Capa da publicação Serial killer no direito brasileiro e o caso Chico Picadinho
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Serial killers: psicopatas homicidas no âmbito da legislação penal brasileira.

Caso concreto: Francisco Costa Rocha, o Chico Picadinho

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14/03/2018 às 15:00
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3. O PSICOPATA CRIMINOSO E SUA PUNIBILIDADE NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

“E aqueles que, de alguma forma, nunca se arrependem? Aqueles que, sempre que tiverem oportunidade, cometerão crimes? Bem, eles foram simplesmente esquecidos. Não há política criminal para eles no Brasil.” Alexandre M. F. M. Aguiar

3.1 A imputabilidade penal e suas exceções

  Julio Fabbrini Mirabete descreve a imputabilidade, em sua obra “Manual de Direito Penal”, nas seguintes palavras:

“De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre arbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada imputação, de onde provém o termo imputabilidade, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável.” (MIRABETE, 2011, p. 196)

Fernando Capez, em “Curso de Direito Penal – parte geral”, conceitua a imputabilidade como sendo:

“É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento.” (CAPEZ, 2008, p.308)

Através desses dois conceitos, pode-se concluir que “há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e agir de acordo com esse entendimento”. (MAURACH, 1962, p. 94).

Nos termos do CP, são quatro os casos de exclusão de imputabilidade:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”

“Art. 28 § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

  Resta claro no artigo 26 do CP a necessidade de que a condição biológica dê causa à retirada completa da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (aspecto biológico + psíquico). Caracteriza-se aí o sistema biopsíquico adotado pelo legislador. Por isso, “é imputável aquele que, embora portador de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, tem capacidade de entender a ilicitude de seu comportamento e de se autodeterminar.” (MIRABETE, 2011, p. 198)

Segundo Rogério Greco, há uma diferença entre o caput do art. 26 e seu parágrafo único, a seguir exposto:

“A diferença básica entre o caput do art. 26 e seu parágrafo único reside no fato de que neste último o agente não era inteiramente incapaz de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Isso quer dizer que o agente pratica um fato típico, ilícito e culpável. Será, portanto, condenado, e não absolvido, como acontece com aqueles que se amoldam ao caput do art. 26. Contudo, o juízo de censura que recairá sobre a conduta do agente deverá ser menor em virtude de sua perturbação da saúde mental ou de seu desenvolvimento mental incompleto ou retardado, razão pela qual a lei determina ao julgador que reduza a sua pena entre um a dois terços.” (GRECO, 2008, p. 115)

  O artigo 26 do CP, p. único, torna hábil a diminuição da responsabilidade, trazendo a possibilidade de um indivíduo ser classificado como “semi-imputável”.

“Assim, entre a imputabilidade e a inimputabilidade existe um estado intermédio com reflexos na culpabilidade e, por consequência, na responsabilidade do agente. Situam-se nessa faixa os denominados demi-fous ou demi-responsables, compreendendo os casos benignos ou fugidios de certas doenças mentais, as formas menos graves de debilidade mental, os estados incipientes, estacionários ou residuais de certas psicoses, os estados interparoxísticos dos epilépticos e histéricos, certos intervalos lúcidos ou períodos de remissão, certos estados psíquicos decorrentes de especiais estados fisiológicos (gravidez, puerpério, climatério, etc.) e as chamadas personalidades psicopáticas.” (HUNGRIA, 1977, p. 340)

Cezar Roberto Bitencourt expõe, acerca do tema:

“Essas condições biológicas (semi-imputabilidade e inimputabilidade) podem fazer o agente perder totalmente a capacidade de entendimento ou de autodeterminação, ou, simplesmente, diminuir essa capacidade. Pode ter íntegra uma e diminuída a outra, mas como precisa, para ser imputável, das duas capacidades, de entendimento e de autodeterminação, a ausência de uma basta para a inimputabilidade. Se houver prejuízo de uma delas, total  -é inimputável; se houver prejuízo de uma delas, parcial - é semi-imputável, isto é, tem culpabilidade diminuída.” (BITENCOURT, 2009, p. 386)

  Elder Lisboa Ferreira da Costa, em sua obra “Curso de Direito Criminal”, aduz a existência de reflexos de responsabilidade alterados, no caso do “semi-imputável”, devendo então “haver a redução da pena de um a dois terços em virtude de que, ao tempo da ação ou da omissão, o agente não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato.” (COSTA, 2007, p. 311)

  Os indivíduos portadores da personalidade psicopática se enquadram na classificação “semi-imputáveis”, pois possuem a “perturbação de saúde mental” referida no p. único do art. 26. Neste caso, a pena deve, portanto, ser aplicada, mas diminuída ou substituída pela medida de segurança. Esse tipo de personalidade exige certa cautela ao ser analisada, uma vez que não chegam a ser normais, devido ao caráter antissocial que possuem, mas também não caracterizam a anormalidade referente no artigo 26 do Código Penal, enquadrando-se dessa maneira como semi-imputáveis.

3.2 As sanções vigentes no sistema penal brasileiro

  Sanção penal é gênero, e comporta duas espécies: A pena, que deve ser aplicada às pessoas imputáveis ou semi-imputáveis, e a medida de segurança, aplicada aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis. O fundamento da pena, com a reforma penal de 1984, passou a ser a culpabilidade, enquanto o da medida de segurança encontra justificativa na periculosidade do infrator. A periculosidade é presumida nos casos de indivíduos inimputáveis, mas “na semi-imputabilidade, (a periculosidade) precisa ser constatada pelo juiz. Mesmo o laudo apontando a falta de higidez mental, deverá ainda ser investigado, no caso concreto, se é caso de pena ou de medida de segurança.” (CAPEZ, 2008, p. 440)

Jorge de Figueiredo Dias, em “Temas básicos da doutrina penal. Sobre os fundamentos da doutrina penal” assevera existirem dois polos diferentes:

“A razão dogmática pela qual o sistema das sanções jurídico-criminal continua em regra a assentar dois polos, o das penas e os da medida de segurança, reside em que, enquanto as primeiras têm a culpa por pressuposto e por limite irrenunciáveis, as segundas têm na base a perigosidade (individual) do delinquente. Logo neste sentido um tal sistema será, pois, com alguma razão, cognominado de dualista, diversamente do que sucedeu nas ordens jurídicas do passado, em que a pena era conhecida como instrumento sancionatório.” (DIAS, 2001, p. 115)

Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos. (SOLER, 1970, p.342) Sua finalidade é reeducar, ressocializar o indivíduo. Por isso, com base no princípio da humanidade, a CF/88 assegura que nenhuma prisão ou pena ofenda a dignidade da pessoa humana, vetando as penas perpétuas e cruéis. Luigi Ferrajoli assim se manifesta sobre a aplicação da pena:

“Acima de qualquer argumento unitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação a qualidade e quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames, e por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas.” (FERRAJOLI, 2006, p. 318)

Manoel Pedro Pimentel, em sua obra “O crime e a pena na atualidade”, conclui:

“Apesar de ter contribuído decisivamente para eliminar as penas aflitivas, os castigos corporais, as mutilações, etc., não tem a pena de prisão correspondido às esperanças de cumprimento com as finalidades de recuperação do delinquente. É praticamente impossível a ressocialização do homem que se encontra preso, quando vive em uma comunidade cujos valores são totalmente distintos daqueles a que, em liberdade, deves obedecer.” (PIMENTEL, 1983, p. 185-186)

  Sendo classificada como um mal necessário, “a pena tem por finalidade a proteção da ordem e segurança da sociedade. Porém, a intervenção do Estado, através da sanção, só deve ocorrer em momento derradeiro. Vale dizer, a pena é a última medida que deve ser tomada pelo julgador” (COSTA, 2007, p. 341).

  Conforme já dito anteriormente, aos inimputáveis aplica-se a medida de segurança, “sanção penal imposta pelo Estado, na execução de uma sentença, cuja finalidade é exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal que tenha demonstrado periculosidade volte a delinquir.” (CAPEZ, 2008, p. 439) “Existem dois tipos de medida de segurança: Detentiva (É aquela em que consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico) e Restritiva (É aquela executada em forma de tratamento ambulatorial).” (COSTA, 2007, p. 402)

 “Art. 96. As medidas de segurança são:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II - sujeição a tratamento ambulatorial.

Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta” (Grifo nosso)

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.”

Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

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  Com relação ao tratamento penal indicado para os indivíduos classificados como semi-imputáveis, o médico-legista Genival Veloso de França, em Medicina Legal, defende a aplicação direta da medida de segurança:

“A pena está totalmente descartada pelo seu caráter inadequado à recuperação e ressocialização do semi-imputável portador de personalidade anormal. A substituição do sistema do duplo binário – aplicação sucessiva da pena e da medida de segurança por tempo indeterminado – pelo regime de internação para tratamento especializado é o que melhor se dispõe até agora no sistema penal dito moderno. Este é um dos aspectos mais cruciais da Psiquiatria Médico-Legal, não somente no que toca ao diagnóstico e à atribuição da responsabilidade, como também quanto às perspectivas de reabilitação médica e social, já que a incidência criminal entre esses tipos é por demais elevada. As medidas punitivas, corretivas e educadoras, malgrado todo esforço, mostram-se ineficientes e contraproducentes, fundamentalmente levando em consideração a evidente falência das instituições especializadas. É preciso rever toda essa metodologia opressiva, injusta e deformadora. (FRANÇA, 1998, p. 359).

  É impossível a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança. “Aos imputáveis, pena; aos inimputáveis, medida de segurança; aos semi-imputáveis, uma ou outra, conforme recomendação do perito.” (CAPEZ, 2008, p. 440).

3.3 Sistema vicariante 

“Se existe na época atual uma tendência e uma orientação prevalente, é a da unidade visceral, da unidade orgânica entre pena e medida de segurança.”

Nelson Hungria 

Abandonando o chamado sistema “duplo binário”, a reforma penal de 1984 adotou o sistema vicariante. O sistema duplo binário estabelecia, na sentença do indivíduo semi-imputável, o cumprimento de uma pena, seja restritiva de liberdade ou privativa de direitos, e, cumulativa e sucessivamente, o cumprimento de uma medida de segurança.

  “No regime novo, o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, deve impor ao condenado só pena (reduzida) ou medida de segurança (a sentença é condenatória). Imposta esta, deve ser executada como se o sujeito fosse inimputável.” (JESUS, 2011, p. 592) Por isso, o sistema vicariante é considerado o sistema da substituição. Em complemento ao tema com maestria argumenta Cezar Roberto Bitencourt:

“Consciente da iniqüidade e da disfuncionalidade do chamado sistema ‘duplo binário’, a Reforma Penal de 1984 adotou, em toda a sua extensão, o sistema vicariante, eliminando definitivamente a aplicação dupla de pena e medida de segurança, para os imputáveis e semi-imputaveis. A aplicação conjunta de pena e medida lesa o principio do ne bis in idem.” (BITENCOURT, 2011, p. 781).

“Era a maior violência que o cidadão sofria em seu direito de liberdade, pois, primeiro,cumpria uma pena certa e determinada, depois, cumpria outra ‘pena’, esta indeterminada, que ironicamente denominavam medida de segurança. (op. cit ).”

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Sobre a autora
Ana Helena Rister Andrade

Advogada na área Médica Veterinária. Assistência jurídica consultiva para empresas ou autônomos da área médica veterinária, com ênfase em gestão, direito do trabalho, direito empresarial, direito civil, direito penal, direito do consumidor, direito administrativo e direitos dos animais; Bem como defesa judicial dos interesses das empresas nas áreas citadas acima.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Ana Helena Rister. Serial killers: psicopatas homicidas no âmbito da legislação penal brasileira.: Caso concreto: Francisco Costa Rocha, o Chico Picadinho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5369, 14 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57352. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Projeto apresentado ao Programa de Orientação de Monografias (TCC) do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, como requisito parcial das Atividades de Graduação, sob a supervisão da Coordenação do Curso de Direito, em 2013.

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