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As licitações públicas na nova Lei das Estatais (Lei federal nº 13.303/2016)

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12/02/2017 às 08:00
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4. NORMAS “ESPECÍFICAS” PARA OBRAS E SERVIÇOS

Convém sopesar que a nomenclatura “específicas”, usada pelo legislador, não foi tecnicamente adequada. Importante repisar, a competência para legislar sobre licitações e contratos, nos moldes estabelecidos pelo constituinte, diferencia a vinculação da norma, para os diversos níveis das entidades federativas, conforme sua natureza geral ou específica.

De acordo com a Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação. Isso significa que outros entes federativos poderão legislar sobre normas específicas acerca da matéria. Há, portanto, uma competência privativa da União, no que tange às regras gerais, e uma competência comum, no que se refere às regras específicas. Importante frisar que, nada obstante a utilização da expressão “específicas”, grande parte das regras estabelecidas nesta seção da Lei possuem natureza materialmente geral, sendo aplicáveis às estatais de todas as unidades federativas.

Há uma evidente influência do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), nesta seção da Lei, notadamente pelas experiências na aplicação daquele modelo, nos últimos anos. Nesse diapasão, a Lei das estatais permite a utilização dos regimes de execução já previstos na Lei nº 8.666/93, como: empreitada por preço unitário; empreitada por preço global; contratação por tarefa[x] e empreitada integral. Porém, em acréscimo, assim como no RDC, a Lei das estatais admite o regime de contratação integrada, em que a contratação compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e as demais operações necessárias  e suficientes para a entrega final do objeto. A grande diferença deste regime está no fato de que ele impõe a confecção do projeto básico para a empresa contratada. Na “lógica” da Lei nº 8.666/93, as obras e os serviços somente podem ser licitados com prévia aprovação de projeto básico; ou seja, o projeto básico necessariamente precede a licitação da obra ou do serviço. Na contratação integrada, a licitação se inicia mesmo sem esse documento de planejamento, uma vez que ele (projeto básico) será confeccionado pelo próprio licitante[xi].

Contudo, em relação aos regimes de execução, há uma novidade da nova Lei: a criação do regime de contratação semi-integrada, o qual será o regime preferencial, nas licitações de obras e serviços de engenharia, pelas estatais. Neste regime, a contratação não envolve a elaboração do projeto básico (como na integrada), mas apenas o desenvolvimento do projeto executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

A peculiaridade do novo regime é que será possível definir previamente, no projeto básico apresentado pela Estatal, os serviços a serem posteriormente executados na fase contratual, em obra ou serviço de engenharia, que possam ser executados com diferentes metodologias ou tecnologias. Assim, na prática, o projeto básico poderá ser alterado, quando demonstrada a superioridade das inovações em termos de redução de custos, de aumento da qualidade, de redução do prazo de execução e de facilidade de manutenção ou operação.

Diferentemente da contratação integrada, em que o Poder Público, admitindo a falibilidade de seus projetos básicos, transfere a confecção deste documento de planejamento para o licitante; no regime da contratação semi-integrada o Poder Público mantém-se como responsável pelo projeto básico, mas permite que ele seja parcialmente alterado, quando o particular demonstrar a superioridade das inovações por ele pretendidas.

De qualquer forma, na contratação integrada ou na semi-integrada, a matriz de riscos (documento integrante do contrato que define riscos e responsabilidades entre as partes) deve indicar, como responsabilidade da contratante, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação, associados à escolha da solução de projeto feita por ela.

Por fim, a Lei nº 13.303, de 2016, confirmando a forte influência do RDC, admite que seja estabelecida remuneração variável, vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no instrumento convocatório e no contrato.


5. NORMAS “ESPECÍFICAS” PARA AQUISIÇÕES E PARA ALIENAÇÕES DE BENS

Nas seções IV e V repete-se a forte influência do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), notadamente quando o legislador positiva a possibilidade de indicação de marca ou modelo e da exigência de amostras ou mesmo da certificação de qualidade, procedimentos já testados na prática, pelos agentes públicos que atuam com licitações, mas apenas expressamente admitidos pelo legislador, com a aprovação do RDC.

Necessário registrar, contudo, em relação ao RDC, que o rol não trouxe a possibilidade de exigência da "carta de solidariedade", a qual, naquele regime diferenciado, pode ser solicitada do fabricante do bem a ser adquirido, de forma a assegurar a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor.

Por outro lado, repete-se o equívoco de denominar como específicas regras que são gerais, válidas não apenas para a estatais federais, como para as estatais das outras unidades federativas.


6. DO PROCEDIMENTO DE LICITAÇÃO E DOS PROCEDIMENTOS AUXILIARES

Em relação ao procedimento, adotou-se modelo assemelhado ao do RDC, com fase de habilitação posterior ao julgamento das propostas (mas sendo possível a inversão dessas fases, o que não ocorre no Pregão), a adoção de modos de disputa variados (aberto, fechado e combinado) e a utilização de lances intermediários.

Além disso, são admitidos os seguintes critérios de julgamento:

  • menor preço;
  • maior desconto;
  • melhor combinação de técnica e preço;
  • melhor técnica;
  • melhor conteúdo artístico;
  • maior oferta de preço;
  • maior retorno econômico;
  • melhor destinação de bens alienados.

Desprezados pequenos detalhes, adotam-se critérios semelhantes ao do RDC[xii].  Em relação ao critério maior desconto, por exemplo, o desconto linear foi estabelecido, somente, para obra e serviços de engenharia. Ainda neste critério, consolidando orientações da Jurisprudência do Tribunal de Contas da União e manifestações consultivas da Advocacia-Geral da União, a Lei firma o raciocínio de que o desconto oferecido deve se estender a eventuais termos aditivos.

Há ainda, como no RDC, a enumeração de critérios de desempate, quais sejam:

  • disputa final, em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta fechada, em ato contínuo ao encerramento da etapa de julgamento;
  • avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, desde que exista sistema objetivo de avaliação instituído;
  • os critérios estabelecidos no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, e no § 2o do art. 3o da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993;
  • sorteio.

Por fim, em relação à licitação, foram estabelecidos, seguindo modelo assemelhado ao do RDC, os seguintes procedimentos auxiliares:

  • pré-qualificação permanente;
  • cadastramento;
  • sistema de registro de preços;
  • catálogo eletrônico de padronização.

Nada obstante a semelhança, algumas peculiaridades envolverão os procedimentos auxiliares das licitações das estatais. Como exemplo, pode ser citada a autorização legal para a adesão, restrita aos órgãos ou entidades responsáveis pelas atividades contempladas no artigo 1º da Lei.

Por fim, em relação ao procedimento licitatório, vale registrar a exaltação do chamado princípio da adjudicação compulsória, uma vez que o artigo 60 da referida Lei impõe que a homologação do resultado implica constituição de direito relativo à celebração do contrato, em favor do licitante vencedor. No mesmo prumo, a revogação ordinária da licitação deve ser fundamentada em razões de interesse público decorrentes de fato superveniente, que constituam "óbice manifesto e incontornável" à continuidade do processo licitatório.

Tais regras têm fundamento na percepção de que a discricionariedade na decisão de contratação muitas vezes se converte em arbitrariedade ou instrumento de chantagem, em detrimento de licitantes que venceram legitimamente o certame. Será interessante ver como se desenvolverá nossa jurisprudência, sobre este “direito”, uma vez que o princípio da adjudicação compulsória era extremamente relativizado, em sua aplicação.

Além das regras sobre o procedimento licitatório, sucintamente tratadas neste texto, há ainda diversas regras da nova Lei relacionadas aos contratos firmados pelas estatais, tema que reservaremos a uma outra publicação.


7. DA CONCLUSÃO

Em nossa opinião, nada obstante a longa espera, por cerca de 18 anos, ao menos em relação ao tema licitações, o novel diploma conseguiu desapontar! Talvez premidos pela pressa ou pela pressão decorrente dos flagelos que têm atingido algumas de nossas principais estatais, o Executivo e o Congresso precipitaram-se a aprovar a propalada Lei, usando como plataforma o regime jurídico antigo, sem o cuidado necessário para construir um texto baseado em plataforma nova, que produzisse avanços relevantes.

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Curiosamente, essa não é uma infeliz novidade em nossa história legislativa; a própria Lei nº 8.666/93, envolvida no clima do escândalo de afastamento, por impeachment, de um Presidente eleito (algo até então incomum), acabou, pela pressa legislativa, repetindo muito do anterior Decreto-Lei 2.300/86 e, com isso, mantendo textos descompassados dos desafios que já começavam a se apresentar no ambiente contratual da Administração Pública. O resultado foi, como todos sabem, uma Lei (a Lei nº 8.666/93) que já nascia velha, repetia erros anteriores e abdicava de projetar avanços relevantes na regulamentação da matéria, exigindo frequentes alterações e constantes esforços hermenêuticos e regulamentares, para adequar seu texto aos dilemas contemporâneos da Administração Pública.

Pois bem, a impressão que temos é semelhante ao nos debruçarmos sobre a Lei federal nº 13.303/2016, em relação ao seu texto sobre licitações públicas. Surge uma “nova velha lei”! Em apertada síntese, o diploma usa a plataforma da Lei nº 8.666/93, acrescendo-lhe novidades, a maioria delas inspirada no Regime Diferenciado de Contratações.

Mas ao tempo que tenta incluir essas ferramentas modernas do RDC, o novo diploma mantém o "chassi da Lei velha", com uma redação desnecessariamente detalhista do procedimento (repetindo o ranço burocrático da Lei nº 8.666/93) e cometendo erros técnicos que chamam a atenção. Há, por exemplo, certa atecnia na definição do que seriam as regras gerais, com clara confusão de regras específicas em seu conjunto, bem como uma má redação sobre a definição do momento em que as novas regras licitatórias deverão ser aplicadas. Chega a impressionar que algo tão simples, como a determinação do momento de início de vigência das novas regras licitatória, tenha se tornado relativamente duvidoso e polêmico, pela má redação do artigo 91, em conjunto com seu §3º.[i]

Enfim, para um diploma que aguardou 18 anos para ser publicado, não há muito o que comemorar, já que pouco de inovador foi produzido. Esperamos que os erros e acertos desta “nova velha lei” sirvam para lições futuras, sobretudo em relação ao aprendizado para a elaboração de diplomas normativos com melhor qualidade.


Notas

[i].      TCU – Acórdão nº 1390/2004 – Plenário.

[ii] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 7ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2015. P. 46.

[iii] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 7ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2015. P. 45.

[iv] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de licitações e contratos administrativos. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. P. 18-20.

[v] CARDOZO, José Eduardo Martins. Empresas estatais que exploram atividade econômica e seu dever de licitar. In; FIGUEIREDO, Marcelo e PONTES FILHO, Marcelo (Organizadores). Estudos de direito público em homenagem a Celso Antonio Bandeira de Mello. Malheiros, 2006. p.333-371

[vi] STF, MS 25.888/DF.

[vii] FERNANDES, Murilo Jacoby. Lei 13.303/2016: novas regras de licitações e contratos para as estatais. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4756, 9 jul. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/50312>. Acesso em: 21 jul. 2016.

[viii] a) estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; b) pareceres, perícias e avaliações em geral; c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; g) restauração de obras de arte e bens de valor histórico.

[ix] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 7ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2015. 150.

[x] Nesse ponto, é negativamente incrível a manutenção do regime de tarefa, algo praticamente inútil na realidade administrativa.

[xi] ZYMLER, Benjamin. e TORRES, Ronny Charles Lopes de. Regime Diferenciado de Contratações. IN. Licitações Públicas: homenagem ao jurista Jorge Ulysses Jacoby. Curitiba, PR: Negócios Públicos, 2016. 499-517.

[xii] Para aprofundamento, sugerimos a leitura de nosso livro TORRES, Ronny Charles Lopes de. MARRY, Michelle. Regime Diferenciado de Contratações – RDC. Salvador: Jus Podivm, 2014.

[xiv] Sobre a polêmica acerca da vigência da nova lei, vale a leitura dos argumentos apresentados pelo Dr. Renato Geraldo Mendes, em seu artigo: ‘Está em vigor a nova Lei das empresas estatais (Lei nº 13.303/16)?”. Disponível em: http://www.zenite.blog.br/esta-em-vigor-a-nova-lei-das-empresas-estatais-lei-13-30316/#.V5aGf

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Sobre o autor
Ronny Charles Lopes de Torres

Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do Grupo de Editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (8ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (7ª Edição. Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (Co-autor. 7ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Co-autor. 3ª edição. Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política” da Revista Negócios Públicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Ronny Charles Lopes. As licitações públicas na nova Lei das Estatais (Lei federal nº 13.303/2016). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4974, 12 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50905. Acesso em: 22 nov. 2024.

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