RESUMO:O presente artigo objetiva expor a questão dos legítimos interesses de segurança dos Estados e a sua relação com a proteção internacional dos refugiados, e como a luta contra o terrorismo e as crises migratórias enfrentadas mitigam a garantia e se configuram em nova cláusula de exclusão para a concessão do refúgio pelos Estados.
Palavras-chave: Direito Internacional; Segurança Nacional; Soberania; Direito dos Refugiados;
1. INTRODUÇÃO
É cediço que, após os trágicos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, houve o direcionamento de muitas políticas públicas de melhoramento da proteção da Segurança Nacional por parte dos Estados. Contudo, mesmo que todo o Estado tenha o direito de garantir sua segurança e de monitorar suas fronteiras, é também necessário garantir que os interesses legítimos do Estado em segurança sejam compatíveis com suas obrigações internacionais em direitos humanos e que o controle migratório não afete indiscriminadamente os refugiados que necessitam de proteção internacional, respeitado, assim, o regime internacional de proteção dos refugiados.
Compreendendo essas questões de forma complementar, temos que a segurança é tanto um direito dos refugiados quanto um interesse legítimo do Estado. Consequentemente, a segurança do Estado e a proteção dos refugiados são temas que se reforçam mutuamente.
É nesse sentido que, a legislação atinente aos refugiados e a implementação de medidas justas e efetivas para a concessão do status de refugiado, podem ser utilizadas como ferramentas a favor do Estado para solidificar e fortalecer sua segurança.
2. OS LEGÍTIMOS INTERESSES DE SEGURANÇA DOS ESTADOS E A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS
A segurança nacional é um interesse legítimo dos Estados, cada país tem a competência e a arbitrariedade de instituir suas políticas, bem como o direito de proteger-se e de adotar medidas para a proteção de sua população, incluindo todos os habitantes sob sua jurisdição, nestes os nacionais ou não nacionais (neste rol os refugiados).
Há de se ressaltar que os Estados ao assumirem, no exercício de suas soberanias, obrigações internacionais em questões de direitos humanos, incluindo a proteção internacional dos refugiados, devem agir no sentido de implementação de tais mandamentos.
Logo, conforme lição de Juan González
é importante destacar que o interesse legítimo dos Estados em termos de segurança é compatível com a proteção internacional dos refugiados, e deve ocorrer dentro do marco de respeito aos direitos humanos. Com efeito, a segurança e a luta contra o terrorismo, tal como a proteção internacional dos refugiados, são também questões de direitos humanos e não devem ser vistas como antitéticas ou opostas. Os refugiados são, muitas vezes, as primeiras vítimas da falta de segurança e do terrorismo. (2009, p. 122)
Corrobora-se o entendimento que a adoção de políticas públicas e de marcos normativos e institucionais para a proteção internacional dos refugiados reafirmam e fortalecem a segurança dos Estados, não ocorrendo o contrário como muitas vezes é difundido por meio do senso comum, levando à instituição de práticas discriminatórias e xenófobas.
As necessidades humanitárias daqueles que precisam de proteção internacional, e que hoje continuam sendo vítimas da perseguição, da intolerância, das violações massivas de direitos humanos, da violência generalizada e dos conflitos internos, não são estranhas às legítimas preocupações nacionais e regionais quanto à segurança dos Estados. Não obstante, é importante ter consciência de que os refugiados são vítimas da insegurança e do terrorismo, e não suas causas, e que os Estados contam com um regime internacional de proteção de refugiados que também têm presente suas legítimas preocupações de segurança.
A segurança é essencial tanto para a garantia dos Direitos Humanos dos refugiados e dos solicitantes de refúgio quanto para os nacionais do Estado concessor do status de refugiado. Logo, é fundamental para o respeito e o gozo efetivos de outros direitos humanos bem como para o fortalecimento do Estado de Direito.
Os refugiados são sujeitos de direitos fundamentais, estes são estabelecidos na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967, e complementados por outros direitos humanos consagrados nos instrumentos internacionais, regionais ou universais. Afirma-se, desta forma, que a segurança como direito inerente do ser humano reflete diretamente na qualidade do asilo que ofertado aos refugiados.
O restabelecimento e o fortalecimento desse direito fundamental, que é a segurança, desempenham um papel de destaque na busca de soluções duradouras para os refugiados, haja vista que, nos casos em que o êxodo do refugiado de seu país de origem é resultante da ausência de segurança, por exemplo, em casos de guerra, o restabelecimento da condição segura do país originário, pode, principalmente, propiciar a repatriação voluntária.
Conforme se destacou anteriormente, reforça-se o argumento com o posicionamento de González, o qual dispõe que “Atualmente, invocam-se motivações de segurança nacional para adotar políticas restritivas de asilo, dando preeminência aos controles migratórios, sem que se estabeleçam suficientes garantias para identificar e assegurar proteção a solicitantes de asilo e refugiados.” (2009, p. 123)
Ressalta-se que os dispositivos internacionais (universais e regionais) de proteção dos Direitos dos Refugiados estabelecem circunstâncias em que, sob o argumento do interesse da segurança nacional os Estados podem, legalmente, suspender o exercício de determinados direitos e garantias, contudo, esse exercício deve ser delimitado no sentido de garantia dos direitos previstas nos tratados e convenções a que o Estado tenha ratificado, tendo, desta forma, criado obrigações para ele.
A crescente preocupação dos Estados com as questões de segurança e a luta contra o terrorismo fortaleceram as políticas restritivas de asilo e proteção dos refugiados, políticas já aplicadas em diversos países. O crescimento do Estado Islâmico, a guerra da Síria, a constante ameaça de extremistas religiosos ligados a outras células terroristas, as guerras civis do continente africano, todos são razões que, ao mesmo tempo em que geram grandiosos fluxos de refugiados, são utilizados como desculpas para o fechamento de fronteiras, e como forma de denegação do direito ao refúgio.
Para González
A equação perversa entre refugiados e terroristas passa pelo fato de se desconhecer os critérios para a determinação da condição de refugiado, assim como ignora-se que o terrorismo e a violência geram êxodos de refugiados e, portanto, que eles são suas vítimas e não suas causas. (2009, p.125)
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) externa a preocupação no fato de que no interesse da segurança, e no que diz respeito às cláusulas de exclusão contidas nos tratados internacionais, se pretenda analisar sua aplicação antes mesmo de se chegar à conclusão de que a pessoa reúne os requisitos da definição de refugiado da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. Em consequência, o ACNUR reafirma a necessidade de proteção do direito de asilo e o regime de proteção internacional dos refugiados, para isso, é extremamente necessário que primeiro sejam aplicadas as cláusulas de inclusão e só depois, diante do caso concreto, a aplicação das cláusulas de exclusão.
A priori deve-se inquirir ao solicitante informações que precisem a presença dos critérios de concessão, ou seja, se o mesmo reúne os elementos que definem o refugiado e depois analisar se a pessoa necessita ou merece proteção internacional. É alarmante o fato de que em alguns países se pretenda utilizar o conceito de “segurança nacional” como se tratasse de uma nova cláusula de exclusão e se recorra a novas causas para negar a condição de refugiado, em contravenção ao artigo I. F. da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na medida em que as cláusulas de exclusão são taxativas e de interpretação restritiva, os Estados que conjuram a “segurança nacional” para negar a condição de refugiado, como se esta encerrasse uma nova “cláusula de exclusão”, estão violando o objetivo e as disposições da Convenção de 1951.
A aplicação rigorosa das cláusulas de inclusão e exclusão da definição de refugiado salvaguarda os legítimos interesses dos Estados, na medida em que lhes permite identificar os que necessitam e merecem proteção internacional e aqueles que não se enquadram nessa definição.
O artigo 9º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 permite que Estados, “em tempo de guerra ou em outras circunstâncias graves e excepcionais”, adotem “provisoriamente, a propósito de uma determinada pessoa, as medidas que este Estado julgar indispensáveis à segurança nacional, até que o referido Estado determine que essa pessoa é efetivamente um refugiado”.
Admite a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, nos casos em que o refugiado seja considerado, por razões fundadas, um perigo para a segurança do país em que se encontra, tratando-se, novamente de caso de excepcionalidade, aplicável em situações realmente graves, e nunca de uma cláusula adicional de exclusão, poderá proceder-se a expulsão.
Portanto, não há exclusão mútua nas questões de segurança e proteção de refugiados, mas sim um juízo de complementaridade e reforço recíproco. As relações existentes devem ser enfatizadas principalmente quanto à luta contra o terrorismo, sendo este um problema mundial que gera instabilidade na aplicação dos instrumentos de proteção, tanto no sentido de alguns refugiados serem associados aos próprios terroristas, bem como por ser impetrada por alguns Estados a política do medo, utilizando a terrorismo como razão de políticas migratórias excludentes e a lógica da negação ao pedido de refúgio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GONZÁLEZ, Juan Carlos Murilo. Os legítimos interesses de Segurança dos Estados e a Proteção Internacional dos Refugiados. Revista Internacional de Direitos Humanos, 2009. Disponível em: <www.revistasur.org>.