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Atos preparatórios de terrorismo, tentativa e proporcionalidade: uma via para solução

04/08/2016 às 12:38

Resumo:


  • O artigo 5º da Lei 13.260/16 gera polêmica ao punir os atos preparatórios do crime de terrorismo com pena reduzida.

  • A tradição jurídica considerava os atos preparatórios como fase não punível do "iter criminis", mas a nova lei altera essa concepção.

  • A redução de pena para atos preparatórios é de "um quarto à metade", o que viola a proporcionalidade em relação à punição da tentativa de crimes, gerando debates sobre a constitucionalidade da medida.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trazemos, neste texto, uma análise da violação da proporcionalidade na punição dos atos preparatórios do crime de terrorismo.

Tema que tem gerado justa polêmica na atualidade é aquele referente à punição dos “atos preparatórios” do crime de terrorismo, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 13.260/16.

Segundo esse dispositivo, os atos preparatórios passam a ser punidos com a pena do crime consumado reduzida de “um quarto até a metade”.

O que certamente gera na comunidade jurídica certo desconforto é a inusitada invasão punitivista de fase tradicionalmente considerada impunível do “iter criminis”. A regra é que o “iter criminis” se faça com uma fase de “ante factum” não punível constituída da cogitação (“cogitatio”), ou seja, o mero pensamento, a mera vontade psicológica de prática da conduta; passando pelos atos preparatórios, em que o autor ainda não adentra no núcleo do tipo penal. A fase punível vem com os atos executórios, onde pode caber a pena por crime ao menos tentado (artigo 14, II, CP) e com a efetiva consumação (artigo 14, I, CP). Depois ainda vem o “post factum” impunível chamado de exaurimento do crime.

Portanto, a tradição é que os atos preparatórios não constituam, ainda, fase punível do “iter criminis”. No entanto, vem a Lei 13.260/16 e seu artigo 5º para alterar a situação e prever a punibilidade dos atos preparatórios nos crimes de terrorismo.

Mas, para além dessa inusitada incursão violadora de toda a dogmática jurídico – penal, há algo que é mais grave. Ocorre que a redução de pena para meros atos preparatórios é somente de “um quarto à metade”. Note-se que, segundo dispõe o artigo 14, II e Parágrafo Único, CP, a redução de pena para a tentativa (que vale também para os crimes de terrorismo, já que a lei especial não contém disposição expressa), varia entre “um terço e dois terços”. Ora, é clara e evidente a lesão à proporcionalidade na medida em que, se um indivíduo pratica atos executórios de terrorismo, chegando a tentar praticar o crime, terá uma redução maior do que se apenas praticar atos preparatórios, sem sequer adentrar na tentativa. Na verdade a dosimetria da redução está de pernas para o ar!

A questão é bem percebida por Martinelli e Schmitt de Bem:

“Acrescenta-se verdadeira violação ao princípio da proporcionalidade na cominação das penas aos atos preparatórios. Na lei não há preceito que regule tratamento punitivo diverso à tentativa. Logo, aplica-se a regra geral contida no Código Penal (art. 12). Com efeito, a tentativa de qualquer das condutas conjugadas (§ 1º. com o caput do art. 2º.) poderão ser punidas de forma mais branda que um mero ato preparatório dessa mesma ação. Veja-se que o máximo de diminuição de pena pela tentativa corresponde a dois terços, ao passo que a redução pela prática de atos preparatórios é, no máximo, de metade. Tal interpretação parece uma afronta ao princípio da proporcionalidade”. [1]

Sem adentrar à questão da legitimidade ou não de punição de atos preparatórios como medida preventiva de Direito Penal, fato é que não há como negar a inconstitucionalidade do dispositivo no que diz respeito à cominação de penas, pois que a afronta à proporcionalidade é límpida.

Resta então tentar acomodar a situação à proporcionalidade e o único caminho que se enxerga é a completa desconsideração da regra de diminuição de pena contida no artigo 5º da Lei 13.260/16, aplicando a redução de acordo com o disposto no artigo 14, Parágrafo Único, CP. Mais que isso, considerando que ali (no artigo 14, II e Parágrafo Único, CP) se trata de tentativa (já atos executórios), até mesmo a equiparação violaria à proporcionalidade. Não se pode tratar atos preparatórios igualmente a atos executórios, a diferença de gravidade impõe diferença de tratamentos. Assim sendo, o ideal seria que, no caso dos atos preparatórios, a redução aplicada fosse sempre e invariavelmente a máxima contida na regulação da tentativa na Parte Geral do Código Penal, ou seja, dois terços.

Esse ajuste à proporcionalidade já foi levado a efeito de forma semelhante no caso do exagero punitivo do crime de falsificação de produtos terapêuticos e medicinais (artigo 273, § 1º., CP) em cotejo com a reprimenda prevista para o Tráfico de Drogas (artigo 33 da Lei 11.343/06). No caso, a primeira pena é muito maior do que a segunda, o que certamente não se justifica. Assim sendo, os tribunais e a doutrina vêm apontando a aplicação da pena do tráfico, visando adequar a situação ao Princípio da Proporcionalidade. [2]

Não obstante, o ideal seria que a Lei 13.260/16 houvesse disposto de maneira a levar em consideração o ordenamento jurídico brasileiro de forma sistemática, atentando para a existência de regra para a punição da tentativa no Código Penal e adequando o “quantum” da diminuição do seu artigo 5º de acordo com a proporcionalidade necessária.


REFERÊNCIAS

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 7ª. ed. Niterói: Impetus, 2013.

MARTINELLI, João Paulo Orsini, BEM, Leonardo Shmitt de. Os atos preparatórios na nova Lei “Antiterrorismo”. Boletim IBCCrim. n. 284, jul. p. 11 – 12, 2016.


Notas

[1] MARTINELLI, João Paulo Orsini, BEM, Leonardo Shmitt de. Os atos preparatórios na nova Lei “Antiterrorismo”. Boletim IBCCrim. n. 284, jul. 2016, p. 11.

[2] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 7ª. ed. Niterói: Impetus, 2013, p. 273. Vide também: TRF 4ª. Reg. Ap. Crim. 2001.72.00.003683-2/SC, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, 8ª. Turma, Porto Alegre – RS, 09.02.2005.

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Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Atos preparatórios de terrorismo, tentativa e proporcionalidade: uma via para solução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4782, 4 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51072. Acesso em: 6 dez. 2024.

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