O Estado brasileiro contra o cidadão do mundo Lula

21/12/2016 às 11:49
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A Justiça Federal deve considerar seriamente as consequências jurídicas e diplomáticas da denúncia feita por Lula no United Nations Human Rights Council em Genebra.

O início das férias forenses deve ser uma oportunidade para reflexão.

Duas coisas extremamente importantes correram neste ano judiciário. O primeiro foi a denúncia de Lula com base em convicções político-ideológicas de Deltan Dellagnol e a curiosa aceitação da mesma por Sérgio Moro. O Juiz da Lava Jato teria sido mais técnico se rejeitasse a denúncia por faltar justa causa à uma perseguição penal que não se sustenta em evidências materiais e que pretende transformar em prova a narrativa política-ideológica elaborada pelo Promotor.

A segunda coisa relevante que ocorreu este ano foi a denúncia que o próprio Lula fez no United Nations Human Rights Council em Genebra. Através de seus advogados, dentre os quais um renomado especialista na matéria, o ex-presidente alegou que não terá um julgamento isento no Brasil. A alegação de Lula foi considerada suficientemente demonstrada, pois o UNHRC não rejeitou sumariamente o caso.

O Brasil tem jurisdição para investigar e punir os crimes cometidos em seu território. Mas não pode desprezar a jurisdição internacional, pois é subscritor das convenções internacionais que protegem os direitos humanos. Ao aderir voluntariamente às mesmas o Brasil se obrigou a respeitar as decisões internacionais que garantam os direitos humanos violados em seu território por autoridades brasileiras.

É claro que a UNHRC não tem como forçar o Brasil a se submeter à sua decisão. A coação internacional não é semelhante à coação estatal. O Estado pode usar a força policial contra o cidadão para impor o cumprimento da sentença penal condenatória. A mesma prerrogativa não é atribuída ao UNHRC, pois ele não dispõe de meios de violência para obrigar o Estado a respeitar os direitos humanos que foram violados no seu território.

Todavia, consequencias diplomáticas e econômicas de um país não acatar a decisão da UNHRC no podem ser devastadoras. Caso decida se rebelar contra a decisão da UNHRC que declarar que Lula deve ter um julgamento justo por outro juiz que não aquele que o persegue de maneira sistemática e até parcial, o Brasil se tornará um pária entre as nações civilizadas. E certamente sofrerá em razão disto.

Uma coisa deve ficar bem clara. A UNHRC não é competente para julgar Lula pelos fatos que lhe foram imputados pelo MPF. A competência da UNHRC se limita a matéria veiculada na denúncia de Lula, qual seja, a violação consumada ou iminente dos direitos humanos garantidos à ele pelas convenções internacionais.

Não sou especialista no assunto, mas me parece evidente que a procedência da demanda de Lula na UNHRC pode produzir efeitos jurídicos dentro do Brasil. Um deles seria, em tese, a anulação da condenação eventualmente imposta ao ex-presidente por um juiz considerado parcial que deveria ter sido excluído do processo por decisão da UNHRC. A legislação brasileira garante ao réu julgamento por juiz imparcial e a declaração internacional válida de parcialidade do juiz que proferiu a sentença condenatória não poderia ser ignorada por qualquer Tribunal brasileiro.

Uma vez estabelecida a competência de Sérgio Moro para julgar Lula só há duas maneiras dele não proferir a sentença. A primeira é ele se declarar impedido ou suspeito nos autos. A segunda é ele ser afastado do caso pelo Tribunal em razão do impedimento ou suspeição.

O que fazer neste caso específico em que a decisão internacional poderá acarretar consequencias diplomáticas para o Brasil e efeitos jurídicos no processo penal movido contra Lula?

No processo civil a suspensão do processo por causa de uma prejudicial externa é algo corriqueiro. Há previsão expressa regulando a hipótese (art. 313, V, letra “a”, do novo CPC). O mesmo não ocorre no processo penal, pois o Juiz não pode deixar de dar andamento no processo de maneira a beneficiar o réu com a prescrição. Todavia, a situação do caso Lula é excepcional. Afinal, uma decisão internacional poderá interferir na validade do processo criminal contra ele promovido na Justiça brasileira.

O Código de Processo Penal incumbe o juiz de provar à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos (art. 251). O art. 1º, §1º, do CPP prescreve que os tratados, convenções e regras de direito internacional incidem de forma extraordinária sobre o processo penal. A solução para o impasse criado pelo conflito potencial entre a decisão da UNHRC e o comando e julgamento do processo de Lula no Brasil, portanto, tem solução.

Atendendo um requerimento dos advogados de Lula, Sérgio Moro pode suspender o processo até que o UNHRC profira sua decisão considerando-o ou não imparcial para julgar o ex-presidente brasileiro. Se ele não acolher este requerimento, o mesmo poderia ser renovado nas instâncias superiores até ser decidido finalmente pelo STF.

A excepcionalidade da Lava Jato já foi declarada num Acórdão em detrimento dos réus. Agora a excepcionalidade do caso pode e deve ser invocado pelo cidadão do mundo Lula em seu próprio benefício e contra o Estado brasileiro. 

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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