A Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças assinada em Haia em 25/10/1980, e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.413, de 14/04/2000, refere-se à remoção ou retenção ilícita da criança por um de seus genitores para um país que não seja o de sua residência habitual.
O objetivo da Convenção é o de retornar a criança, o mais rapidamente possível, à sua situação anterior, garantindo que as questões relativas à guarda sejam discutidas no âmbito da jurisdição do seu país de residência habitual, e a evitar que as crianças sejam afastadas abruptamente do convívio com um dos pais, assegurando também o direito de visita.
Com o crescimento do intercâmbio internacional e o aumento do número de relacionamentos entre pessoas de nacionalidades diversas, a Convenção de Haia tem sido um instrumento bastante utilizado, especialmente quando ocorre o término da relação e a necessidade de resolver com quem ficarão os filhos menores de idade – e em que país.
Além disso, não são raros os casos que têm como fundamento a violência doméstica e familiar contra a mulher. Sob diversas formas e intensidades, a violência doméstica é recorrente e presente no mundo todo, motivando crimes hediondos e graves violações de direitos humanos.
No Brasil, a violência doméstica e familiar contra a mulher foi definida na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Nesse sentido, a mãe, ao se deparar com a situação de vulnerabilidade e violência por parte do companheiro eu ex-companheiro no exterior, decide, muitas vezes, voltar para o Brasil com a criança sem autorização do marido ou companheiro.
Tal decisão caracterizará, contudo, a exposição às consequências jurídicas de seu ato (aplicação da Convenção de Haia), podendo, inclusive, ser acusada de “sequestrar” seu próprio filho.
Entretanto, em muitos casos, a restituição de uma criança ao pai agressor implica, dentre outros efeitos maléficos, colocá-la em risco psicológico e físico, além de expor a mãe novamente ao assédio de seu agressor.
Nessas situações, a mulher pode pleitear a exceção à aplicação da Convenção de Haia, que em seu art. 13, assim prevê: “a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar (...)
b) que existe um risco grave de a criança, em seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer modo, ficar numa situação intolerável” (grifo nosso).
Todavia, em que pese a Convenção de Haia prever tal exceção, esta não se aplica de imediato. Antes, haverá processo administrativo e/ou judicial para analisar os fatos e fundamentos.
O processo administrativo origina-se na Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF), que é o órgão designado pelo Estado para efetuar o trâmite de pedidos de auxílio, tanto na modalidade ativa quanto passiva. A figura da autoridade central está prevista em tratados de cooperação jurídica internacional, e seu mecanismo proporciona o estreitamento das relações entre os países, bem como a simplificação das comunicações.
No Brasil, o Chefe de Estado designou como Autoridade Central para a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças a Secretaria de Direitos Humanos, atualmente vinculada ao Ministério da Justiça.
A Autoridade Central brasileira busca solucionar a questão de forma amigável, com o envio de notificação administrativa à pessoa que mantém a criança no Brasil, podendo, inclusive, acionar a INTERPOL.
A mulher é notificada para apresentar sua defesa, e, neste momento, para evitar que a criança seja devolvida ao pai agressor, terá de apresentar as provas relativas à violência doméstica sofrida no exterior, além de demonstrar o risco para a criança, seja porque esta presenciava a violência ou porque era vítima indireta.
As principais provas da violência doméstica praticada pelo companheiro ou ex-companheiro que a mulher pode apresentar inicialmente à Autoridade Central são: ocorrência policial registrada no exterior ou decisões judiciais de medidas protetivas, atendimento em serviços assistenciais e de saúde, redes de apoio, testemunhas-chave, e-mails, fotos, gravações e demais documentos.
Por tais razões, é recomendável que já na fase administrativa, a mulher busque orientação e acompanhamento jurídico, pois, se não houver possibilidade de resolução nesta fase, a Autoridade Central brasileira encaminha o caso para a Advocacia-Geral da União, para promoção da ação judicial na Justiça Federal, momento final para a mulher comprovar a violência sofrida e solicitar ao juiz a aplicação da exceção à Convenção de Haia, e evitar que a criança seja devolvida ao pai agressor.