Capa da publicação Delação premiada: validade e eficácia no processo penal
Capa: Sora

Delação premiada: uma análise sobre a sua validade e eficácia no curso do processo penal

Exibindo página 1 de 4
08/04/2016 às 23:22
Leia nesta página:

Examina-se a colaboração premiada quanto à validade, à eficácia e à prova no processo penal, sob a ótica do contraditório e do direito ao silêncio do réu.

INTRODUÇÃO

A delação premiada é uma técnica especial de investigação, consubstanciada em um meio extraordinário de obtenção de provas. Nesse sentido, pode-se dizer que é uma confissão acrescida de alguns elementos de suma importância, onde o delator, além de confessar sua participação ou coautoria no crime praticado, fornece informações exclusivas e efetivas para a rápida elucidação do delito, como por exemplo, a localização da vitima e do produto do crime, além da identificação dos demais integrantes envolvidos, auxiliando o Estado para o efetivo desmantelamento da organização criminosa, seu objetivo primordial.

Nessa óptica, faz-se necessário uma análise tanto pelo seu valor histórico, como pela sua importância jurídica, além do fato de estar positivada, esparsamente, na legislação brasileira em vigor.

Ao analisar toda essa legislação vigente, nota-se que o instituto da delação premiada está ligado, quase que sempre, a um tipo penal específico. No entanto, com a Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/99), grande parte doutrina defende a universalização do instituto, passando não mais a restringir-se aos tipos penais expressos, mas abrangendo todos os delitos que seja possível a sua incidência, desde que atendidos os seus requisitos legais e concretizados os seus objetivos. Tal entendimento vem se consolidando com o advento da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/13), em que, configurado os concurso de agentes e alcançados os resultados previstos na lei, será possível a aplicação do instituto da delação premiada.

Com o ingresso do instituto premial em vários diplomas legais, tem-se grande repercussão no universo jurídico, uma vez que a delação premiada pode ser motivada pelo agente delituoso, única e exclusivamente, na tentativa de ganhar benefícios penais a todo custo, porém, justamente nesse propósito, tem-se a necessidade de que tal instrumento deva estar abalizado pelo contraditório e ampla defesa, bem como fundamentado em provas que corroborem com as informações prestadas pelo delator.

A delação premiada está em grande destaque no cenário jurídico – político brasileiro, ante o fato de grandes processos estarem se valendo deste instituto, como por exemplo, no caso da Operação Lava Jato, que investiga e processa os crimes no âmbito da Petrobras, onde alguns réus inclusive já celebraram Acordo de Delação Premiada com o Ministério Público Federal.

Nesse sentido, há controvérsias e críticas na utilização do referido instituto quanto a sua validade e eficácia, assim como em relação à ética e a moral, pois é um meio de obtenção de prova obtido mediante contrapartida do Estado, ou seja, o delator recebe benefícios penais do Estado em face de cooperar com tudo o que souber quanto à autoria, coautoria e participação, além dos demais detalhes acerca da prática delituosa.

Dessa maneira, trata-se, no capítulo inicial, sobre a origem histórica do instituto da delação premiada, bem como sobre suas características, classificação e natureza jurídica.

No segundo, analisa-se as leis penais em que está inserido o instituto em apreço, enfatizando toda a sua evolução legislativa no ordenamento jurídico pátrio.

Já no terceiro e último capítulo, discorre-se sobre a validade e eficácia do instituto premial no curso do processo penal, com especial atenção às questões éticas, morais e principiológicas, bem como em relação ao seu procedimento e a sua incidência no campo prático, relacionando-se, quando possível, com o caso da Operação Lava Jato.

A presente pesquisa trata-se, portanto,de um estudo sistemático sobre a delação premiada, importante instrumento da ciência criminal que tem a finalidade de auxiliar a Justiça no combate à criminalidade organizada, facilitando a persecução criminal, além de coibir a reincidência de novos delitos pelas mesmas associações criminosas, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso.


1. O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA

1.1. Histórico

É notório na História Geral e Brasileira o fenômeno da traição entre os homens, a lembrar de casos desde a história antiga até os dias atuais e apenas para citar alguns exemplos, tem-se: no período da vida de Cristo, conforme ensinamentos bíblicos, quando Ele foi traído por seu apóstolo Judas, pelas míseres 30 (trinta) moedas, passando pela história contemporânea, mais precisamente brasileira, em que Tiradentes foi levado à forca após traição de Joaquim Silvério dos Reis, em troca do perdão de suas dívidas, até os dias de hoje, quando integrantes de associações criminosas, no curso da persecução penal, passam a delatar os seus antigos companheiros de crime. Em todos esses casos, há em comum o fato de o traidor obter, em contrapartida às revelações, algum ou alguns benefícios.

Apesar dos indícios acerca da delação premiada remontarem tempos distantes, sua institucionalização no universo jurídico é bem recente e advêm do direito estrangeiro.

1.1.1. Na Itália

A Delação Premiada, como hoje é estudada, é fruto do direito italiano, tendo origem na década de 1970, quando o país estava contaminado pelas ações terroristas, com predominância de crimes de extorsão mediante sequestro, além de uma forte influência das máfias ali instaladas. No entanto, foi na década de 1980 que o instituto penal em análise obteve maior destaque e eficácia. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Com o objetivo de combater as ações mafiosas que assolavam o país, foram criadas leis para auxiliar o Estado no combate aos atos terroristas e as associações da máfia. Foi então que surgiu o instituto da Delação Premiada, sob o escopo da expressão "Colaboradores da Justiça", inicialmente denominada como "pentitismo" (em tradução para o português, seria algo relativo à figura do "arrependido"), denominação criada pela imprensa italiana ao se referir ao instituto jurídico estabelecido no artigo 3° da Lei n° 304/82, que previa que, ao réu que confessasse sua autoria ou participação, bem como fornecesse às autoridades competentes informações úteis ao desvendamento do crime, assim como, a possibilidade de impedir a execução dos crimes para os quais o grupo criminoso se constituiu, teria, em contrapartida, um prêmio legal que ia desde a suspensão condicional do processo e atenuante da pena, até a extinção da punibilidade, além de proteção de sua família, pelo Estado. (MENDRONI, 2009).

Nessa perspectiva, a doutrina de Eduardo Araújo da Silva (2009, p. 67-68), ensina que:

No direito italiano, as origens históricas do fenômeno dos “colaboradores da Justiça” é de difícil identificação; porém sua adoção foi incentivada nos anos 70 para o combate dos atos de terrorismo, sobretudo a extorsão mediante sequestro, culminando por atingir seu estágio atual de prestígio nos anos 80, quando se mostrou extremamente eficaz nos processos instaurados para a apuração da criminalidade mafiosa. O denominado pentitismo do tipo mafioso permitiu às autoridades uma visão concreta sobre a capacidade operativa das Máfias, determinando a ampliação de sua previsão legislativa e a criação de uma estrutura administrativa para sua gestão operativa e logística (Setor de Colaboradores da Justiça). O sucesso do instituto ensejou, até mesmo, uma inflação de arrependidos buscando os benefícios legais, gerando o perigo de sua concessão a indivíduos que não gozavam do papel apregoado perante as organizações criminosas.

Em seguida surgiram mais duas espécies de "Colaboradores da Justiça", os "dissociati" e os "collaboratore", respectivamente, dissociado e colaborador. O dissociado era aquele que, após confessar a sua participação no crime, prestava todas as informações necessárias para amenizar as consequências advindas do delito já praticado, bem como, no sentido de impedir a prática de novos crimes pelo seu ex-grupo. Já o colaborador, era a junção do arrependido ("pentitismo") com o dissociado ("dissociati"), pois além de confessar a prática do crime, fornecer todas as informações para o efetivo desvendamento do crime, bem como possibilitar o impedimento da execução dos crimes para os quais o grupo foi criado e amenizar as consequências jurídicas dos crimes já praticados, o colaborador auxilia as autoridades, abastecendo-os com relevantes indícios de prova, para que se aproxime da verdade real e, ainda, a efetiva materialização e autoria dos crimes. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Um dos principais casos e que ganhou bastante notoriedade na Itália e no mundo, aconteceu no final da década de 1980, e envolveu o famoso mafioso Tommaso Buscetta, ficando conhecida como "Operazione Mani Pulite" (Operação Mãos Limpas). Buscetta prestou privilegiadas informações sobre a máfia que comandava as ações criminosas em toda península itálica, à época, ao promotor Giovanni Falcone. Em contrapartida às informações fornecidas, Buscetta não requereu nenhum benefício legal em seu favor, apenas, no entanto, proteção aos seus filhos e esposa, que foram transferidos para os Estados Unidos, após um acordo entre os países. (MENDRONI, 2009).

Com a colaboração de Tommaso Buscetta, o promotor Falcone instaurou um mega processo, que teve início no começo do ano de 1986 e fora ultimado somente em dezembro de 1987, levando quase dois anos de processamento e julgamento. Desse mega processo, que, pela primeira vez encarou a máfia italiana, resultou 475 sentenças condenatórias, dentre elas 19 em pena de prisão perpétua. (MENDRONI, 2009).

Após o fim do julgamento, Buscetta foi cumprir sua pena nos EUA, pois estava sob iminente risco de morte. Já ao fim de todo o processo, o promotor, Giovanni Falcone, permaneceu na Itália e acabou sendo executado, supostamente, pelos retardatários da máfia. (MENDRONI, 2009).

Notadamente, o instituto da Delação premiada gerou excelentes resultados na Itália, na década de 1980, principalmente no que diz respeito a atender o seu principal objetivo, qual seja, combater as organizações criminosas, produzindo grande diminuição nas atividades da máfia. (LIMA, 2014).

1.1.2. Nos Estados Unidos

No direito americano, a delação premiada é tratada sob o pálio da "plea bargaining", que, traduzido ao português, significa, literalmente, um ato de negociação através do argumento e, de maneira interpretativa, pode receber o significado de "barganhar". O "plea bargaining" um instituto penal que consiste em uma negociação realizada entre um membro do Ministério Público e a defesa do acusado, que, em regra, deverá fornecer todas as informações sabidas sobre o crime praticado. Em contrapartida, o Ministério Público pode até deixar de acusá-lo, eis que no sistema norte-americano, isto é, no "common law", há uma ampla discricionariedade a cargo do Ministério Público no que tange o processo penal, é tanto que, o próprio Ministério Público é quem comanda a fase investigativa, bem como é dele a decisão de instauração ou não da ação penal. Diferentemente do que acontece no Brasil, onde imperam, em regra, o princípio da indisponibilidade e o da obrigatoriedade.(QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Dessa forma, nos casos da "plea bargaining", cabe ao juiz apenas a homologação do acordo, restando ao membro do parquet todas as demais ações relativas à celebração do pacto entre a acusação e defesa. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Com a finalidade de apresentar resultados rápidos e práticos à sociedade, há estudos que comprovam a eficiência da "plea bargaining", a qual, segundo Eugênio Pacelli (2014, p. 836), chega a solucionar de cerca de 85% dos crimes nos Estados Unidos, que acabam se ultimando através do acordo entres as partes (acusação e defesa).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
1.1.3. Na Alemanha

No direito alemão existe a figura da "kronzeugenregelung", que em livre tradução para a língua portuguesa quer dizer "clemência". No campo do direito, todavia, "kronzeugenregelung", trata-se de um instituto de regulação de testemunhos. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Este modelo de delação premiada instituído na Alemanha, caracteriza-se pela discricionariedade do juiz, que tem total liberdade na condução da "kronzeugenregelung", podendo diminuir a pena e, inclusive, não aplicá-la, o que dependerá do comprometimento do acusado colaborador, que deverá ser sério, voluntário e capaz de impedir a prática de novos crimes pelo mesmo grupo criminoso.(QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

De início, a legislação alemã que previa a delação premiada, estava restrita apenas aos casos de crimes relacionados ao terrorismo. Em seguida foi estendida para os delitos praticados pelas organizações criminosas em geral. Posteriormente, a "kronzeugenregelung" ampliou sua incidência para os crimes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Não obstante, além desses crimes, atualmente há uma maior abrangência, incidindo em crimes de sequestro, homicídio, corrupção e pornografia infantil, por exemplo. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

É imperioso destacar que, hoje em dia, com o desenvolvimento do instituto, a possibilidade de extinção da punibilidade para o colaborador, está praticamente em desuso, eis que esse benefício somente é possível para os crimes em que a pena seja inferior a três anos.

1.1.4. Na Espanha

No direito espanhol, a delação premiada é conhecida pela expressão "delincuente arrependido", que em simples tradução ao português, quer dizer delinquente arrependido. Assim como nos demais países, o instituto espanhol visa combater os crimes relacionados ao terrorismo.

O procedimento da delação premiada exige do colaborador informações suficientes para o efetivo desmantelamento do grupo criminoso, possibilitando a produção de provas para que seja evitada a prática de novos delitos, além, é claro, de sua confissão. Os benefícios legais, em regra, são menos privilegiados do que os ofertados em outros ordenamentos, eis que, conforme estabelece o artigo 579, do Código Penal da Espanha, as autoridades competentes pela persecução penal poderiam atenuar a pena sob o percentual de um a dois terços, não havendo a possibilidade de extinção da punibilidade. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Institucionalizada no Código Penal Espanhol, a delação premiada está, não apenas inserida nos crimes relacionados ao terrorismo, mas também nos crimes contra a saúde pública, com maior destaque para o crime de tráfico de drogas.(QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

1.1.5. No Brasil

A origem da delação premiada no Brasil remonta à época das Ordenações Filipinas, compilação das normas jurídicas impostas pela coroa portuguesa ao Brasil Colônia, que permaneceu em vigor do ano de 1603 até meados de 1867.

Na parte criminal das Ordenações Filipinas, a delação premiada tinha um considerável destaque na parte que tratava dos crimes de falsificação de moeda, consubstanciando-se sob o título "Como se perdoará aos malfeitores, que derem outros à prisão", em que o criminoso que delatasse outro indivíduo delituoso teria em troca o perdão judicial como prêmio. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Alguns casos que envolveram a delação premiada ganharam destaque na História do Brasil. Dentre eles, ainda no período de vigência das Ordenações Filipinas, a delação premiada foi utilizada no movimento histórico-político da Inconfidência Mineira (1789), quando o inconfidente Coronel Joaquim Silvério dos Reis delatou seus companheiros, que foram acusados e presos pelo crime de traição contra o Rei, em troca de perdão de suas dívidas com a Coroa Portuguesa. Dentre os companheiros inconfidentes, destacou-se Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como "Tiradentes", que foi apontado pelo delator como o líder do movimento, rendendo-lhe pena de morte por enforcamento.(LIMA, 2014).

Outro momento que merece destaque na História do Brasil é o período do Regime Militar (1964 - 1985). Já sob a tutela do "atual" Código Penal e de Processo Penal, porém, sob a égide da ditadura aqui instalada, a delação premiada era bastante utilizada, discricionariamente, para combater as pessoas que eram contra o regime de governo, eis que eram consideradas criminosas pelo simples fato de serem contrárias ao modelo de governo repressivo aqui instalado. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Embora todos esses casos registrados, a delação premiada, de fato e na forma em que é abordada hodiernamente, só veio adentrar no vigente ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), que definitivamente institucionalizou a delação premiada como instrumento da ciência criminal, que tinha e tem como finalidade o efetivo desmantelamento das quadrilhas ou bandos, hoje tratados como associações criminosas, formadas para práticas de crimes classificados como hediondos e equiparados. Desse instituto, o réu delator teria como prêmio legal uma diminuição na sua pena, configurando-se, portanto, uma circunstancia atenuante da pena.

A partir daí, a delação premiada passou a integrar outras legislações. Dessa forma, além da Lei dos Crimes Hediondos, este instituto premial está presente nos seguintes diplomas legais: Código Penal Brasileiro, em seu art. 159. (extorsão mediante sequestro), § 4º; Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/86), art. 25, § 2º; Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo (Lei 8.137/90), art. 16, parágrafo único; Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98), art. 1º,§ 5º; Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/99), art. 13. e 14; Lei Antidrogas (Lei 11.343/06), art. 41; Lei que institui o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/11) e na Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/13), art. 4º. Todas serão abordadas minuciosamente no capítulo seguinte.

1.2. Conceito

Diante do grande avanço da criminalidade e dos sofisticados meios utilizados pelas organizações criminosas, cumulados com o assoberbamento do judiciário, mostra-se necessária uma busca por novas políticas eficazes no combate às ações de grupos organizados. É aí que se destaca e ganha força o instituto da delação premiada, método utilizado pelo Estado para auxiliá-lo na manutenção da ordem e segurança pública, com a finalidade de desestruturar as associações criminosas.

Segundo o Minidicionário de Língua Portuguesa de Evanildo Bechara (2009, p. 263), o termo "delação" significa denunciação, acusação ou revelação. No entanto, tal instituto não tem apenas a característica de denunciar ou revelar uma ação delituosa praticada por outrem. Na ciência do direito, delação tem um significado mais complexo. Nessa ótica, delação seria a confissão de uma infração penal somada à denunciação dos demais integrantes do grupo delituoso, isto é, nos delitos praticados em concurso de pessoas, um dos coautores ou partícipes, além de confessar o seu envolvimento, revela a participação de uma ou mais pessoas na prática do mesmo crime. Já a expressão "premiada" deriva do prêmio legal que o Estado fornece em troca das informações prestadas pelo delator. (LIMA, 2014).

De acordo com o Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva (2007, p. 423), Delação Premiada "é a delação realizada por pessoa envolvida no delito e que procura obter o benefício de redução ou mesmo isenção das penas respectivas".

Também conhecida por chamamento de corréu, a delação premiada é um acordo celebrado entre um criminoso confesso e as autoridades responsáveis pela persecução criminal, ou seja, é um negócio jurídico bilateral que se caracteriza pela contrapartida do Estado em face das informações fornecidas pelo delator. Em outras palavras, é o prêmio legal que o Estado dá ao agente delituoso que coopera com as investigações, fornecendo todas as informações confidenciais sobre o crime, no curso das investigações e/ou da ação penal. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Dessa forma, o delator, em transação com o Delegado de Polícia, quando na fase pré-processual, com manifestação positiva do Ministério Público, ou com o próprio Ministério Público, no curso da ação penal, fornece informações precisas quanto à coautoria, participação, objeto e demais fatos inerentes ao crime praticado e, até mesmo, sobre o "modus operandi" do grupo que ele "participa(va)", em troca de benefícios penais, tais como: substituição, redução ou isenção da pena ou regime penitenciário menos gravoso, que dependerá da legislação aplicável ao caso concreto. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (2014, p.878), entende que delação premiada significa:

(...) a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento continuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.

Na mesma perspectiva, ensina Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 766), que a delação premiada consiste em uma:

(...) redução de pena (podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo a total isenção de pena) para o delinquente que delatar seus comparsas, concedida pelo juiz na sentença final condenatória, desde que sejam satisfeitos os requisitos que a lei estabelece.

O que se busca com a aplicação desse instituto no ordenamento jurídico, é uma maneira que viabilize o combate ao crime organizado. Nessa óptica, Rudolf von Ihering, imaginou o direito premial como um instrumento eficaz no desmantelamento do crime organizado e, ainda, capaz de minimizar a deficiência dos Estados frente a este tipo de criminalidade, dada a evolução tecnológica e operacional dessas organizações criminosas. Fato que se constata atualmente, haja vista o iminente domínio das organizações criminosas em face da desestruturação dos Estados.

A finalidade da instituição de um prêmio legal ao delator, na maioria das vezes, na forma de redução de pena e, por vezes, até na modalidade de perdão judicial, é, em troca, dar ao Estado informações que o auxiliem no desmantelamento das ações criminosas, principalmente aquelas ligadas ao crime organizado que, pela sua estruturação, vêm, cada vez mais, dificultando o processamento dos crimes perante o judiciário através dos métodos convencionais de investigação. Além disso, tem, também, o objetivo de dificultar e, até cessar, a possibilidade de futuras ações criminosas que venham a ser praticadas pelo mesmo grupo.

Conforme leciona Eugênio Pacelli (2014, p. 802), a delação premiada tem caráter imperativo, eis que se trata de instituto atributivo de direito subjetivo ao réu, iminente delator. Isto quer dizer que a delação premiada é imposta ao juiz, não necessitando, pois, de sua concordância, haja vista ser necessária apenas uma efetiva colaboração do réu delator no curso da persecução criminal.

Damásio de Jesus (2014, p.745) ao analisar o tipo penal extorsão mediante sequestro (art. 159, do Código Penal) elenca os requisitos para a delação premiada, eis que o § 4º do citado artigo versa sobre a possibilidade da delação premiada no crime de extorsão mediante sequestro. Então, a delação premiada exige que:

(...) o crime tenha sido praticado em concurso de pessoas (CP, art. 29). Assim, a delação aproveita ainda quando cometido por apenas dois sequestradores. A expressão "concorrente" refere-se a qualquer participante da associação criminosa (coautor ou partícipe). (...) trata-se de uma causa de diminuição de pena de caráter obrigatório, variando a redução de acordo com a maior ou menor contribuição do sujeito para a libertação do sequestrado. De natureza material, a norma que a prevê tem efeito retroativo.

É evidente que a delação premiada deve estar abalizada pelo princípio do contraditório, já que está em jogo benefícios extremamente sedutores em favor do réu e, ainda, por se tratar de um instrumento da ciência criminal que tem função, precipuamente, indicadora da materialização e autoria do crime. (LIMA, 2014).

Trata-se, portanto, de um instituto penal bastante polêmico perante o universo jurídico, eis que depende de uma contrapartida do Estado em face de um confesso criminoso. É, pois, a traição bonificada.

1.2.1. Do Direito Premial

O direito premial é uma ciência que deriva do direito penal, idealizado pelo jurista alemão Rudolf von Ihering, na metade século XIX, que se caracteriza pela institucionalização de um prêmio legal, ofertado pelo Estado, em face de informações que o auxiliem no combate à criminalidade.

Para Ihering, o Estado, diante de sua incapacidade de combater e desvendar os crimes de maior complexidade teria de se render ao direito premial, eis que não teria condições de combater a criminalidade através dos métodos usuais de investigação e processamento dos crimes, utilizados pelo Estado. Nesse sentido, Ihering (2010, p. 73) preconizou que:

"Um dia, os juristas vão ocupar-se do direito premial. E farão isso quando, pressionados pelas necessidades práticas, conseguirem introduzir a matéria premial dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade e do arbítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas, sobretudo, no interesse superior da coletividade".

Dessa forma, o direito premial é, portanto, fonte para o instituto da Delação Premiada.

1.2.2. Delação Premiada x Colaboração Processual

Delação Premiada e Colaboração Processual. Há bastante semelhança e quem defenda tratar-se de institutos sinônimos. Entretanto, a doutrina moderna e atualmente predominante, costuma diferenciar esses dois institutos penais.

A expressão Colaboração Processual é dotada de maior abrangência, eis que se trata de instituto de ordem processual, em que o réu colaborador, no curso da persecução penal, pode confessar a prática de um crime sem, no entanto, imputar participação ou coautoria a terceiros, posto que a colaboração está atrelada ao desencadeamento das investigações e ao resultado do processo. Nesse caso, por exemplo, o colaborador, poderia apenas informar sobre a localização do objeto do crime. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Já a Delação Premiada, como já analisada, é um instituto em que há uma confissão somada a uma acusação a terceiros pela participação ou coautoria no mesmo crime e que tem como principal consequência o benefício legal em favor do réu delator. Nessa óptica, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ, 6º Turma, HC 107.916/RJ, Rel. Min. Og Fernandes), o instituto da delação premiada consiste em "ato do acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades elementos capazes de facilitar a resolução do crime".

Além dessas características, as quais nos mostram as distinções entre os dois institutos, são comuns questionamentos e críticas por parte da doutrina no que se refere à ética na delação premiada, haja vista tratar-se de uma traição propriamente dita instigada pelo Estado, pois os benefícios são bastante sedutores para um confesso criminoso. Todavia, as correntes favoráveis à delação premiada procuram justificar o instituto com base em sua eficácia e ante a ineficiência do Estado em combater o crime organizado.

1.3. Classificação

A doutrina costuma classificar a delação através de duas vertentes, quais sejam: Delação Aberta e Delação Fechada.

A Delação Aberta é aquela que se configura com a apresentação do delator, que confessa sua participação em um crime e, ainda, imputa a terceiros, coautores ou partícipes, à prática do mesmo crime. Tudo em troca de algum favorecimento legal, que, de acordo com o caso concreto, poderá ser uma substituição, redução ou, em algumas hipóteses, até isenção da pena ou ainda recompensa pecuniária. Assim, pode-se dizer que a Delação aberta é a Delação Premiada propriamente dita. (GUIDI, 2006).

Já a Delação Fechada é aquela cujo delator, por meio de denúncias anônimas, presta informações acerca de um crime. Também é chamada de Delação Anônima, pois o delator se vale do anonimato, prestando auxílio desinteressado e longe de qualquer perigo. Trata-se, pois, de um mero elemento informativo, eis que tanto a doutrina como a jurisprudência são uníssonas, no sentido de que a Delação Fechada não pode justificar por si só a instauração de uma ação penal, devendo, no entanto, servir de auxílio às investigações. (GUIDI, 2006).

1.4. Natureza Jurídica

É essencial destacar a natureza jurídica de um instituto para uma melhor compreensão acerca de suas funções e características no mundo jurídico. Segundo Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2011, p. 225), saber a natureza jurídica de um instituto é saber, em linguagem simples, o que "isso" (instituto) é para o direito? Para que tal instituto serve?

Em face da ausência de uma legislação específica que regulamente a delação premiada, a doutrina e jurisprudência não são uniformes em relação à sua natureza jurídica, eis que há muitas divergências acerca dos atributos e essência desse instituto. Há quem defenda tratar-se de um instituto de direito material e outros de um instituto de direito processual. Isso se dá devido à delação premiada estar positivada em leis extravagantes e esparsas, além das diversas consequências e prêmios legais advindos desse instituto jurídico.

Alguns autores sustentam que a delação premiada não tem natureza jurídica definida, sendo apenas uma manifestação do Princípio do Consenso, que deriva do Princípio da Legalidade, pois as partes (defesa, acusação e juiz) entram em acordo sobre as consequências e benefícios para o réu delator. (MENDRONI, 2009).

Ante a perspectiva de indefinição de o quê significa a delação premiada para o direito, Paulo Quezado e Jamile Virginio (2009, p. 38/39) destacam que:

Trata-se de técnica de abreviamento do curso processual, que, quando bem utilizada, pode estar em conformidade com os preceitos constitucionais, dentro da concepção de relatividade e ponderação das garantias individuais, e os auspícios do Estado Democrático de Direito. Os dados fornecidos pelo corréu delator devem sujeitar-se à minuciosa valoração pelo magistrado, que os conjugará com outros elementos de prova, na caça incessante à verdade real dentro do processo criminal, visando a prevenir premiações desmerecidas, em decorrência de dados ineficazes, que mais podem inviabilizar o desiderato da Justiça.

Aos que defendem ser a delação premiada um instrumento de direito material, a sua natureza jurídica dependerá do benefício que o réu delator obtiver, tendo a natureza de circunstância atenuante no cálculo da pena, com fundamento no artigo 65, alínea d, do Código Penal. Nesse sentido já se posicionou a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (HC 97509/MG, j. 15/06/2010), "a delação premiada, a depender das condicionantes estabelecidas na norma, assume a natureza jurídica de perdão judicial, implicando a extinção da punibilidade, ou de causa de diminuição de pena".

Já para os que defendem ser um instituto processual, pode-se dizer que a delação premiada é uma modalidade de prova ou, no mínimo, elemento informativo, pois assim como as demais espécies de prova, ela é um instrumento que auxilia o juiz na formação de seu livre convencimento acerca da ocorrência ou não dos fatos controversos no processo. Nesse sentido, a delação premiada não pode ser confundida com a confissão espontânea, pois no instituto da confissão, o agente delituoso, apenas imputa a si, todos os atos de um crime, não havendo, sequer, nenhuma incriminação ou ligação com terceiros. Também não pode ser confundida com o mero testemunho, eis que o testemunhante não é sujeito do delito, ou seja, quem presta o depoimento não teve envolvimento nas ações criminosas. Dessa forma, a delação premiada pode ser classificada como prova inominada, ante a sua ausência no rol de provas, elencados no Código de Processo Penal, nos art. 158. ao 250. (QUEZADO; VIRGINIO, 2009).

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Iury Jim Barbosa Lobo

Advogado inscrito na OAB/CE sob o nº 33153, militante na comarca de JUAZEIRO DO NORTE/CE e Região na área criminal; Formado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - FAP - Juazeiro do Norte/CE; Pós Graduando em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri - URCA - Crato/CE; Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE, Subsecção Juazeiro do Norte/CE (Triênio: 2016 - 2018); Membro da Comissão de Apoio ao Advogado em Início de Carreira da OAB/CE, Subsecção Juazeiro do Norte/CE (Triênio: 2016 - 2018).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos