conflitos e reeducar a sociedade para o diálogo e para a negociação.