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A responsabilidade dos pais na violência sexual sofrida pelos filhos

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30/08/2016 às 11:36

Resumo:


  • O abandono e a negligência dos pais ou responsáveis criam um ambiente propício para a violência sexual contra crianças e adolescentes.

  • Leis como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente não têm sido suficientes para proteger os menores de abusos sexuais.

  • É necessário discutir a responsabilização dos pais pela conduta que facilita ou não impede a ocorrência de crimes sexuais contra seus filhos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A CONTRIBUIÇÃO DOS PAIS PARA A OCORRÊNCIA DE ESTUPRO DOS FILHOS

Quanto menos os pais cumprem os deveres inerentes ao poder familiar, mais os filhos ficam sujeitos a perigos e violações de direitos. As circunstâncias em que ocorrem os crimes de violência sexual sugerem que os pais podem ter se desviado de seus deveres, sugerem negligência e omissão das obrigações em relação aos filhos.

Nos mais variados levantamentos sobre crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes algumas situações se repetem e escancaram um ambiente de risco imposto aos menores:

1 – A violência sexual normalmente vem acompanhada de outras violações como negligência, violência física e psicológica[14];

2 – O local mais comum da violência sexual foi a casa da vítima ou a casa do suspeito[15];

3 – Os autores mais comuns de violência sexual são um familiar ou alguém do convívio familiar da criança[16];

4 – Criança e adolescente em ambientes vulneráveis com presença de adultos se prostituindo, locais costumeiros de parada de veículos e consumo de bebida alcóolica;

5 – Foram cerca de 50 casos de violência sexual por dia em 2015[17];

6 – O estupro de crianças e adolescentes, em mais da metade dos casos, foi precedido de estupros anteriores.

As situações acima revelam algumas das condições em que as crianças e os adolescentes estão inseridos.

Não há como negar a conduta omissiva ou negligente de pais e demais familiares se a maior parte dos casos de violência sexual ocorre dentro da própria residência. Ainda que o violador seja o pai, a mãe, o irmão, o avô, bastaria uma pessoa que se preocupasse com essa criança para dificultar a ocorrência do crime, alguém que não pensasse exclusivamente em si e se preocupasse com o comportamento, as conversas, os desejos e medos da criança. Alguém que se interessasse por seu dia dentro e fora de casa. Ainda que não evitasse o estupro, esse familiar preocupado com a criança tornaria mais difícil a ação do violador.

Outro dado chocante é saber que a residência do agressor representa, ao lado da residência da vítima, o local de maior ocorrência de casos de violência sexual. Esta situação sugere que pais e responsáveis nem sempre sabem por onde andam os filhos, que não conhecem satisfatoriamente os locais e as pessoas que recebem os seus filhos.

Pais e mães precisam entender que quanto mais os filhos são deixados aos cuidados de terceiros, maior será o risco de violação de qualquer direito, bem como de violência sexual. Quanto mais os pais cuidam da própria vida, mais os filhos ficam sob os cuidados alheios, isso sem falar naquelas famílias em que as crianças e adolescentes ficam sob os próprios cuidados.

Longe do olhar dos pais ficam sob risco a alimentação, a higiene, o desenvolvimento moral, a educação, a integridade física e inclusive a integridade sexual dos filhos menores. Enfim, a defesa da criança longe dos pais é demasiadamente menor. Mas é preciso compreender que, estar fisicamente perto, mas afetivamente longe, configura uma forma ainda pior de abandono.

Quando a prostituição é uma atividade dos pais, o convívio com essa realidade ou a sua prática na presença de criança e adolescente favorece a ocorrência de violência sexual. O problema não é a opção dos pais, e sim a colocação em risco da integridade e da liberdade sexual dos filhos.

Crianças tendem a imitar os adultos, isso é um fato. Porém, o que a criança não se dá conta é que sua liberdade sexual não está sendo respeitada quando seu poder de escolha, sua capacidade de resistência e seu discernimento ainda não estão plenamente formados.

Os locais de parada de veículos à beira de estradas e rodovias são pontos já conhecidos de prostituição adulta e infantil. Deixar o filho menor sozinho ou mal acompanhado nesse ambiente é pedir que o mesmo seja violentado.

Existem genitores que colocam os filhos nessas condições de propósito, seja por dinheiro, seja por mera liberalidade ou costume. Mas também existem aqueles pais que simplesmente não sabem por onde andam os filhos, com que companhias estão, o que estão fazendo, se estão na escola, na casa de alguém ou em um bar, enfim, o destino, a companhia e a rotina dos filhos deveria tirar o sono de pais que temem ver os filhos em perigo.

É trágico saber que as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, já foram vítimas de outras formas de violência. Dado que se repete nas estatísticas. Mas para piorar, os números mostram que, quando se descobre a violência sexual, os abusos anteriores vêm à tona. Com isso a metade das ocorrências possuem histórico de estupros anteriores. Daí se percebe a inércia de pai, mãe e familiares que deixam prolongar-se uma realidade de violações. Se é absurda uma única ocorrência, imagine o absurdo de uma prática reiterada.

O descuido dos pais pode ter sérias consequências na vida dos filhos. É possível imaginar várias situações, tais como aquela visita que a criança recebe quando os pais estão trabalhando ou quando pai está trabalhando e a mãe dá aquela rápida saída durante o dia.

A violência também pode estar acontecendo naquela visita que a criança faz vez ou outra à casa daquele vizinho ou parente, por recreação ou por causa de um agrado. Muito comum são as ocorrências sofridas por adolescentes durante aqueles passeios com colegas da mesma idade, onde os abusos podem partir desses mesmos colegas ou de outros, ou ainda de um adulto com o qual se relacionam. Observe que essas situações podem ocorrer durante o dia e com ares de passeio ou rotina, evitando assim as suspeitas. E com isso os estupros vão se repetindo até que sejam descobertos e alguém tome uma providência.

Diante de dados tão alarmantes sobre violência sexual contra crianças e adolescentes, não é admissível que os pais deixem filhos menores sozinhos dentro de casa, ainda que por causa do trabalho; é inadmissível que os pais não monitorem os passos do filho ao longo do dia; é inadmissível que os pais não tenham conhecimento do ambiente em que o filho está inserido, seja na rua ou em casa de terceiros; é inadmissível que os pais não saibam quais são as companhias dos filhos.

Alguém precisa dar conta da criança e do adolescente.


A URGÊNCIA DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS PELO DESCUIDO COM OS FILHOS

Prevê o Código Penal Brasileiro o crime de Abandono de Incapaz:

Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda,

vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de

defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena - detenção, de seis meses a três anos.

§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Abandonar um incapaz é deixar de zelar, deixar de cuidar de alguém que não tem condições de fazê-lo sozinho, e que está sob os cuidados daquele que o está abandonando. Essa figura típica protege a segurança da saúde e da vida da pessoa vulnerável, incapaz de defender-se sozinha.

Trata-se de um crime de perigo, ou seja, uma conduta que coloca em risco a saúde ou a vida de alguém. Normalmente, o perigo e o risco precedem um dano. Mas para a configuração do crime de abandono não precisa que o dano ocorra. Ainda que o responsável deixe alguém em abandono e depois reassuma os cuidados, não estará livre de responder pelo crime, pois que a exposição do vulnerável ao perigo ocorreu. Um pai que deixa o filho sozinho dentro de um veículo e vai resolver seus problemas incorreu no crime de abandono de incapaz, ainda que o filho não tenha morrido asfixiado, ainda que o filho não tenha sofrido com a ação de um transeunte. Ou seja, o perigo foi real.

Percebe-se que o crime de abandono de incapaz precede um crime mais grave, porque se a criança falece, pode ser que o genitor responda por homicídio.

Comete o crime de abandono quem leva o incapaz a algum lugar inseguro e lá o deixa, assim como quem, mesmo estando na companhia do incapaz não lhe dirige os cuidados necessários e devidos, típicos do dever de guardião e cuidador.

Importante ressaltar que o consentimento da vítima não retira a responsabilidade pelo crime. Isso significa que se o incapaz, neste caso a criança ou adolescente, admitir que o cuidador se afaste, este cometerá o crime de abandono da mesma forma. São casos muito comuns de crianças que aceitam ficar sozinhas para a mãe ir ao mercado, ir ao salão, ir à casa da avó, ir estudar, ir trabalhar, ir ao baile etc. O crime passa sem ser percebido, mas não deixa de ser crime.

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Para justificar o abandono cotidiano são ditas afirmações do tipo: “É um menino(a) responsável”, “É um menino(a) esperto”, “Já está acostumado(a)”, “Se eu ficar com eles em casa vamos morrer de fome” e tantos outros argumentos forjados pelo tempo e pela banalidade.

O crime de abandono de incapaz é um delito que exige o dolo, a vontade de abandonar ciente do perigo, do dano que pode vir a ocorrer. Ora, não é preciso o poder de vidência para saber que deixar uma criança em um veículo trancado pode leva-la à morte. Da mesma forma que não precisa ser vidente para saber que deixar uma criança sozinha em casa pode lhe causar lesões ou até morte, seja por ato próprio (incêndio ou queda), seja por ato de terceiros que encontrem a criança sozinha. A criança sem uma companhia idônea é presa fácil para todo tipo de aproveitadores.

Uma reflexão deve ser feita com urgência e seriedade: apesar da realidade demonstrar muitos casos de abandono, no Judiciário são poucas as condenações por este crime. Apesar de casos serem noticiados na imprensa, denunciados nos Conselhos Tutelares, nas Polícias, dificilmente um infrator é definitivamente condenado no Judiciário.

Certamente que se providências mais rigorosas e céleres fossem adotadas diante dos abandonos corriqueiros que vêm à tona diariamente por todo Brasil, muitos casos de violência contra crianças e adolescentes seriam evitados. Aliás, evitar novos crimes é um dos efeitos esperados das penas, então, quanto menos providências, maior a sensação de que o abandono não é de fato grave.

Dificilmente um filho sofrerá violência sexual na frente do pai, da mãe ou de alguém responsável.

Em regra, os pais não querem que os filhos sejam violentados, mas muitos não se importam de sair de casa e deixá-los sozinhos; não fazem questão de saber por onde andam os filhos; não se importam em saber com quem o filho está; não se importam se o filho realmente foi ao destino que disse que iria. É negligência e abandono da mesma forma.

O abandono cotidiano de crianças e adolescentes tem feito vítimas. O abandono tem sido a porta de entrada para violações.

Crianças e adolescentes brasileiros sofrem com esse abandono diário em todas as dimensões de sua existência. É triste reconhecer que muitas crianças e adolescentes têm sido órfãos de pai e mãe vivos. Algumas crianças são órfãs de pai e mãe que residem na mesma casa.

Claro que o traficante que comercializa a droga ou o estuprador que violenta uma criança ou adolescente têm de pagar com rigor pelo seu ato. Porém, deveria ser indagado se esta criança ou adolescente tivesse recebido maior acompanhamento dos pais teria se viciado ou sido vítima de violência sexual.

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Sobre o autor
André Luís da Silva Gomes

Advogado. Membro da Comissão em Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente, do Idoso e da Pessoa com Deficiência da 30ª Subseção da OABMG. Ex-Conselheiro Tutelar por dois mandatos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, André Luís Silva. A responsabilidade dos pais na violência sexual sofrida pelos filhos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4808, 30 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51504. Acesso em: 22 dez. 2024.

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