Com a entrada em vigor a partir de 18 de março de 2016 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, novo Código de Processo Civil, diversas dúvidas acerca da atividade jurídica dos procuradores e advogados públicos federais vem à tona e certamente demorarão algum tempo para serem pacificadas pelos tribunais do país.
Diversas dessas dúvidas dizem respeito a atuação dos procuradores públicos em mandados de segurança, procedimento regido principalmente pela Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009.
Um dos principais questionamentos surgidos relativamente ao procedimento que rege o mandado de segurança em face da vigência do novo Código de Processo Civil seria com relação a forma de intimação de liminares proferidas e respectiva notificação(intimação) da Advocacia-Geral da União para defesa e recursos.
Isso porque as disposições contidas no artigo 7º, II, e 9º, da Lei 12.016/2009 geram possibilidades de interpretações conflitantes entre si e também com relação aos novos dispositivos relativos a intimação da Fazenda Pública no novo Código de Processo Civil.
O artigo 7º da Lei 12.016/2009 assim dispõe:
Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações;
II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito;
O artigo 9º, da Lei do Mandado de Segurança dispõe também que:
Art. 9º As autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da notificação da medida liminar, remeterão ao Ministério ou órgão a que se acham subordinadas e ao Advogado-Geral da União ou a quem tiver a representação judicial da União, do Estado, do Município ou da entidade apontada como coatora cópia autenticada do mandado notificatório, assim como indicações e elementos outros necessários às providências a serem tomadas para a eventual suspensão da medida e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder.
Alguns juízes possuem o entendimento de que o artigo 7º, interpretado em conjunto com o artigo 9º, da Lei 12.016/2009, faculta ao judiciário o poder de intimar apenas e unicamente a autoridade coatora, tendo esta o dever de comunicação ao órgão da Advocacia Pública Federal competente por sua defesa. Contudo, à luz de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não parece ser o posicionamento mais adequado.
Isso porque, não obstante as disposições contidas na Lei do Mandado de Segurança, a Fazenda Pública e seus procuradores, principalmente após a entrada em Vigor do novo Código de Processo Civil, possuem prerrogativa de intimação pessoal dos atos processuais, a ser realizada, na forma da lei, pelo próprio juízo, e agora de forma expressa por remessa dos autos.
Observe-se o que dispõem a Lei Complementar 73/93, a Lei 9.028/1995 e a Lei 13.105 (novo Código de Processo Civil) sobre as formas de intimação da União:
LC 73/93:
Art. 35. A União é citada nas causas em que seja interessada, na condição de autora, ré, assistente, oponente, recorrente ou recorrida, na pessoa:
I - do Advogado-Geral da União, privativamente, nas hipóteses de competência do Supremo Tribunal Federal;
II - do Procurador-Geral da União, nas hipóteses de competência dos tribunais superiores;
III - do Procurador-Regional da União, nas hipóteses de competência dos demais tribunais;
IV - do Procurador-Chefe ou do Procurador-Seccional da União, nas hipóteses de competência dos juízos de primeiro grau.
Art. 36. Nas causas de que trata o art. 12, a União será citada na pessoa:
I - (Vetado);
II - do Procurador-Regional da Fazenda Nacional, nas hipóteses de competência dos demais tribunais;
III - do Procurador-Chefe ou do Procurador-Seccional da Fazenda Nacional nas hipóteses de competência dos juízos de primeiro grau.
Art. 37. Em caso de ausência das autoridades referidas nos arts. 35 e 36, a citação se dará na pessoa do substituto eventual.
Art. 38. As intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos.
Lei 9.028/95:
Art. 6º A intimação de membro da Advocacia-Geral da União, em qualquer caso, será feita pessoalmente.
§ 1º O disposto neste artigo se aplica aos representantes judiciais da União designados na forma do art. 69 da Lei Complementar nº 73, de 1993. (Renumerado pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001)
§ 2º As intimações a serem concretizadas fora da sede do juízo serão feitas, necessariamente, na forma prevista no art. 237, inciso II, do Código de Processo Civil. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001)
Lei 13.105/2015 (novo CPC)
Art. 182. Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta.
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
Da leitura dos referidos dispositivos legais, fica claro que cabe ao Judiciário (e não à autoridade impetrada) a comunicação atos processuais à Advocacia-Geral da União, o que parece tornar inequívoca a ausência de legalidade na determinação de que a autoridade impetrada em mandados de segurança faça as vezes de órgão comunicador da decisão.
Vale observar que, por mais que haja disposição do artigo 9º da Lei 12.016/2009 que determine a autoridade impetrada a comunicação dos órgãos da AGU, tal determinação se dá com a finalidade de que as providências internas sejam adotadas, como, por exemplo, a solicitação de parecer que ateste a de força executória.
A referida disposição visa também dar ao administrador a gerência de solicitar à Advocacia Pública diligências para tentativa de suspensão do ato judicial em adiantamento, principalmente nos casos de extrema urgência ou perigo de dano ao erário, por meio dos recursos cabíveis.
Contudo, tal disposição, por si só, não tem o condão de excluir a obrigatoriedade de notificação do representante legal da União, nos termos do artigo 7º, II, da Lei 12.016/2009.
Essa interpretação se torna inequívoca a partir também do teor do enunciado número 392 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que a contagem do prazo para recurso em mandado de segurança flui da intimação da decisão e não da notificação à autoridade coatora.
Ultrapassada esta primeira questão, vale ainda analisar como deverá ser realizada a comunicação determinada pelo artigo 7º, inciso II, da Lei 12.016/2009.
Com Relação ao referido dispositivo, observa-se que apesar da expressão “notificação”, perece adequada a interpretação de que, na verdade, possui caráter inequivocamente de intimação, eis que a partir daí correrão os prazos para defesa e recursos da fazenda pública.
Tanto se pode falar em natureza jurídica de intimação, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a trata como tal, conforme se pode verificar nos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICENÇA DE FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL. ANÁLISE DE LEI LOCAL. SÚMULA 280/STF. AFERIÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. INTIMAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERESSADA. NECESSIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA.
1. Leis e decretos locais não podem ser apreciados em recurso especial, em razão do óbice da Súmula 280/STF, aplicável por analogia ("Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.").
2. A aferição da existência de direito líquido e certo para concessão da segurança não é viável em recurso especial, haja vista a necessidade de revolvimento de matéria fático-probatória (Súmula 7/STJ).
3. No mandado de segurança, deve-se intimar a pessoa jurídica de direito público à qual se vincula a autoridade apontada como coatora para, querendo, ingressar no feito (art. 3º, da Lei 4.348/1964 e art. 7º, II, da Lei 12.016/2009), sob pena de nulidade.
4. A via do mandado de segurança exige prova pré-constituída do direito alegado, não se admitindo dilação probatória.
5. Não pode ser conhecido o recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional quando a petição recursal não realiza o necessário cotejo analítico, bem como não apresenta o dissídio jurisprudencial.
Agravo regimental improvido.
(AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1436118/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 08/03/2016, sem grifo no original)
PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA A QUAL SE VINCULA A AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA NO MANDADO DE SEGURANÇA.VIOLAÇÃO DO ARTIGO 7º, II, DA LEI Nº 12.016/09. NULIDADE RECONHECIDA.
1. É necessária a intimação da pessoa jurídica a qual se vincula a autoridade apontada como coatora no mandado de segurança (art. 7º, II, da Lei nº 12.016/2009), sob pena de nulidade. Precedentes.
2. Há prejuízo à defesa da municipalidade quando essa não for cientificada da ação mandamental, a despeito de haver a defesa do ato impugnado pelo prefeito, apontado como coator, mesmo sendo este representante do município.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no REsp 1541920/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 22/10/2015, sem grifo no original)
A partir da fixação da natureza jurídica da comunicação a que se refere o artigo 7º, II, da Lei 12.016/2009, parece certo que na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a posterior deveria ser aplicada, de modo que o simples envio de intimação por mandado, com cópia da petição inicial, sem documentos, seria suficiente para considerar a fazenda pública intimada. Isso porque, até então, havia dúvida razoável da forma devida de intimação, se por mandado ou remessa, prevalecendo para alguns membros do Poder Judiciário a ideia de que a simples intimação por mandado seria suficiente.
Contudo, com a vigência do novo Código de Processo Civil, houve substancial alteração e fixação da forma inequívoca de se realizar as intimações à Fazenda Pública o que faz com que a interpretação anterior não possa prosperar.
Conforme já citado alhures, no artigo 183, §1º, da Lei 13.105/2015, houve uma ratificação do entendimento de que a partir de então as intimações pessoais da fazenda pública se dão por remessa dos autos ou, no caso de processo judicial eletrônico, por meio eletrônico adequado.
Se a partir da vigência do novo Código de Processo Civil, as intimações da fazenda pública devem ser feitas por remessa de autos, é inevitável a interpretação de que, sendo uma intimação, a comunicação prevista no artigo 7º, II, da Lei 12.016/2009 não poderá ser feita de forma diversa da remessa dos autos ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica de direito público em que atua a autoridade apontada como coatora.
Poder-se ia tentar argumentar que se trata de lei específica aplicável ao Mandado de Segurança e que, portanto, não deveria ser aplicado o Código de Processo Civil. Ocorre que, aplicando-se tal entendimento, deparar-se ia com estranha situação de intimação que, se não cerceadora de defesa (porque encaminhada apenas a petição inicial), seria feita de forma divergente das demais intimações em que a Fazenda Pública figura com parte ou interessada.
Além disso, as novas disposições do Código de Processo Civil são tem também caráter de especificidade com relação a fazenda pública e, disposição específica em conflito com disposição específica não possui prevalência.
Nesse conflito, deve-se optar, portanto pela determinação do Código de Processo Civil, que, além de específica e posterior, garante maior amplitude ao princípio do devido processo legal em sua vertente ampla defesa, uma vez que a remessa dos autos (petição inicial e documentos) sempre será mais favorável a análise da ação do que a simples remessa, por mandado, da petição inicial.
Vale ressaltar o fato de que o novo Código de Processo Civil é lei geral que visou modificar sobremaneira a sistemática processual brasileira e, considerando seus dispositivos, aumentou as prerrogativas de defesa da fazenda pública, de modo que a interpretação divergente encontrar-se-ia em dissonância com as demais disposições inseridas no código pelo legislador.
Nos casos em que o legislador entendeu por bem estabelecer prevalência de lei específica em matéria de intimações e prazos, o legislador incluiu expressa determinação, conforme se exemplifica no artigo 183, §2º: “§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.”
Assim, parece mais correta a interpretação de que, à luz do ordenamento jurídico brasileiro modificado pelo novo Código de Processo Civil, a Advocacia-Geral da União, ao atuar mandados de segurança, possui também a prerrogativa de intimação por remessa dos autos determinada pelo artigo 183, §1º, do novo Código de Processo Civil.
REFERÊNCIAS
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda pública em juízo. Editora Dialética. 12ª. Edição: 2014.
MARINONI, Luiz Guilherme. O projeto da CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
MARINONI, Luiz Gullherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 1 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio. Novo CPC: Fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2015.
SITES VISITADOS
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
http://www.stj.jus.br/sites/STJ
http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/132/135