O Direito Ambiental e o vazio na regulamentação processual da tutela dos direitos difusos

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15/11/2016 às 09:05
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O caráter de relevância do Meio Ambiente leva à necessidade de agilização nos procedimentos jurídicos concernentes à sua tutela. Apesar da legislação ambiental brasileira ser considerada avançada, ocorre uma incompatibilidade com os meios procedimentais.

Resumo

O Direito Ambiental é considerado um dos mais novos ramos das ciências jurídicas. Por tratar de disposição constitucional elencada no artigo 225, ele se torna de grande importância, pois é considerado essencial à sadia qualidade de vida tratando-se de assunto referente a toda coletividade social. Sendo assim, sua tutela passa a ser assunto de interesse estatal defendido pelo Ministério Público.  O caráter de relevância do Meio Ambiente leva à necessidade de agilização nos procedimentos jurídicos concernentes à sua tutela. Apesar de a legislação ambiental brasileira ser considerada avançada, ocorre uma incompatibilidade com os meios procedimentais para se dirimir assuntos relativos à questão ambiental. Dentre os procedimentos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, se encontram as tutelas de urgência. São meios rápidos, porém, de caráter meramente acautelatório não garantindo, assim, a provisão definitiva imediata que se pretende nas lides ambientais devido a sua característica de efemeridade. O atual ordenamento jurídico brasileiro não possui um Código procedimental específico para o Meio Ambiente. As premissas que embasam essa necessidade estão fundamentadas na necessidade de proteção da biodiversidade que sustenta a vida no planeta, pois, sem a cadeia alimentar natural, várias espécies se tornam frágeis, inclusive o próprio ser humano. Para tanto, surge a necessidade da defesa ao Meio Ambiente que vise a manutenção do seu equilíbrio. Por ser o Meio Ambiente um direito difuso, sua defesa deve ser proporcionada pelo Estado cabendo a este estipular regras e procedimentos que visem garantir a efetividade dessa tutela.

Palavras-chave: Meio Ambiente, biodiversidade, degradação, legislação, tutela, Direito Difuso, procedimento, razoabilidade.

 

1     O MEIO AMBIENTE E A DEGRADAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Segundo Sarita Albagli (1998, pg. 12), a diversidade da vida é elemento essencial para o equilíbrio ambiental planetário, capacitando aos ecossistemas melhor reagirem às alterações sobre o Meio Ambiente que foram causadas por fatores naturais e sociais. Durante bilhões de anos, a extinção de espécies ocorreu como parte de processos dinâmicos e naturais, determinantes para a manutenção e o desenvolvimento da diversidade biológica. Porém, a sua atual destruição é causada principalmente por práticas humanas predatórias denominadas de ações antrópicas. A devastação dos habitats naturais, principalmente das florestas tropicais, é considerada o fator determinante da atual e projetada taxa de extinção da biodiversidade. Inversamente, é cada vez maior o reconhecimento do papel positivo que algumas populações nativas e locais, especialmente as indígenas, têm desempenhado na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica das florestas.

Essa milenar biodiversidade desponta dentre os temas ambientais globais debatidos a partir dos anos 80. Grandes motivações contribuíram para trazê-la à cena internacional e para reconhecer a sua característica estratégica desde então. Uma dessas causas relaciona-se ao aumento da percepção, pelos cientistas e por crescentes segmentos da sociedade em geral, a respeito da premência e da importância de se tomarem medidas de maior alcance visando resguardar a existência das diferentes formas de vida na terra. A biodiversidade emerge, então, como uma questão ao mesmo tempo urgente, do ponto de vista ambiental, e estratégica dos pontos de vista econômico, político e social (ALBAGLI, 1998).

Porém, é o aproveitamento dos recursos biológicos e genéticos como matéria-prima para as modernas biotecnologias que, atualmente, confere à biodiversidade o seu valor estratégico. Desse modo, a partir da convergência da biologia molecular, da química e da genética, abriu-se a possibilidade de não só desvendar os mistérios da herança genética, como também de manipulá-la, o que faz com que o século XXI seja, desde já, considerado “a era do gen” (Wilkie, 1994 apud ALBAGLI, 1998, p.73), ou do “paradigma biotecnocientífico” (Schramm, 1996 apud ALBAGLI, 1998, p.75).

Dentro deste contexto, Sarita Albagli (1998, pg. 38) relata que se pode identificar o crescimento das atividades de prospecção da biodiversidade, também apelidadas de “bioprospecção” ou de “garimpagem genética”, bem como da biotecnologia e da engenharia genética. A maior parte dessas atividades, porém, é realizada sem qualquer controle, caracterizando o que hoje já se convencionou chamar de “biopirataria”, diferenciando-se uma nova espécie de crime a nível internacional. Na década de 80, ao mesmo tempo em que se ampliaram as expectativas quanto ao potencial econômico e social das biotecnologias, também despontaram preocupações de caráter ambiental, social e ético a respeito de seus impactos. A discussão a esse respeito tem-se centrado na insegurança ambiental ao se promover, de forma artificial, a troca de informações genéticas entre seres vivos rompendo, assim, a fronteira natural entre espécies, o que tornam imprevisíveis os impactos ao Meio Ambiente.

Para Luciana Ribeiro Lepri (2004, pg. 17), estas transformações geradas pela ação do homem na natureza são excepcionais nos dias atuais, observadas as mudanças que caracterizaram as relações humanas. Como conseqüência deste fato, observa-se uma mudança da sociedade em nível mundial como decorrência de alguns de seus comportamentos. Com isso, na linha evolutiva do Direito contemporâneo, o conceito de Meio Ambiente vem tomando relevância jurídica exigindo uma regulação que lhe seja subjacente e que sirva de recurso na solução dos conflitos gerados pela crescente disputa econômica.

2     DIREITO AMBIENTAL – SURGIMENTO E IMPORTÂNCIA

O processo de expansão dos direitos no curso da história fez com que a doutrina reconhecesse a divisão de gerações de direitos fundamentais. O pensamento burguês do século XVIII apresenta a primeira geração desses direitos que surgiram em momentos de lutas por liberdades e resistência ao poder do Estado. Nesta geração apresentam-se os direitos civis e políticos dirigidos à proteção física e moral dos indivíduos. Os direitos de segunda geração surgiram no início do século XX marcados pela ação positiva do Estado e são abraçados pelo ideal de igualdade, como o direito à saúde, ao trabalho, à educação, etc. Os de terceira geração orientam-se pelos princípios da solidariedade e fraternidade e são relativos ao direito à paz, à segurança, ao desenvolvimento à comunicação e, dentre outros, o direito ao meio ambiente saudável (TEIXEIRA, 2007). Até esta época, não havia qualquer iniciativa no sentido de se fazer incluir o meio ambiente sadio no elenco dos direitos básicos do homem. Não porque inexistissem agressões à natureza, mas estas tinham um grau de destruição bem menor que nos dias atuais.

Hoje, o Meio Ambiente tem sido foco de grandes debates acadêmicos como conseqüência do processo de degradação ambiental que o homem tem gerado ao longo da história (MOREIRA, 2004). Esta autora explica que o Direito, como ciência reguladora das relações humanas, vem ampliando seu nível de abrangência fazendo com que surjam novos ramos como é o caso do Direito Ambiental.

Este novo campo do Direito nasce de um prisma ao qual não são reguladas as relações entre os homens como se pode verificar em outras áreas do Direito. Ele aparece para tentar disciplinar as ações do Homem sobre a natureza. Daí o termo ação antrópica que tem sua origem etimológica do grego ánthrópos que significa 'homem' (HOUAISS, 2001).

Desta maneira, o surgimento do Direito Ambiental se deu em face das necessidades de defesa do próprio meio onde o homem vive e extrai as matérias necessárias para sua subsistência. Esta defesa tem um cunho paradoxal, pois ao mesmo tempo em que o homem agride o Meio Ambiente, ele se encontra na necessidade de defendê-lo para garantir sua subsistência, ou seja, ele destrói o ambiente de que necessita para viver.

Luciana Ribeiro Lepri (2004, pg. 23), explica que o objeto do Direito Ambiental é a busca da tutela dos interesses difusos e que protege um bem do qual não se consegue identificar o titular. Estes interesses, por serem de fruição comum, levam ao campo do embate político da sociedade definições acerca de aspectos estruturais com grande tendência à mutação no tempo e no espaço. Sendo assim, Direito Ambiental se difere dos outros ramos jurídicos pela sua peculiaridade de universalidade e, ao mesmo tempo, de maneira transversa, comunica-se com estes outros ramos invocando-lhes seus conhecimentos. Esta característica tem levado os doutrinadores a classificarem-no como Direito de terceira geração na defesa destes interesses difusos.

Para Paulo Bessa Antunes (2005, pg. 58), o Direito Ambiental tem sido reconhecido unanimemente pela sua interdisciplinaridade. Assim, no entendimento deste autor:

“Não se pode pensar a proteção jurídica do Meio Ambiente sem se considerar dados relevantíssimos que são trazidos para o interior do universo do Direito por outros ramos do conhecimento humano, dentre estes vários conhecimentos que influenciam a construção do Direito Ambiental podem ser destacadas a biologia, a química, a meteorologia, as ciências sociais etc. Muitas vezes, o jurista recorre a conceitos de outras ciências para que possa dar solução a um problema que, aparentemente, estava alicerçado em uma questão puramente jurídica.”

 Dessa maneira, para este autor, uma questão jurídica, quando envolvida por lides ambientais, traz em seu bojo uma série de conceitos que derivam de diversos ramos do conhecimento científico. Assim, pode-se chegar a ter uma idéia da abrangência deste ramo jurídico no campo das ciências e seu outro caráter de interdisciplinaridade.

3     O DIREITO AMBIENTAL COMO INTERESSE DIFUSO

Na afirmação de Castilho (2004, pg. 62), os interesses difusos são identificados na medida em que não se possam apontar os atores ligados ao acontecimento fático ou jurídico[2]. Estes interesses são considerados transindividuais e de natureza indivisível. A título de exemplo, o autor cita a pretensão ao Meio Ambiente sadio que é compartilhado por um número indeterminável de pessoas e que não pode ser quantificada nem dividida (essa pretensão) entre os membros da coletividade.

Com o longo processo de desenvolvimento da história humana houve surgimento da sociedade de massa nos dias atuais. Estes grandes conglomerados urbanos excluíram a possibilidade de o homem viver isoladamente. Nesse processo de socialização, foi surgindo a necessidade de se tutelar outros interesses que não os individuais. Estes outros interesses foram denominados pela espécie metaindividual destacando-se os gêneros de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos que passaram a ser regulados pela Constituição[3].

A diferenciação destes grupos destaca-se na abrangência de sua atuação social. Enquanto os interesses coletivos compreendem uma determinada categoria, dizendo respeito a um grupo por afinidade de uma relação jurídica, os interesses individuais homogêneos são caracterizados por uma situação fática que une as pessoas envolvidas. Como exemplo deste último, Castilho (2004, pg. 69) visualiza uma situação na qual um fabricante de veículos chama os compradores de uma determinada série para realizarem reparos em defeito de fabricação. Observe-se que não é a relação jurídica de compra daquele modelo que irá unir este grupo de pessoas, mas sim o fato do defeito de fabricação. Já no caso dos interesses coletivos, há uma relação jurídica que une determinado grupo de pessoas como o exemplo de vítimas de propaganda enganosa. No terceiro grupo – os interesses difusos – seu gênero é denominado transindividual, ou seja, são aqueles em que não se podem determinar os titulares desses direitos. A este se encaixa o Direito Ambiental.

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Estas definições já foram objeto de apreciação no Supremo Tribunal Federal que, em julgamento a um Recurso Extraordinário, deixou definidos os conceitos acima abordados. Cabe ressaltar que este julgado inicialmente define a legitimação da capacidade postulatória do Ministério Público, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 129, incisos I e III. Vejamos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS.

1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).

3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos.

4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.

4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. (STF, 2007 – grifos nossos).

Como os interesses difusos – denominados transindividuais – são aqueles em que não se podem determinar os titulares desses direitos, ao encontrar esses interesses transindividuais ou de grupos, cumpre identificar sua natureza. Para isso, Castilho (2004, pg. 46) exorta que se deve atentar para as seguintes características:

a)    Se o dano provocou lesões indivisíveis, individualmente variáveis e quantificáveis, estamos diante de interesses individuais homogêneos;

b)    Se as lesões são indivisíveis, mas o grupo é determinável, e o que une o grupo é apenas uma relação jurídica básica comum, estamos diante de interesses coletivos.

c)    Se o grupo lesado é indeterminável e as lesões são indivisíveis, estamos diante de interesses difusos;

Desta maneira, as diferenciações dos diversos interesses transindividuais, ficam mais claras de serem distinguidas. O Direito Ambiental encontra-se, então, no referido item “c”, ou seja, não se pode determinar o grupo lesado e as lesões não são divisíveis ou separáveis.

Dessa inseparabilidade e indivisibilidade não se depreende que estes Direitos não interliguem as pessoas. Há uma situação de fato que une a sociedade, porém sem um vínculo jurídico entre os titulares (neste caso, estaríamos diante de um interesse coletivo). Com esta distinção, Castilho (2004, pg. 39) conclui que os Direitos Difusos pertencem ao gênero superindividuais, porque ultrapassam a órbita individual, para se inserirem num contexto global, na ordem coletiva.

Este autor afirma que, desde as Ordenações Filipinas já era prevista, em seu Livro Quinto, título LXXV, pena gravíssima para quem cortasse árvore ou fruto sujeitando-se a açoite e ao degredo para a África por quatro anos se o dano fosse mínimo, ou para sempre, se o dano fosse maior. Contudo, somente com a constituição de 1988 é que se destinou um capítulo exclusivo para o tema empregando, então, o termo “Meio Ambiente”. Por sua vez, esta expressão é redundante, já que representam o mesmo significado, mas é largamente utilizada pela doutrina e legislação brasileiras porque designam uma abrangência do conjunto de elementos naturais e culturais que formam o lugar onde vivemos. Assim, o Meio Ambiente é o conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o equilibrado desenvolvimento da vida em todas as suas formas (Castilho, 2004).

A degradação deste Meio Ambiente coloca em risco direto a vida e a saúde das pessoas ameaçando, assim, a própria perpetuação da espécie humana. Desta maneira é que o Direito Ambiental foi, aos poucos, sendo inserido no contexto jurídico dos ordenamentos das nações. Castilho (2004, pg. 61), afirma que as questões relativas ao Direito Ambiental estão intimamente ligadas às do uso da propriedade e da função social da propriedade. Enquanto o instituto da propriedade é milenar, o uso egoístico e ilimitado dos recursos naturais remonta à Revolução industrial. Porém, a introdução deste conceito – ambiental – em nosso ordenamento, gerou uma crise com a consolidada dogmática vigente à época e exigiu a formulação de novas categorias e a releitura da norma atuante tendo como corolário a constituição de 1988.

Deste modo é que o Direito Ambiental se destaca como um dos mais modernos e novos ramos do Direito e se utiliza de institutos de direito penal, civil, e administrativo de forma subsidiária. As normas ambientais se tornam mais efetivas no que concerne ao regulamento da relação do homem e seus meios de produção com a natureza, tornando o equilíbrio desta relação mais harmonioso no que tange ao desenvolvimento sustentável e à minimização dos efeitos degradantes sobre o Meio Ambiente.

A norma material é aquela que regula a relação do homem estipulando sanções às suas condutas ilícitas para limitar sua atuação. Segundo Ada Pelegrinni (1998, pg. 23), o Direito material é o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, penal, administrativo, comercial, tributário, trabalhista etc.). Esta autora afirma que o direito processual é o complexo de normas e princípios que regem o método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz. Em outras palavras, o processo rege os atos que vão concretizar o que está disposto no direito material. Assim, como o direito material ambiental, na legislação brasileira, é considerado um dos mais avançados do mundo, o mesmo não se pode dizer no que tange ao processo ambiental que não existe em nosso ordenamento. Isto faz com que haja uma lacuna a ser preenchida no que tange à atuação estatal nos procedimentos das lides ambientais, mais especificamente na duração do processo ambiental tendo em vista o mencionado caráter de efemeridade da natureza.

4     MECANISMOS DE TUTELA DAS LIDES AMBIENTAIS NO BRASIL

Sendo o Meio Ambiente um direito que diz respeito a todos os indivíduos de uma sociedade e, sendo ele de caráter transitório, cumpre agora abordar quais mecanismos o Estado dispõe para tutelar este bem.

Na visão de ALBAGLI (1998, pg. 53), existem duas principais medidas controladoras e reguladoras. Uma delas é de caráter repressivo ou inibidor de atividades predatórias – através, por exemplo, da exigência de realização de estudos de impactos ambientais nos grandes projetos, da imposição de normas técnicas de caráter ambiental, do controle efetivo das fontes de poluição e da repressão ao comércio de espécies ameaçadas. A outra é de caráter incentivador de atividades benéficas à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade como, por exemplo, a instituição de “selos verdes” e o estabelecimento de incentivos fiscais e creditícios às atividades ambientalmente saudáveis.

Porém, uma vez causado o dano ambiental, na maior parte das vezes ele é de difícil ou impossível reparação. Marcelo Buzaglo Dantas (2006, pg. 47) expõe como exemplo as dragas de uma mineração que provocam o assoreamento de um rio que abastece de água toda uma região que abrange vários municípios. Não houve, neste caso, a observância das exigências estatais para a realização do empreendimento. Aqui, o dano imediato merece medida tutelar de urgência tendo em vista a imprescindibilidade do bem defendido, qual seja, a saúde de toda uma população.

Assim, segundo este autor, ganha corpo o estudo da tutela jurisdicional de urgência em matéria de Meio Ambiente. Para tanto, disponibiliza-se em nosso ordenamento jurídico o seguinte quadro de medidas urgentes aplicáveis subsidiariamente do CPC (Código de Processo Civil) à tutela coletivo-ambiental:

1.  Medida cautelar, que visa assegurar a satisfação da pretensão de direito material que será (ou já está sendo) discutida em outro processo, este chamado de principal, variando-se conforme se trate de cautela preparatória ou requerida incidenter tantum;

2.  Medida antecipatória do meritum causae, que consiste na entrega, ao autor, do próprio bem da vida que ele busca com o julgamento definitivo da causa;

3.  Medida liminar, que corresponde ao adiantamento da prestação jurisdicional postulada, seja qual for a natureza em que ela se apresente (acautelatória ou satisfativa), a qual, em vez de ser concedida com o trânsito em julgado da sentença de procedência, é deferida initio litis.

Desta maneira é que a importância dos provimentos de urgência, em qualquer das espécies existentes se torna altamente relevante no âmbito da tutela jurisdicional do Meio Ambiente devido aos danos causados pelas ações antrópicas que podem ter como conseqüência seqüelas graves ou mesmo irreversíveis.

Assevera o referido autor que, do ponto de vista da tutela jurisdicional do Meio Ambiente, os provimentos de urgência passaram por algumas modificações que deram um novo quadro mais avançado a partir das Leis 10.352/01, 10.358/01 e 10.444/02. Estas leis deram nova roupagem a matérias referentes à tutela como:

a)    Substituição da referência à execução da tutela antecipatória por efetivação, o que conduz à dispensa de processo executivo subseqüente, ainda mais nos moldes restritos da execução provisória (art. 273, § 3º do CPC);

b)    Possibilidade, agora expressa, de antecipação de apenas um dos pedidos cumulados ou de parcela deles, quando incontroversos (§ 6º);

c)    Fungibilidade entre medidas cautelares e antecipatórias e vice-versa (§ 7º);

d)    Faculdade de modificação da periodicidade e do valor atribuído à multa cominatória (astreinte), para a hipótese de descumprimento do preceito (art. 461, § 6º do CPC);

e)    Efeito meramente devolutivo da apelação interposta contra sentença que confirme os efeitos da tutela antecipada (art. 520, VII do CPC);

Observa DANTAS (2006, pg. 32), que estas mudanças proporcionaram a explicita existência de cinco classes de ações no nosso ordenamento jurídico: além das modalidades tradicionais (declaratória, constitutiva e condenatória), as de cunho mandamental e executivo lato sensu dotando de uma efetividade maior aos mecanismos utilizados para prevenir danos já causados ou a serem causados no Meio Ambiente.

A título de exemplo prático destas matérias, Teixeira (2007, pg. 108) cita a questão do uso do instituto da suspensão de execução de liminar e sentença proferidas em mandado de segurança e em outros processos movidos em desfavor do Poder público e seus agentes. Segundo este autor, pelas Leis 4.348/64 e 8.437/92, é possível – a pedido da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e do Ministério Público – ao presidente do tribunal a que couber o respectivo recurso, suspender a execução de decisão liminar e de sentença, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. O autor considera que é forte a impressão de que tal mecanismo tem funcionado como estratégia de continuidade agressiva à natureza, na qualidade de impedimento extra de execução das já raras decisões úteis e favoráveis a essa causa.

Apesar dos avanços supracitados no aparato normativo processual e material, com garantias legais diversas, o meio ambiente brasileiro freqüentemente sofre como descaso, omissão e muitas vezes com a complacência do Estado no que concerne à destruição impiedosa da natureza o que aumenta a distância entre o Direito Ambiental legislado e o Direito Ambiental praticado. Desta maneira, cabe uma breve análise da efetividade do processo ambiental no Brasil.

5     A DURAÇÃO DO PROCESSO NAS LIDES AMBIENTAIS E A FALTA DE EFETIVIDADE DA TUTELA AMBIENTAL

Com o advento da emenda constitucional no 45 de 2004, conhecida como emenda da reforma do judiciário, foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro o direito à razoável duração do processo judicial através do inciso LXXVIII do artigo 5º da carta magna. Este foi um grande progresso na superação do problema da morosidade da justiça, mas, quando se pensa no desejo por um sistema de justiça procedimental melhor, este avanço se torna insuficiente, uma vez que “não se resolve o problema de performance no serviço de Justiça apenas com idéias e normas boas” TEIXEIRA (2007, pg. 64).

Contudo, como este dispositivo é indefinido, sua aplicação torna-se relativa conforme a visão de quem o aplica. O novo inciso constitucional adquire uma forte carga simbólica e exige prioridade na adoção de políticas de garantia e implementação merecendo, do Estado e da sociedade, a tomada de todas as medidas para sua efetivação. Como ressalta TEIXEIRA (2007, pg. 64):

”...todo e qualquer direito, para ser alçado ao nível constitucional, como fundamental do homem, percorre um longo e gradual processo de reconhecimento, que se origina nas percepções embrionárias da necessidade de sua existência”.

O objetivo central deste comando constitucional é, sem dúvida, a busca da rapidez na prestação jurisdicional como garantia de um processo eficaz, seguro e que possibilite o alcance da verdade e da justiça. Porém, a passagem do tempo é necessária para se alcançar reflexões sobre os fatos trazidos a julgamento deixando o juiz protegido contra impulsos irrefletidos ou pressões diversas que venham a ocorrer. O verdadeiro alcance desde dispositivo é o consumo do tempo adequado para o transcurso normal e regular da prestação jurisdicional tendo em vista que os atos processuais normalmente decorrem numa seqüência que demanda certo tempo.

Com efeito, os interregnos entre os atos processuais, por vezes, seguem-se de descumprimentos de prazos que são qualificados por motivos diversos. Segundo Teixeira (2007, pg. 139), esta qualificação dos descumprimentos a respeito da demora processual “é que nos indicará a violação ou não ao direito fundamental à razoável duração do processo”.

Desta maneira, tendo em vista a atual conjuntura do ordenamento jurídico brasileiro, conclui-se que há uma necessidade improcrastinável de se publicar um Código procedimental que agilize essa tutela tendo em vista que a exploração econômica ilegal dos recursos primários encontra-se totalmente desprovida de uma atuação efetiva em termos processuais enquanto a lei material concernente ao meio ambiente no Brasil tem alcançado avanços surpreendentes nos últimos tempos. Já existe a tramitação no congresso Nacional Brasileiro de um Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos.

Na concepção de SOUZA (2003, pg. 235), “A partir do tratamento dão aos direitos difusos e coletivos pela Constituição, podemos falar na construção do microssistema”. Este autor afirma a necessidade de uma revisão no plano do direito material e processual para se obter uma resposta rápida e eficiente na pretensão que se espera da matéria em questão sendo que, nesse novo microssistema, seja abordada a conduta humana não só sob os aspectos sociais, mas com a devida adequação de tais condutas às exigências das leis naturais.

CONCLUSÃO

Em primeiro plano, pode-se concluir que a problemática nos procedimentos ambientais resulta, em boa parte, da falta de informação e de cultura ambiental suficiente que impede os operadores do direito relacionarem o conhecimento do grau de correspondência entre a celeridade no processo ambiental e a gravidade do dano que possa vir a existir na demora desta tutela. Como resultado desta premissa, a duração de um processo que envolva questões ambientais torna-se mais complexa na medida em que se leva em conta a efemeridade do meio ambiente e a ameaça de não se conseguir a reparação do dano, o que pode acabar por comprometer a qualidade de vida de todos.

Como o ordenamento jurídico brasileiro assegura, através da constituição, o direito ao Meio Ambiente equilibrado e a nossa legislação ambiental é atualmente considerada uma das mais avançadas (CASTILHO, 2004), cabe ressaltar que a realidade brasileira em muito se contradiz com este avanço. Sem mencionar as dimensões continentais deste país, a problemática procedimental nas soluções das lides que envolvem direitos de coletividade ainda carece de uma melhora substancial para sua real efetividade. Disso, depreende-se que a eficácia nos meios procedimentais se torna de suma importância para a efetivação da tutela estatal.

Em corolário a esse entendimento surge, como segunda constatação que as medidas assecuratórias vigentes atualmente, não garantem a preservação do direito difuso em questão até o trânsito em julgado da lide. O problema não está todo no instituto procedimental, mas no seu uso. É bastante possível que ele tenha uma utilidade ambiental mais nobre. Existe margem para que isso ocorra. A questão é de conscientização ambiental, de maior atenção e cuidado com a natureza (TEIXEIRA, 2007). Para este autor é possível avançar significativamente na proteção jurídico-jurisdicional do Meio Ambiente bastando que haja maior conscientização para essa causa e o investimento em conhecimento ambiental com maior acesso como sendo o caminho rumo à garantia jurídica do progresso sustentável.

A terceira conclusão que se pode chegar é que o atual ordenamento jurídico brasileiro necessita da publicação de um Código procedimental específico esta área jurídica de modo a estimular essa tutela, tendo em vista que a apuração das irregularidades na exploração econômica ilegal dos recursos naturais encontra-se totalmente desprovida de uma atuação efetiva em termos processuais. Neste tocante, SOUZA (2003, pg. 271) considera que, nesse novo enfoque, o juiz passa a desempenhar um papel decisivo para assegurar a garantia de acesso à ordem jurídica justa, inclusive zelando para que haja equilíbrio entre os litigantes. Em outras palavras, ele deixa de ser um mero espectador na relação processual, passando a ligar-se à problemática social e política do país.

Apesar do empenho do legislador, o Meio Ambiente não se limita ao Direito sendo que a legislação nada mais é do que a resposta aos técnicos e cientistas pela proteção reclamada. A relação com a interdisciplinaridade inerente ao Direito Ambiental tem, aos poucos, levado os juristas a abandonarem a posição de indiferença ao ambiente quando se deparam com novas e complexas questões. Assim, é preciso que o Homem redefina sua relação com o ambiente, pois ele precisa da natureza para sobreviver enquanto a recíproca não é a mesma (MOREIRA, 2004).

REFERÊNCIAS

ALBAGLI, Sarita. Geopolítica da biodiversidade. Brasília/DF: Edições IBAMA, 1998.

ANTUNES, Paulo Bessa. DIREITO AMBIENTAL. 7ª ed. Rio de Janeiro/RJ: Lumen Juris, 2005.

CASTILHO, Ricardo dos Santos. Direitos e Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. Campinas/SP: LZN Editora, 2004.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. TEORIA GERAL DO PROCESSO. São Paulo/SP: 14ª Edição Revista e Atualizada, Malheiros Editores, 1998.

DANTAS, Marcelo Buzaglo. Tutela de Urgência nas Lides Ambientais – Provimentos liminares, cautelares e antecipatórios nas ações coletivas que versam sobre meio ambiente. Rio de Janeiro/RJ: Forense Universitária, 2006.

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Instituto Antônio Houaiss. Versão 1.0, dezembro de 2001. Ed. Objetiva. CD-ROM.

MOREIRA, Luciana Ribeiro Lepri. DIREITO AMBIENTAL – Legitimação e Atuação do Ministério Público. Curitiba/PR: Ed. Juruá, 2004.

SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. Aspectos Processuais do Direito Ambiental – A tutela jurisdicional do Meio Ambiente e seu grau de eficácia. Organizadores: DANTAS, Marcelo Buzaglo; LEITE, José Rubens Morato. Rio de Janeiro/RJ: Forense Universitária, 2003.

Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário no 163231/SP - Relator:  Min. MAURÍCIO CORRÊA; Julgamento:  26 de fevereiro de 1997 – Órgão Julgador:  Tribunal Pleno; Publicação: DJ 29-06-2001. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 13.out.2007.

TEIXEIRA, Antônio Edílio Magalhães. PROCESSO AMBIENTAL – Uma proposta de razoabilidade na duração do processo. Curitiba/PR: Ed. Juruá, 2008.

Legislação

BRASIL. Congresso Nacional. Lei 4.348, de 26.06.1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20 abr. 2008.

_______.________. Lei 8.437, de 26.06.1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20 abr. 2008.

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Sobre o autor
Emerson Passaroto Lopes

Agente de segurança institucional do Ministério Público Federal/PGR; Instrutor de armamento e tiro; Graduações: GEOGRAFIA - Universidade Estadual de Goiás (2006), DIREITO - Instituto de Educação Superior de Brasília - IESB (2008). Pós-graduações: GESTÃO AMBIENTAL - Universidade Estadual de Goiás (2007); CIÊNCIAS CRIMINAIS (2009) - Cândido Mendes - RJ; Mestrado UNB (2011), aluno especial (não concluído); "DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR" Cândido Mendes - RJ (2014); SEGURANÇA PÚBLICA E INTELIGÊNCIA (2019) - UniBF; Registro na OAB/DF; Foi colaborador na Defensoria Pública do DF de 2004 a 2013. Foi MEDIADOR/CONCILIADOR no Tribunal de Justiça do DF em 2015/16. Experiência nas áreas: Geografia Política e da População, nos temas: ação antrópica, recursos renováveis - Mediação/conciliação - Direito constitucional, ambiental, consumidor, penal, Humanos, civil e EaD.

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