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Possibilidade jurídica de intervenção militar

13/12/2016 às 00:28
Leia nesta página:

Em um momento em que grande parcela da população aponta, tão somente, a intervenção militar, como solução da crise política, é primordial elucidar o que nossa legislação tem a dizer, sobre este ideal.

1. INTRODUÇÃO

Toda vez que o Brasil passou por crises político-econômicas, após a promulgação da Charta de 1988, que parcela da população brasileira clama, às Forças Armadas, que tomem o poder. Há fundamentação jurídica, para tal apelo?


2. O ESTOPIM DA CRISE

2.1. O Impeachment

Desde que a ex-presidente cassada, Dilma Rousseff, foi reeleita, em 2014, que os opositores do então governo federal auxiliaram no acirramento as crises: institucional, política e econômica. Problemas estes totalmente incompreendidos, por grande parcela do povo brasileiro, que ao invés de lutarem pela convocação de referendos e plebiscitos, por exemplo, veem, como única ou melhor opção, a volta da Ditadura Militar. Analfabetismo político ou jurídico?

2.2. A afronta ao Pretório Excelso

Mais recentemente, dentre tantos veículos de comunicação, o editorial do portal de notícias G1 (2016, online) publicou uma série de posicionamentos, contra e a favor, ao fato do Presidente do Senado – Renan Calheiros, ter descumprindo decisão liminar, que o afastava do comando do Senado Federal. Na prática, o cidadão comum assistiu escandalizado tal ato, uma vez que é notório e de amplo conhecimento que desobedecer a uma ordem judicial é crime, nos moldes do art. 330. do Código Penal, dispositivo este, recepcionado, pela Lei Maior de 1988.

Vale destacar que ao mesmo tempo em que a Lei Penal pune a desobediência a uma decisão judicial, a Charta Constitucional, em seu art. 2° preza pela harmonia e independência entre os poderes. Afinal de contas, seriam os Militares os únicos capazes de solucionarem tal celeuma?


3. FAVORÁVEL AO RETORNO DITADORIAL

3.1. Movimento crescente

De acordo com o jornalista Renato Souza, do editorial do site de notícias Folha Diferenciada (2014, online), o pedido de retorno da Ditadura Militar não se trata de um movimento isolado de internautas, e muito menos de uma passageira manifestação contrária aos rumos da política nacional, uma vez que tal opinião vem ganhando voz, inclusive, dentro do próprio Exército Brasileiro, possivelmente emanando da precária educação pública nacional, que cada vez produz mais marionetes de políticos, no seio da população.

3.2. Manutenção da corrupção

O General Paulo Chagas (2014, online), uma das vozes em defesa da volta dos militares ao poder, oportunamente critica a atuação do Supremo Tribunal Federal, o qual, de acordo com os próprios dizeres daquele militar, “[...] desmoralizada por arranjos tortuosos que transformaram criminosos em vítimas da própria justiça [...]”.

Por outro lado, de maneira um tanto questionável, como solução, a um suposto e improvável perigo comunista bolivariano, o dito comandante aponta, portanto, uma intervenção militar, nos rumos da política nacional, a definindo como “[...] tábua da salvação para a Pátria ameaçada [...]”.


4. DESFAVORÁVEL AO RETORNO DITADORIAL

4.1. Da Constitucionalidade

Porém, com a devida vênia à opinião dos intervencionistas, há correntes mais sensatas que divergem, de uma interferência do Exército, na política nacional.

O general Eduardo Villas Bôas, inclusive, de acordo com Radio Itatiaia (2016, online), chega ao ponto de classificar como “[...] tresloucados ou malucos [...]” aqueles que pugnam pelo retorno dos Militares, ao comando do país. O Referido comandante demonstra ainda mais lucidez e compreensão do ambiente jurídico vigente, ao declarar que a atual Constituição Federal é absolutamente clara ao rezar que as Forças armadas se subordinam ao Presidente da República, não havendo, portanto, no entender daquele militar, a possibilidade de inversão da dita norma jurídica:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (Grifo nosso)

4.2. Do entendimento dos Militares

Matéria jornalística do Terra Notícias (2015, online), esclarece que o General Gilberto Pimentel, em nome do clube militar, publicamente descarta a possibilidade de os militares tomarem o poder, por um simples motivo, tal ato é ilegal:

[...] Garanto que isso [intervenção] não tem nada a ver conosco. Os militares não pensam nisso. Temos uma posição legalista. [...] Queremos que o Brasil caminhe sempre dentro do constitucional [...] O País não merece viver essa confusão", declarou. (Grifo nosso)

4.3. Da tomada, democrática, de poder

Neste liame, vale destacar que nos parece, também, ser impossível que as Forças Armadas tomem o poder, até mesmo mediante o viés democrático, ao, por exemplo, criarem um partido militar e disputar as eleições, pois aos militares sequer é permitido a filiação partidária, de acordo com a Constituição Federal:

Art. 142, inciso V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos. (Grifo nosso)


5. DA FASE MAIS CRUEL

5.1. Da usurpação de poderes

Fazendo um breve recorte, de alguns artigos do Ato Institucional número 05 (AI – 5), de 13 de Dezembro de 1968, verifica-se que uma possível tomada de poder, pelas Forças Armadas, além de afrontar o art. 142. da Lei Maior, encontra, na atualidade, outras incompatibilidades, com o ordenamento jurídico vigente.

O art. 2° do AI – 5 ao ter outorgado poderes ao então Presidente Costa e Silva, de fechar as portas do Legislativo Federal, dos Estados e Município é impossível de ser aplicado, na atualidade, pois fere a harmonia e independência entre os poderes, elencado no art. 2° e no ideal de sociedade livre, do art. 3°, ambos da atual Constituição Cidadã.

O atual processo legislativo, elencado nos art. 59. e art. 68, da Charta de 1988 não recepciona, sob hipótese alguma, os ditames dos § 1º e 2°, do art. 2° do AI-5, uma vez que o art. 1° da atual Constituição é muito claro ao determinar que “Todo o poder emana do povo”, não sendo possível, esta ordem clara e pacificada por nossos tribunais, ser deturpada ao ponto de ser ler que, todo poder emanaria das Forças Armadas.

Ainda, em se tratando de lei delegada, nos moldes do art. 68. da Constituição vigente, o Chefe do Executivo Federal precisa de autorização do Congresso Nacional, não sendo possível a nenhum Presidente da República, civil ou militar, usurpar o poder dos representantes dos Estados (senadores) e do Povo (deputados Federais), pois mesmo em se tratando de lei delegada, há limites, parâmetros e competências a serem rigorosamente respeitadas, informações estas difícil de serem assimiladas, por quem sofreu com uma formação educacional precária, a exemplo da maioria do povo brasileiro, nas últimas décadas:

Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.

§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:

[...]

§ 2º A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.

[...] (Grifo nosso)

5.2. Esclarecendo a intervenção

O AI – 5 representou tamanha afronta ao próprio Povo Brasileiro, dentre muitos absurdos, podendo-se destacar, o seu art. 3° o qual previa que os Militares estavam, inclusive, acima daquela Constituição outorgada por eles próprios, de 24 de Janeiro de 1967. Uma vez esclarecidos estes pontos, de maneira continua, ao povo, será que restariam muitos cidadãos que votariam favoráveis, a volta da ditadura militar, mediante referendo ou plebiscito?

5.3. A visão, do STF, sobre a intervenção

Na atualidade, de acordo com o esclarecedor voto, do Ministro, do Supremo Tribunal Federal, Celso de Melo, no Habeas Corpus número 98.237, j. 15-12-2009, 2ª T, DJE de 6-8-2010, conjugando tal decisão ao imbróglio da intervenção militar, resta claro que é inadmissível que o Estado Brasileiro, comandado por civis ou militares, possa, como ocorreu nos anos de Chumbo, realizar perseguições a quem pensa diferente, da cúpula do governo federal, por exemplo:

[...] O Estado não tem o direito de exercer, sem base jurídica idônea e suporte fático adequado, o poder persecutório de que se acha investido, pois lhe é vedado, ética e juridicamente, agir de modo arbitrário, seja fazendo instaurar investigações policiais infundadas, seja promovendo acusações formais temerárias, notadamente naqueles casos em que os fatos subjacentes à persecutio criminis revelam-se destituídos de tipicidade penal. (Grifo nosso)

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5.4. Do desconhecimento da matéria

Com todo respeito a quem defende o retorno da Ditadura Militar, mas ao ler o art. 5° do AI – 5, além de estar perfeitamente visível que o referido ato afronta, no mais amplo sentido da palavra, a ordem Constitucional promulgada em 1988, é possível ter o entendimento que os cidadãos leigos, que defendem o fim da democracia, o fazem por total desconhecimento da causa e falta de oportunidade de intervirem, diretamente, mediante plebiscito, referendos, apresentação de anteprojetos, aos rumos da política nacional:

Art. 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em: I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado [...] (Grifo nosso)

Ou seja, uma possível volta das Forças Armadas ao poder, significaria o fim do próprio direito de manifestar pacificamente, dentre tantas outras liberdades, principalmente a de opinião, atingindo, inclusive a liberdade de expressão, de quem defende tal despautério.


6. DAS POSSÍVEIS SOLUÇÕES

Portanto, é possível ter o claro entendimento que o ordenamento jurídico e democrático vigente, apoiado, inclusive, pelos militares mais sensatos (Clube Militar), NÃO comporta a mínima possibilidade de uma intervenção militar, no sentido de não se observar todas as garantias legais, em prol da liberdade, da justiça e da boa aplicação das leis.

Evidente destacar que o analfabetismo jurídico e político, daqueles que clamam pelo retorno da Ditadura Militar, o fazem por não terem o mínimo de conhecimento, para intervirem na política do país. Nesta esteira, conclui-se que a educação pública nacional deva abraçar disciplinas que fomentem o debate dos grandes temas nacionais; a inclusão de conteúdo curricular correlacionado à noções de Direito Constitucional, Administrativos, Ciências Políticas, dentre outros, para que nossos jovens aprendam, desde os primórdios da formação escolar, que é possível a população (e não as forças armadas) intervir diretamente na política nacional, mediante plebiscitos; referendos; coleta de assinaturas para anteprojeto de iniciativa popular; participando de audiências públicas; compondo assento nos conselhos Municipais, estaduais e associações de bairro; elegendo pessoas comprometidas com bem estar social; e principalmente, defendendo a nossa tão recente e frágil democracia.


Referências

SOUZA, Renato, Folha Diferenciada, General Já Fala Em “Eventual Intervenção Militar”; Democratas Não Vão Reagir?, Mar. 2014, disponível em: <https://folhadiferenciada.blogspot.com.br/2014/03/general-ja-fala-em-eventual-intervencao.html > Acesso em: Dez. 2016

CHAGAS, Paulo, Na causa da democracia, quem está dispensado? , Mar. 2014, disponível em: <https://sociedademilitar.com.br/index.php/forcas-armadas/963-general-de-brigada-ve-na-marcha-da-familia-uma-contribuicao-importante-e-convoca-toda-a-sociedade-esclarecida-para-ostentar-publicamente-sua-posicao.html > Acesso em: Dez. 2016

Portal G1 Notícias. Dez. 2016. Políticos avaliam decisão do Senado de não cumprir liminar do STF; confira, disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/politicos-avaliam-decisao-do-senado-de-nao-cumprir-liminar-do-stf-confira.ghtml > Acesso em: Dez. 2016

Rádio Itatiaia Notícias, Dez. 2016. Comandante do Exército diz que ‘malucos’ apoiam intervenção militar no Brasil, disponível em: <https://www.itatiaia.com.br/noticia/comandante-do-exercito-diz-que-malucos-apoiam-intervencao-militar-no-brasil > Acesso em: Dez. 2016

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. – versão compacta – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 950. e 952

Terra Notícias, Os militares não pensam em intervenção", diz Clube Militar, Mar. 2015, disponível em: <https://noticias.terra.com.br/brasil/os-militares-nao-pensam-em-intervencao-diz-clube-militar,c9fb7ff95483c410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html> Acesso em: Dez. 2016

BRASIL. Superior Tribunal Federal. 2015. A Constituição e o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%20783 > Acessado em Dez. 2016

FILHO, José Francisco Cunha Ferraz. Constituição Federal Interpretada. Artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 2ª ed. Baueri, SP: Manole, 2011, p.17

BRASIL. BRASIL. Superior Tribunal Federal. HC 98.237 , rel. min. Celso de Mello, j. 15-12-2009, 2ª T, DJE de 6-8-2010, Brasília, DF, 6 dez. 05/05/2011. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp > Acesso em: Dez. 2016.

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Sobre o autor
José Alves Capanema Júnior

Advogado, professor designado de Língua Inglesa, da rede Pública de MG.Pós-graduando em Direito Administrativo, pela Faculdade Pedro II, formado em Direito, pela Universidade de Itaúna - Estado de Minas Gerais.ELEITO MELHOR ESTAGIÁRIO DE DIREITO 2015 - UNIVERSIDADE DE ITAÚNA - MG

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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