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O STF afastará Cunha da presidência da Câmara?

27/04/2016 às 11:08
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Os membros da linha sucessória à Presidência da República deveriam ser afastados de suas funções assim que o STF recebesse contra eles uma denúncia criminal.

O novo governo (do PMDB), para nos livrar da pecha de republiqueta cleptocrata, dentre outras, deveria se encarregar do seguinte, prontamente: ajustar a Constituição para explicitar (embora já subentendido) que todos os que estão na linha sucessória do Presidente da República (vice e presidentes da Câmara, do Senado e do STF) arcam com os bônus e ônus dessa responsabilidade: devem ser afastados de suas funções assim que o STF receber contra eles uma denúncia criminal.

A Justiça não pode sucumbir diante dos donos do poder (políticos, econômicos e corporativos), cada vez mais corruptos. Desde dez/15 há pedido do Procurador-Geral da República no STF para afastar Cunha da presidência da Câmara.

Ele já é “réu” em um processo e contra ele existem mais uma denúncia e outras seis investigações por fatos diversos (lavagem de dinheiro, corrupção, sonegação, evasão de divisas, falsidade, tráfico de influência etc.). Os donos do poder que se convertem em “delinquentes” (palavra usada pelo PGR) se tornam intoleráveis. A reação do Poder Jurídico, dentro da lei, tem que ser imediata. Os tumores conhecidos devem ser extirpados. Ou o péssimo exemplo será visto como virtude.

O ministro Teori Zavascki afirmou (em 19/4/16) que ainda não há data para levar a julgamento o pedido de afastamento dele. Perguntado sobre sua posição, nada quis adiantar. Correto, essa é a postura adequada do magistrado.

Um dos “porta-vozes” do STF, Gilmar Mendes (o legislador constituinte nunca imaginou essa função, mas existe: uma coisa é a law in books, outra distinta é a law in action), disse: “a demora pode ser por falta de elementos; Teori ainda não vislumbrou os pressupostos para isso”[1].

Ninguém sabe exatamente o que Teori pensa sobre o assunto, mas “sua posição” já foi anunciada publicamente. Vários ministros do STF possuem a mania de manifestam seus votos pela mídia (antes do julgamento da causa). Agora, mais surrealistamente, começam alguns deles a esboçar os votos dos colegas (tudo, claro, em flagrante violação do Estatuto da Magistratura).

Cunha é não apenas um conhecedor e manipulador exímio do regimento da Câmara (veja o que está ocorrendo com o processo da sua cassação na Comissão de Ética), como ainda tem a sorte de ganhar “lobistas ideológicos” da estatura e grandeza do ministro Gilmar (nomeado por FHC), um dos mais influentes e contundentes da Casa.

Ainda sobre o mérito do afastamento de Cunha o ministro Gilmar, corretamente, afirmou: “é plausível discutir se Cunha teria que se afastar do cargo por estar na linha sucessória da Presidência, em caso de impeachment da presidente Dilma Rousseff”. Agora fala de algo “em abstrato”. É plausível discutir… Esse é o limite da loquacidade, leia-se, do homo loquax.

A sugestão do ministro Gilmar coincide com a tese que Márlon Reis e eu sustentamos no O Globo, em ago/15. Se o Presidente da República é afastado das suas funções quando o STF recebe denúncia criminal contra ele (CF, art. 86), nada mais natural (por força do princípio da moralidade pública e da preservação da honorabilidade do cargo) que essa mesma regra tenha valor jurídico para todos os que estão na sua linha sucessória. Outra forma de afastar Cunha das suas funções reside no art. 319, VI, do CPP.

Na Islândia, 48 horas depois que empresas offshores do ex-primeiro ministro foram descobertas no Panama Papers, ele já estava pedindo sua renúncia. É outro o padrão moral. Não temos que nos comparar a Islândia (um país com menos de meio milhão de habitantes), sim, copiar suas boas práticas.

Nas repúblicas cleptocratas os juízes resistem em “interferir em outro poder”, mesmo em se tratando de corrupção explícita de quem faz do cargo público um “balcão de negócios” para seu enriquecimento pessoal e o usa, ademais, para garantir sua impunidade. É o tipo de autocontenção contraproducente e que não edifica nada. Ao contrário, consolida no poder as elites cleptocratas.

Diz o PGR que Cunha (que está envolvido, assim como seu partido o PMDB, com as propinas da Petrobras) teria utilizado seu mandato de deputado e o cargo de presidente “para constranger e intimidar testemunhas, colaboradores, advogados e agentes públicos” e para dificultar a investigação contra si.

Cunha teria recebido US$ 5 milhões em propinas das empresas Samsung (sul-coreana) e Mitsui (japonesa). Da empreiteira Carioca Engenharia teria recebido outros R$ 52 milhões[2]. De outras fontes teriam saído mais dinheiro, tudo canalizado para suas contas na Suíça, que possibilitaram sua esposa e filha gastarem, num espaço de poucas horas, R$ 62 mil em sapatos e roupas em Paris.

Para que esse tenebroso mau exemplo de Cunha (que se transformou numa vergonha nacional e internacional) não se repita, a CF deveria ser reformada para explicitar o seguinte:

O Presidente, o vice e os presidentes da Câmara, do Senado e do STF ficarão suspensos de suas funções, nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo STF.


Notas

[1] Ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1762710-teori-diz-que-nao-ha-prazo-para-stf-julgar-pedido-de-cassacao-de-cunha.shtml, consultado em 25/4/16.

[2] Ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1762710-teori-diz-que-nao-ha-prazo-para-stf-julgar-pedido-de-cassacao-de-cunha.shtml, consultado em 25/4/16.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. O STF afastará Cunha da presidência da Câmara?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4683, 27 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48563. Acesso em: 22 dez. 2024.

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