Os médicos e as monstruosidades do processo

13/07/2016 às 12:55
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É intolerável a violação do direito constitucional à prova em razão do valor ínfimo pago aos Peritos nas Ações Acidentárias.

Prescreve a Resolução nº 1488/1998 do Conselho Federal de Medicina prescreve que:

Art. 2º - Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar:

I - a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;

II - o estudo do local de trabalho;

III - o estudo da organização do trabalho;

IV - os dados epidemiológicos;

V - a literatura atualizada;

VI - a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas;

VII - a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;

VIII - o depoimento e a experiência dos trabalhadores;

IX - os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.

Art. 10 - São atribuições e deveres do perito-médico judicial e assistentes técnicos:

I - examinar clinicamente o trabalhador e solicitar os exames complementares necessários;

II - o perito-médico judicial e assistentes técnicos, ao vistoriarem o local de trabalho, devem fazer-se acompanhar, se possível, pelo próprio trabalhador que está sendo objeto da perícia, para melhor conhecimento do seu ambiente de trabalho e função;

III - estabelecer o nexo causal, CONSIDERANDO o exposto no artigo 4°  artigo 2º e incisos. (redação aprovada dada pela Resolução CFM n. 1940/2010)

Não há dúvida, a Resolução CFM nº 1488/1998 obriga o Perito Médico a diligenciar no local de trabalho para verificar se há ou não relação entre a moléstia/acidente e as condições de trabalho e se o trabalhador está ou não incapacitado para realizar as atividades que desempenhava antes do afastamento. Raramente esta diligência é realizada nas Ações Acidentárias. O motivo: o valor dos honorários pagos aos Peritos.

A CF/88 garante aos cidadãos todas as provas em direito admitidas (art. 5º, LV). A exceção ao princípio constitucional nas Ações Acidentárias em razão da exígua remuneração dos Peritos não é justificada. Portanto, em tese, a ausência da diligência obrigatória deveria acarretar a anulação da sentença judicial proferida com base no Laudo quando o Perito deixou de realizar a vistoria no local de trabalho. 

Não é isto o que ocorre. Transcrevo abaixo apenas uma das muitas decisões do TJSP sobre o assunto:

“...a Resolução CFM nº 1488/1998 dispõe sobre normas específicas para médicos que atendam trabalhador, trazendo diretrizes que auxiliar os médicos quando da realização de perícias para a aferição da incapacidade laborativa e do nexo de causalidade.

Ressalte-se, por oportuno, que a resolução supracitada do Conselho Federal de Medicina tem caráter apenas normativo, não possuindo força legal para determinar a obrigatoriedade da vistoria, mesmo porque o destinatário da prova é o Magistrado.”  (TJSP, processo nº  4000393-49.2013.8.26.0405, Acórdão nº 2015.0000017439, 16ª Câmara de Direito Público, Relator Des. Valdecir José do Nascimento)

No Acórdão acima transcrito, proferido num caso em que eu atuei, o TJSP considerou inadmissível a realização da segunda perícia requerida pelo cidadão porque a diligência no local de trabalho seria desnecessária. O Desembargador que relatou o caso - e que foi seguido pelos seus pares - afirma que a Resolução CFM nº 1488/1998 não cria uma obrigação processual.

Entretanto, o que foi levantado ao conhecimento do TJSP através do Recurso de Apelação e dos Embargos de Declaração não foi a necessidade ou desnecessidade da diligência ao local de trabalho e sim sua obrigatoriedade. O Tribunal se recusou a apreciar a questão que lhe foi submetida, violando o direito da parte a uma decisão fundamentada acerca da questão jurídica relevante que lhe foi submetida.

Ao analisar o julgado, entendi que o Acórdão violou frontalmente o disposto nos arts. 515, caput, do antigo CPC, pois a matéria devolvida ao Tribunal mediante o Recurso de Apelação e os Embargos de Declaração não foi decidida. O Relator do caso simplesmente ignorou a validade e eficácia da Resolução CFM nº 1488/1998, como se não tivesse obrigação de respeitar seu conteúdo ou de declarar nos autos do processo porque a obrigação imposta ao Perito não cria um direito para a parte que requereu a diligência do local de trabalho.

Não obstante, coerente com o que consta na CF/88, o CPC - tanto o antigo quanto o que está em vigor - confere ao cidadão o direito a uma segunda Perícia se o primeiro Laudo não foi feito como deveria. Foi o que ocorreu no caso da minha cliente. Em razão disto interpus Recurso Especial, mas o processamento deste foi indeferido pelo TJSP. Esta decisão provocou a interposição de um Agravo de Instrumento e agora o STJ terá que decidir se o Recurso Especial da minha cliente será ou não apreciado.

Se admitir o processamento do recurso, o STJ decidirá finalmente se a Resolução CFM nº 1488/1998 deve ou não ser obrigatoriamente respeitada pelos Peritos e pelos Juízes nas Ações Acidentárias. Caso contrário – se STJ rejeitar o Agravo ou negar provimento ao Recurso Especial - a decisão do TJSP prevalecerá. Neste caso a diligência obrigatória do Perito no local de trabalho continuará a ser dispensável e a Resolução CFM nº 1488/1998 seguirá sendo letra morta.

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Os médicos tem obrigações, mas estas não são cumpridas por causa das monstruosidades admitidas pela realidade processual brasileira. Não seria o caso da OAB e da AASP começarem a lutar em favor do aumento do valor dos honorários devidos aos Peritos que atuam nas Ações Acidentárias a fim de que eles possam fazer as diligências obrigatórias? O Judiciário não poderia reconhecer a validade e eficácia da Resolução CFM nº 1488/1998 impondo ao INSS a obrigação de pagar as vistorias feitas pelos Peritos nos locais de trabalho? Porque somente os cidadãos brasileiros devem que sofrer as consequencias processuais de perícias deficientes e incompletas? 

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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