Capa da publicação Agrotóxicos: lacuna da legislação de registro na comparação ecotoxicológica
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A lacuna da legislação em relação a comparação ecotoxicológica de formulações mais tóxicas para registro de agrotóxicos

Resumo:


  • A legislação brasileira de agrotóxicos exige registro federal para produção, importação e uso desses produtos, regulamentado pela Lei nº 7.802/89 e Decreto nº 4.074/02.

  • A avaliação do potencial de periculosidade ambiental é feita pelo Ibama, classificando os produtos de acordo com critérios estabelecidos na Portaria IBAMA nº 84/96.

  • O objetivo da classificação é priorizar substâncias menos perigosas ao meio ambiente, impedindo o registro de produtos mais tóxicos do que os já existentes no mercado, conforme previsto na legislação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Falta regulamentação quanto à vedação de concessão de registro para produtos agrotóxicos com toxicidade ao meio ambiente maior ou igual a produtos registrados.

 No Brasil, os agrotóxicos, seus componentes e afins, para serem produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, necessitam de registro em órgão federal. Esse procedimento de registro é regido pela Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989 [1], e por seu Decreto regulamentador nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002 [2] e suas alterações.

O referido Decreto estabelece as diretrizes, exigências e competências institucionais, previstas nos seus arts. 5°, 6° e 7, a serem observadas pelos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura, em uma tríade compartilhada, em que as avaliações pertinentes para concessão desse registro são realizadas de forma independente, de modo que todas as três instituições possuem igual influência sobre a concessão ou não do registro, de acordo com o resultado de suas avaliações.

No contexto ambiental, a Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental é realizada pelo Ibama e estabelecida com base na Portaria IBAMA no. 84/96 [3]. Para produtos formulados; que por definição do Decreto nº 4.074/02, tratam-se de agrotóxico ou afim obtido a partir de produto técnico ou de, pré-mistura, por intermédio de processo físico, ou diretamente de matérias-primas por meio de processos físicos, químicos ou biológicos; essa avaliação é um processo baseado na análise dos resultados do dossiê de estudos físico-químicos, ecotoxicológicos e de destino ambiental (bioacumulação, persistência, transporte), submetidos pela empresa requerente de registro.

A partir desses dados, a classificação ambiental do produto é calculada e o produto é classificado quanto ao potencial de periculosidade ambiental, obedecendo uma graduação que varia de Produto Altamente Perigoso (Classe I) a Produto Pouco Perigoso (Classe IV), conforme art. 3° da Portaria IBAMA no. 84/96 [3].

Nessa classificação, cada um dos 5 parâmetros individuais é avaliado e recebe uma classificação. Após essa etapa, é realizado um somatório ponderado para enquadramento na classe ambiental final do produto formulado [4], sendo assim possível a comparação do resultado da Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) entre diferentes produtos.

Esse sistema de classificação, baseado no ranqueamento de substâncias, tem como objetivo priorizar as substâncias que, por se apresentarem mais perigosas ao meio ambiente no que diz respeito a sua toxicidade intrínseca, necessitam de uma análise mais atenta e detalhada [5].

Ainda, essa Portaria supracitada, conforme o disposto em seu parágrafo único, alínea “c”, estabelece que, aos agrotóxicos, seus componentes e afins, será conferida a classificação de "Produto de Periculosidade Impeditiva à Obtenção de Registro" caso a classificação de potencial de periculosidade ambiental e/ou avaliação do risco ambiental indicarem índices não aceitáveis de periculosidade e/ou risco, considerando os usos propostos.

Assim, buscando um olhar cauteloso a produtos que se apresentam mais tóxicos nessa escala, durante esse processo de avaliação ambiental, foi prevista uma comparação dos produtos em pleito de registro a ser realizada com produtos registrados, conforme art. 3°, § 5° da Lei n° 7.802/89 e art. 20 do Decreto nº 4.074/02, com o intuito de se vedar o registro de produto agrotóxico com perfil ecotoxicológico mais grave aos que já existem no mercado.

Cabe ressaltar que, dentre outros aspectos, a partir desse dispositivo legal, foi observado que a legislação de agrotóxicos brasileira é considerada um grande avanço sob o ponto de vista da preservação da saúde pública e do meio ambiente. Essa legislação busca cumprir o que é recomendado por agências internacionais, no que diz respeito a inibir que as empresas registrante desenvolvam formulações que sejam de maior periculosidade, e a incentivar o desenvolvimento de formulações cada vez mais seguras e de menor potencial de periculosidade [6].

Assim, de acordo com o referido art. 3°, § 5° da Lei n° 7.802/89, essa verificação deve ser realizada de acordo com os parâmetros fixados na regulamentação dessa Lei, que se dá por meio do Decreto no 4.074/02. Desse modo, o art. 20 desse Decreto estabelece que o registro de novo produto agrotóxico, seus componentes e afins somente será concedido se a sua ação tóxica sobre o ser humano e o meio ambiente for, comprovadamente, igual ou menor do que a daqueles já registrados para o mesmo fim. Seu parágrafo único estabelece que os critérios de avaliação serão estabelecidos em instruções normativas complementares dos órgãos competentes.

Cabe ressaltar que nesses dispositivos legais supracitados, o termo utilizado é “novo produto agrotóxico”. A definição desse termo encontra-se no art. 1°, alínea “e”, inciso XXVI, em que novo produto é: “produto técnico, pré-mistura ou produto formulado contendo ingrediente ativo ainda não registrado no Brasil”. Assim, na literalidade dessa redação, é considerado um novo produto apenas aqueles a base de ingredientes ativos ainda não registrados no Brasil, não considerando os novos produtos, que são novidades no mercado, mas a base de ingredientes ativos já registrados.

Contudo, pode-se inferir que, diante dessa redação, visto que se trata de uma legislação protetiva, ao prever tal dispositivo legal, a intenção do legislador era a de proteger a saúde humana e o meio ambiente em todos os casos. Incluindo produtos à base de moléculas já registradas no Brasil, por se tratar dos mesmos princípios e objetivos que regem o processo de registro de produtos agrotóxicos como um todo.

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Portanto, é razoável que devam sofrer a mesma vedação que os produtos com ingredientes ativos inéditos no Brasil, os produtos com o mesmo ingrediente ativo, mesma finalidade e maior toxidade que aqueles registrados, ainda que o seu ingrediente ativo já tenha registro no país.

Cabe ressaltar que, com a revogação do Decreto n° 98.816/90 [7], o instituto de renovação de registro foi eliminado da legislação vigente, não havendo como retirar produtos mais tóxicos do mercado. Assim, para maior proteção ambiental, atualmente resta apenas o impedimento que novos produtos não podem se apresentar mais tóxicos do que os já registrados para o mesmo fim. Esse fato corrobora com a interpretação que a comparação com produtos já registrados foi prevista de forma a incluir todos os produtos, independente do ingrediente ativo já ser registrado no Brasil, com o intuito de se eliminar produtos de maior toxicidade e permitir que produtos menos tóxicos sejam aceitos no mercado, uma vez que não é possível a retirada dos de pior perfil.

Sob o ponto de vista da finalidade, que é tratada nesses dispositivos legais, nem o Decreto nem a Lei definem o termo “mesmo fim”. Assim, torna-se subjetivo a escolha desses produtos para a comparação legal prevista. Na lei, o termo finalidade é apenas mencionado na explanação do termo agrotóxico e afim, em que descreve que são produtos cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos. Do mesmo modo, o Decreto regulamentador não define esse termo, ficando obscuro se “mesmo fim” deve ser atrelado a produtos com utilização para as mesmas pragas e culturas, ou se está relacionada ao ingrediente ativo.

Desse modo, é de extrema importância que os órgãos competentes de controle e de regulação estabeleçam os critérios de avaliação dessa comparação em instruções normativas complementares, conforme previsão do parágrafo único do art. 20, do Decreto n° 4.074/02, de modo a deixar esse processo transparente para os interessados, bem como garantir maior proteção ambiental, uma vez que não é razoável conceder registro a esse tipo de produto quando for apresentado um perfil ecotoxicológico mais agravante ao meio ambiente.


REFERÊNCIAS

[1] BRASIL (1989) Lei n° 7.802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF 12 jul. 1989.

[2] BRASIL (2002) Decreto nº 4.074, de 04 de janeiro de 2002. Regulamenta a Lei n° 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Edição n° 5, Seção 1, Brasília, DF 8 jan. 2002.

[3] BRASIL (1996) Portaria Normativa Ibama nº 84, de 15 de outubro de 1996. Estabelecer procedimentos a serem adotados junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, para efeito de registro e avaliação do potencial de periculosidade ambiental - (ppa) de agrotóxicos, seus componentes e afins. Diário Oficial da União, Edição n° 203, Seção 1, Brasília, DF 18 out. 1996.

[4] ZAGATTO, P.A. & BERTOLETTI, E. (2008) Ecotoxicologia Aquática – Princípios e Aplicações. Editora Rima, São Carlos, pp 402-408, 2 ed.

[5] SOLOMON, K.R.; STEPHERSON, G.R. CORRÊA, C.L.; ZAMBRONE, F.A.D. (2010). Praguicidas e o Meio Ambiente. Primeira Edição. ILSL Brazil.

[6] GARCIA, E. G.; BUSSACOS, M.A.; FISCHER, F.M. (2005) Impacto da legislação no registro de agrotóxicos de maior toxicidade no Brasil. Rev. Saúde Pública, São Paulo , v. 39, n. 5, p. 832-839.

[7] BRASIL (1990) Decreto nº 98,816 de 11 de janeiro de 1990. Regulamenta a Lei n° 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Revogado pelo Decreto nº 4.074, de 04 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Edição n° 5, Seção 1, Brasília, DF 12 jan. 1990.

 

 

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Sobre a autora
Clara Wandenkolck Silva Aragão

Analista ambiental do Ibama. Pós-graduada em Direito Ambiental pela Universidade Cândido Mendes. Mestre em Biologia Molecular pela Universidade de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAGÃO, Clara Wandenkolck Silva. A lacuna da legislação em relação a comparação ecotoxicológica de formulações mais tóxicas para registro de agrotóxicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5012, 22 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56586. Acesso em: 22 dez. 2024.

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