O acidente de trabalho, no curso do contrato por prazo determinado, constitui fato superveniente imprevisível que autoriza o reconhecimento da garantia de emprego prevista no art.118 da Lei 8.213/91, em virtude da prevalência da cláusula “rebus sic stantibus” sobre a regra do “pacta sunt servanda”.
De início, observo que a reformulação da jurisprudência do TST, em setembro de 2012, conferiu nova redação à Súmula no. 378 do TST, que passou a constar da seguinte forma:
Súmula 378. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. (inserido item III) – Res. 185/2012.
I – É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 – inserida em 01.10.1997)
II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte – ex-OJ nº 230 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)
III – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91.
Trata-se de raciocínio análogo ao da Súmula 244, III, do C.TST: “A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”.
Antes da nova redação das Súmulas 244 e 378 do C. TST, a jurisprudência dominante sustentava que não cabia garantia de emprego ou “estabilidade provisória” nos contratos por prazo determinado, inclusive nos casos de gestantes e acidentados, de modo que houve uma mudança de paradigma.
Contudo, considero muito importante entendermos o raciocínio jurídico que está por trás da nova redação da Súmula no. 378 do TST, em vez de simplesmente aplicá-la de forma irrefletida. Pondera o magistrado MAURÍCIO GODINHO DELGADO que, nas hipóteses de afastamento previdenciário por acidente do trabalho ou doença ocupacional, a tutela rigorosa que a Constituição assegura à saúde obreira, garantindo-lhe normas redutoras dos riscos inerentes ao trabalho (arts.7º, XXII, 196 e 197, CF/88), além do fato do agravo físico resultar essencialmente da integração do trabalhador ao ambiente laborativo para atender ao interesse do patrão, que assume o risco (art.2º, caput, CLT), leva a ordem jurídica a implementar, excepcionalmente, a prorrogação do contrato a termo, fazendo prevalecer, desse modo, os efeitos plenos da suspensão contratual (art.471/CLT) e da garantia de emprego – vide TRT 3ª Região, RO 19499/97 - Ac.8.7.98 - Rel. Juiz Maurício José Godinho Delgado).
Para corroborar esse raciocínio, vislumbro, pelo menos, 4(quatro) fundamentos complementares e igualmente relevantes:
1) o moral,
2) o hermenêutico,
3) o principiológico e
4) o contratual;
Primeiro, sob o prisma moral, o direito do empregado à sua higidez física e o interesse coletivo na recuperação de sua capacidade laboral têm ascendência axiológica sobre o interesse patrimonial do empregador, que, embora relevante, é inferior do ponto de vista ético.
Na lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA, “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida...daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art.170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc, não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana” (in Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 1999: 107).
Segundo, não bastasse o argumento axiológico, há outro de ordem hermenêutica, pois, em uma exegese sistemática, encontramos o preceito constitucional que consagra a predominância das normas de segurança e medicina do trabalho (art.7o, XXII, CF), assegurando a proteção do hipossuficiente, e que, por estar contido na Carta Magna, é hierarquicamente superior às normas ordinárias.
A Constituição Federal estabelece que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e tem por fim assegurar a todos existência digna (art.170/CF), elevando os direitos trabalhistas a nível constitucional (arts.6º e 7º/CF), coibindo o abuso do poder econômico (art.173, §§ 4º e 5º, da CF) e instituindo o poder normativo e regulador do Estado na economia (art.174, "caput",da CF). O art.1º da Norma Ápice estatui que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos os "valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" (inc. IV), concluindo-se que a segunda deve conviver em harmonia com o primeiro, a fim de se garantir a " a dignidade da pessoa humana" (inc.III) visando a "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art.3º, III, CF).
Ademais, é de bom alvitre relembrar que, no Direito do Trabalho, havendo antinomia normativa, independentemente da hierarquia vertical, sempre prevalece a norma mais benéfica ao obreiro, conforme ensina o prof. AMAURI MASCARO NASCIMENTO:
" Havendo duas ou mais normas jurídicas trabalhistas sobre a mesma matéria, será hierarquicamente superior e, portanto, aplicável ao caso concreto a que oferecer maiores vantagens ao trabalhador, dando-lhe condiçöes mais favoráveis... Ao contrário do direito comum, em nosso direito, entre várias normas sobre a mesma matéria, a pirâmide que entre elas se constitui terá no vértice, não a Constituição Federal, ou a lei federal, ou as convenções coletivas, ou o regulamento de empresa, de modo invariável e fixo. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes em vigor." (in Curso de Direito do Trabalho, 10a.ed, Saraiva, , p.179 ).
Portanto, se houver antinomia entre a interpretação tradicional conferida ao art.118 da lei 8.213/91 e os princípios constitucionais de proteção do trabalho, deve-se dar preferência a esses últimos, seja porque estão contidos na Norma Ápice ou porque são mais benéficos ao empregado, prevalecendo a exegese mais favorável ao obreiro.
Terceiro, no que se refere à principiologia, o juslaborismo se notabiliza pela relevância conferida ao princípio da proteção, pois, no dizer de GALLART FOLCH, a legislação trabalhista institui um sistema protetivo a fim de que, pela força irresistível da Lei, igualem-se aqueles que são naturalmente desiguais pela força sedutora da fortuna. (cf. Francesco SANTONI, Prof. Ord.di Diritto del Lavoro nell Universitá di Napoli, in Principio Per um Codice Tipo di Diritto del Lavoro per L’America Latina, Atti Del Congresso Internazionale Roma, 12/14, Padova, Cedam, pág.125).
SÜSSEKIND afirma que "O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a instituição básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade". A seguir, citando Deveali, afirma o autor ser o Direito do Trabalho "(...) um direito especial, que se distingue do direito comum, especialmente porque, enquanto este supõe a igualdade das partes, o Direito do Trabalho pressupõe uma situação de desigualdade que ele tende a corrigir com outras desigualdades." (Instituições de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 1993. v. I).
PLÁ RODRIGUEZ assevera: " no Direito do Trabalho, a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes." A necessidade de proteção jurídica, assim, decorre da condição de subordinação pessoal e muitas vezes econômica inerente ao trabalhador, encontrando um duplo fundamento.” (Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996, pág. 25).
Como corolário desse princípio da proteção, a doutrina erigiu a regra in dubio pro operario, que foi transportada do in dubio pro reo, vigente no Direito Penal, bem como o favor debitoris existente no Direito Civil, onde o devedor deverá ser protegido contra o credor. Tal regra possui a finalidade de proteger a parte, presumidamente, mais frágil na relação jurídica e, em se tratando de Direito do Trabalho, é possível presumir que a parte mais fraca é o empregado-credor. Diante disso, deverá ser aplicado de forma inversa o princípio vigente no direito comum. Essa regra aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador.
O art.118 da lei 8.213/91 não excepciona os contratos por prazo determinado nem, tampouco, diz, expressamente, que só se destina aos contratos por prazo indeterminado, sendo curial que as exceções às garantias trabalhistas asseguradas no direito positivo devem ser interpretadas de forma restritiva, em atenção à máxima “favorablia amplianda, odiosa restringenda”.
Destarte, à luz do megaprincípio da proteção, do qual decorre a regra hermenêutica “in dubio pro operario”, se há divergência sobre a exegese adequada, deve-se optar pela alternativa mais favorável ao hipossuficiente, o que significa interpretar as normas que instituíram as garantias de emprego, dentre elas o art.118 da lei 8213/91, em um sentido teleológico, beneficiando justamente quem a lei pretendeu proteger: o empregado.
Por derradeiro, mesmo sob o enfoque civilista, que sobrevaloriza o contratualismo, a conclusão mais lúcida deveria ser pelo reconhecimento da garantia de emprego, pois o princípio “pacta sunt servanda” precisa ser compatibilizado com o princípio “rebus sic stantibus”, ou seja, devem ser respeitados os limites e as condições previamente pactuadas entre as partes, mas desde que os pressupostos desse pacto permaneçam inalterados ou, ao menos, não sofram alteração substancial em virtude de fato futuro imprevisto e imprevisível, como, por exemplo, um acidente de trabalho. Significa dizer: a priori, se as partes não dispuserem em contrário, o limite do contrato por prazo determinado ou a termo deveria ser rigorosamente observado, mas isto em circunstâncias normais, pois, se ocorre um fato gravíssimo, imprevisível, que torna a observância dessa cláusula temporal demasiadamente onerosa para o trabalhador, a condição resolutiva deve ser revista para se permitir que, com o alongamento do período contratual, o obreiro possa recuperar sua capacidade de trabalho e se reinserir na comunidade de forma digna.
É a aplicação da regra “rebus sic stantibus”, já consagrada na doutrina civilista, através da qual se garantiria a manutenção do equilíbrio sinalagmático do contrato de trabalho, evitando a onerosidade excessiva para o contratante economicamente mais frágil, que se vê prejudicado pela rescisão contratual enquanto se encontra impossibilitado de obter um novo emprego. ORLANDO GOMES, citando lição de Messineo e Mirabelli, assinala que
"quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando conseqüências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, a requerimento do prejudicado, o juiz pode alterar o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito... " ("Contratos", 12ª ed., Rio, FORENSE, 1990, nº 20, p. 41-42).
FERNANDO NORONHA destaca que
"todo contrato pressupõe um conjunto de circunstâncias objetivas, cuja permanência é indispensável à economia do negócio, que sem elas ficaria descaracterizado. Quando a relação inicial de equivalência objetiva entre prestação e contraprestação venha a desaparecer, em conseqüência da alteração daquelas circunstâncias indispensáveis à economia do negócio, é absolutamente justificado, tanto à luz do princípio da justiça contratual como do da boa-fé (ambos atuando aqui no mesmo sentido), que se proceda à sua revisão, com reequilíbrio das prestações..." (in "O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais",Saraiva,p.237).
Desta forma, aplica-se a cláusula “rebus sic stantibus” ao contrato de trabalho por prazo determinado quando ocorre um fato imprevisível relevante, como, por exemplo, o acidente de trabalho, com fundamento legal no art.478 do Digesto Civil de 2002.
Afinal, os contratantes não previram (nem poderiam prever) a ocorrência do acidente de trabalho quando ajustaram o termo final do contrato, de modo que se trata de um fato extraordinário superveniente que modificou os pressupostos sobre os quais a manifestação de vontade foi firmada, ou seja, a modificação repentina no plano dos fatos deve repercutir no âmbito jurídico, alterando-se o prazo e a natureza do contrato para adequá-los à nova realidade.
Do contrário, a prevalecer o “status quo” anterior, resilindo-se o contrato na data inicialmente aprazada, o sinalagma contratual será rompido, sendo o resultado da relação demasiadamente oneroso para o reclamante, que só teve prejuízo durante o tempo em que laborou para a reclamada, pois deixará o emprego com sua capacidade laboral comprometida.
Significa dizer que, apesar do engessamento sugerido pelo art.478 do CC de 2002 quanto aos requisitos para a resolução/revisão contratual por onerosidade excessiva (= postura sistemático-axiomática do discurso normativo), o Poder Judiciário deve adaptar a regra “rebus sic stantibus” às exigências da consciência comum, de modo a permitir solução mais justa para casos concretos, mediante adoção de princípios e outros topoi menos endurecidos e mais humanos (= postura tópico-problemática dos discursos judicial e científico-dogmático).
Destarte, entendo que a interpretação teleológica e heurística do art.478 do C.Civil autoriza a aplicação da regra “rebus sic stantibus” na revisão da natureza do contrato de trabalho, quando este se tornou excessivamente oneroso para o trabalhador (teoria da onerosidade excessiva), a parte mais fraca da relação contratual, em decorrência de fato superveniente, imprevisto e imprevisível, que tornaria injusta a manutenção do negócio jurídico tal como previamente ajustado (teoria da imprevisão), haja vista que a manifestação de vontade original foi expressa com base em pressupostos que foram radicalmente modificados sem que houvesse culpa ou dolo dos contratantes (teoria da pressuposição). Logo, o contrato deve se revisto para prazo indeterminado. Afinal, o contrato de trabalho também é comutativo, oneroso, sinalagmático e de trato sucessivo , inexistindo razão para não se adotar a cláusula implícita “rebus sic stantibus” como exceção à regra “pacta sunt servanda”;
1)premissa moral: supremacia axiológica do interesse do empregado na preservação de sua higidez física e do interesse coletivo em sua reinserção na comunidade; a saúde do trabalhador é o bem jurídico mais relevante a ser tutelado no conflito de pretensões;Portanto, em epítome, o silogismo da tese aqui esposada é construído em cima de 4 premissas:
2)premissa hermenêutica: predominância dos preceitos constitucionais que asseguram proteção contra acidentes de trabalho e garantem a observância rigorosa das normas de segurança e medicina do trabalho (art.7o, XXII e XXVIII, CF); regra exegética que prestigia a norma mais benéfica ao obreiro - in dubio pro operario;
3)premissa principiológica: princípios específicos da proteção e da continuidade; princípios gerais da dignidade da pessoa humana e da isonomia;
4)premissa contratualista: regra “rebus sic stantibus”; manutenção do equilíbrio sinalagmático do contrato de trabalho, revendo-se a condição resolutiva para se evitar a onerosidade excessiva em favor do contratante economicamente mais frágil, tendo em vista a ocorrência de fato extraordinário imprevisível superveniente.
Vejamos a seguir um acórdão paradigmático do Eg. TRT da 15ª. Região, que, embora partindo de premissas diferentes, chega à mesma conclusão aqui defendida:
“PROCESSO TRT 15 0095900-23.2009.5.15.0011
3ª TURMA - 6ª CÂMARA
EMENTA: A contratação a termo certo, por si, não exclui, a possibilidade de um infortúnio durante o período da prestação dos serviços e, atento ao princípio de que é do empregador os riscos do empreendimento, não há como excluir a garantia de emprego ao acidentado no trabalho, conforme retratado no art. 118 da Lei 8.213/91, estabilidade esta que não se restringe aos empregados contratados por prazo indeterminado, uma vez que a lei não impõe tal restrição, nem poderia haja vista que o seu objetivo é afiançar um meio de subsistência física e mental do trabalhador vítima de um infortúnio; ainda para privilegiar e valorizar a dignidade da pessoa humana em detrimento de um exacerbado e já superado formalismo. Todavia, cumpre ressalvar que aludida garantia não tem o condão de transformar um contrato por prazo determinado em contrato a prazo indeterminado, mas rescindido o contrato de trabalho, quando no direito ao gozo do benefício previdenciário ou no direito à garantia de emprego, faz jus o obreiro a diversas verbas como por exemplo, salários, 13º salário e depósitos do FGTS do período de estabilidade –porém, não, às férias, em razão do art. 133, II da CLT–, lapso que deve ser computado no tempo de serviço para todos os efeitos legais. Também, não há confundir tal hipótese, com garantias como a devida ao representante sindical, cipeiro e gestante, porquanto a estabilidade do acidentado, distinguindo-se das demais, não decorre de um ato de vontade, mas de um fato involuntário. FRANCISCO ALBERTO DA MOTTA PEIXOTO GIORDANI DESEMBARGADOR RELATOR
Destarte, concluo que a Súmula 378, inciso III, do C.TST está devidamente amparada na melhor doutrina ao preconizar que o empregado que sofre acidente de trabalho no curso do contrato por prazo determinado também é detentor da garantia de emprego prevista no art. 118 da Lei no. 8.213/91, de modo que esse entendimento é fruto de uma salutar evolução jurisprudencial.