Capa da publicação Serial killer no direito brasileiro e o caso Chico Picadinho
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Serial killers: psicopatas homicidas no âmbito da legislação penal brasileira.

Caso concreto: Francisco Costa Rocha, o Chico Picadinho

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14/03/2018 às 15:00
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4. A PRISÃO DE “CHICO PICADINHO” E SUA INCOSTITUCIONALIDADE

“Na Casa de Custódia de Taubaté, Chico Picadinho vive em uma cela individual de 8 metros quadrados, com cama e lavatório. Gasta a maior parte das horas que pode ficar fora da cela pintando quadros em um ateliê da casa. Apresenta bom comportamento, relaciona-se bem com todo mundo e jamais tem surtos psicóticos. Seu maior anseio é, naturalmente, a liberdade.” (VEJA, p. 21, ed. 1670/2000)

4.1 O tempo excessivo de permanência na prisão pelas condenações dos dois crimes de homicídio

  Em 05 de Agosto de 1966, Francisco foi preso pela primeira vez, condenado a 18 anos de reclusão pelo homicídio qualificado de Margareth Suida, e ainda 2 anos e 6 meses por destruição de cadáver. Posteriormente, sua pena foi comutada para 14 anos, 4 meses e 24 dias, mas, oito anos após o crime, foi liberado por comportamento exemplar, em Junho de 1974. “No parecer, para efeito de livramento condicional expedido pelo então Instituto de Biotipologia Criminal, foi excluído o diagnóstico de personalidade psicopática e estabelecido que Francisco tinha ‘personalidade com distúrbio de nível profundamente neurótico’”. (CASOY, 2009, p. 95)

  Dez anos depois, em 26 de Outubro de 1976, Francisco foi condenado a 22 anos e seis meses de prisão, em um veredicto não unânime: quatro jurados votaram sim e três votaram não.

“Foi apresentado também um laudo de sanidade mental de Francisco Costa Rocha, realizado pelos renomados psiquiatras doutor Wagner Farid Gattaz e doutor Antonio José Eça. Eles o consideraram semi-imputável e deixaram expresso que se tratava de ‘portador de persobalidade psicopática de tipo complexo (ostentativo, abúlico, sem sentimento e lábil de humor), que, em função direta dela, delinquiu’. Apresentava ‘prognóstico bastante desfavorável, congênita que é a personalidade psicopática. Esta manifesta-se cedo na vida, e não é suscetível a nenhuma espécie de influência pela terapêutica, conferindo, no presente caso, alto índice de periculosidade latente.’.

Em 1994, foi emitido outro laudo pelo Centro de Observação Criminológica, agora para avaliar a sua progressão para regime semi-aberto. O diagnóstico foi ‘personalidade psicopática perversa e amoral, desajustada do convívio social e com elevado potencial criminógeno’. Indicaram que Francisco deveria ser encaminhado para a Casa de Custódia e Tratamento, a fim de ser mais bem observado e acompanhado de forma mais satisfatória.’ Seu pedido de progressão penal foi negado.

Em 1996, novamente foram negados os pedidos de progressão de pena feitos pela defesa e de sua conversão em medida de segurança, pela promotoria. Sua permanência na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté foi autorizada, para acompanhamento psiquiátrico e relatório médico a cada seis meses.” (CASOY, 2009, p. 100-101)

  Ocorre que Francisco deveria ter sido libertado há quinze anos, em Abril de 1998. Neste ano, porém, a Promotoria de Taubaté-SP interpôs, com base no Decreto n. 24.559, de 03 de Julho de 1934, uma ação de interdição de direitos utilizada para pessoas com problemas penais, pela 2ª Vara Cível, e obteve liminar. “Francisco continua preso na Casa de Custódia de Taubaté, onde já cumpriu sua pena, mas não foi solto por estar ‘despreparado para viver em sociedade’”. (CASOY, 2009, p. 101)

  Hoje, com 70 (setenta) anos, Francisco almeja o perdão da sociedade, que vem sendo negado pela justiça há quinze anos. “Através do tempo surgiu um remorso, um arrependimento. Se bem que de início surge uma revolta contra você mesmo por ter cometido um ato assim tão abominável. Esse ódio vem contra você de tal modo que você fica entre a cruz e a espada. É um tormento. Depois o remorso. Em mim ocorreu a partir do momento que eu me voltei para Deus.” (Francisco Costa Rocha, em entrevista ao Jornal Vale Paraibano, 2000). 

4.2 O decreto de 1934 e a afronta a Constituição Federal

    O Decreto nº. 24.559, de 03 de Julho de 1934, foi decretado em meio a um cenário de modificações impostas pelo governo provisório de Getúlio Vargas, e, por conseguinte, a assistência e a relação entre poder público e doente mental foram alteradas. "Dispõe sobre a profilaxia mental, a assistência e a proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços psiquiátricos (...)". A incapacidade do doente mental foi reafirmada, sendo facilitado o recurso à internação, válido por qualquer motivo que torne incômoda a manutenção do mesmo em sua residência.

A internação tornou-se regra, e o tratamento extra-hospitalar, a exceção, bastando mera suspeita de existência da doença mental para que o indivíduo fosse cerceado em asilos, com a subseqüente supressão de seus direitos civis, e submissão à tutela do Estado. Não havia garantias contra esta medida, embora formalmente existisse um conselho de "proteção" aos psicopatas (extinto em 1944), composto de: juiz de órfãos e de menores, chefe de polícia, diretor geral da Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental, catedráticos de Clínica, Psiquiatria, Neurologia, Medicina Legal e Higiene, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e da Assistência Judiciária, presidente da Liga Brasileira de Higiene Mental, entre outros.

Reafirmou-se a conexão entre a Justiça e a Psiquiatria, com o tratamento sendo associado ao posicionamento legal. O psicopata passou a ser visto segundo os enfoques jurídico e médico, na medida em que sua mera existência era uma questão de ordem pública, em razão do potencial de periculosidade.

"Como ficou definido por Foucault e Castel, o processo que levou à definição de periculosidade social está no plano da ordem pública e não está vinculada à natureza do sofrimento psíquico. Toda pessoa internada torna-se, por definição, perigosa. A medicina mental ratificou em sua definição de doença mental a equação doente mental-perigo social. Sendo assim, a definição jurídica não poderia deixar de reafirmar a sua presença." (AMARANTE ,1998, p. 189).

A duração e o caráter da Medida de Segurança aplicável ao doente mental criminoso relacionavam-se à gravidade do delito, e não à natureza do distúrbio. Apesar de não se tratar de uma punição, mas de uma providência que tinha em vista a reabilitação do doente, para que este retornasse ao meio social, o que acontecia na prática era exatamente o inverso, reduzindo-se de forma extrema a diferença entre a aplicação da Medida de Segurança e as penas efetivamente cumpridas nas prisões.

Neste sentido, os doentes em questão eram apenas cerceados em um manicômio como forma de preservar a sociedade do perigo que representavam, tendo em vista o delito que cometeram, mas não se relevava sua condição enquanto indivíduos portadores de uma patologia. Eram ostensíveis resquícios racistas, xenofóbicos e eugenísticos no decreto supramencionado.

Como refutação a esse arbitrário cenário, na década de 1970 sucederam numerosos manifestos com o fim de reduzir o cerceamento da liberdade individual na forma de manicômios, buscando um novo enfoque no modelo assistencial, sobrevindo um processo de Reforma Psiquiátrica. Posteriormente, em 06 de abril de 2001, a Lei 10.216 foi promulgada no Brasil, a qual "Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental", catorze anos depois de seu projeto original ter sido proposto pelo deputado Paulo Delgado.

Destarte, foi invertida a concepção da lei anterior, que estabeleceu o internamento como princípio basilar. Este passaria a ser feito somente quando os recursos extra-hospitalares não se mostrassem suficientes, tendo duração mínima e, ainda assim, sempre mantendo em vista o posterior retorno do paciente ao seu meio social.

É perceptível a intenção do legislador em proteger o portador de transtorno mental contra as internações arbitrárias, possibilitando a este, sempre que possível a interferência em seu tratamento. As internações ficam divididas em 3 categorias: as voluntárias, nas quais existe o consentimento do paciente; as involuntárias, sem a anuência do paciente e por solicitação de terceiro; e as compulsórias, que são determinadas judicialmente. Estas duas últimas são controladas pelo Ministério Público, que deve ser notificado das mesmas em até 72 horas após sua ocorrência. Este órgão deve exercer o controle por ser ele o responsável, em nosso ordenamento jurídico, pela defesa os interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis, tal como estabelecido no caput do art.127 da Constituição Federal de 1988.

A Lei 10.216 (2001) é, em essência, uma carta de intenções. Nela se incluem os princípios e garantias básicas do doente mental, inclusive o de ter acesso aos melhores recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis, numa rede de serviços diversificada; reconhece a internação psiquiátrica integral como mais um dos recursos terapêuticos válidos, desde que seja de boa qualidade, ressaltando ainda a necessidade de desenvolvimento de políticas específicas de desospitalização.

Em face dessas considerações, é irrefutável a inconstitucionalidade da aplicação do inveterado Decreto de 1934 em tempos atuais, por se tratar de um decreto hostil, ostensivo, censurável e abjeto em toda sua integralidade. Aplicá-lo significaria retroagir no âmbito histórico, jurídico e psicológico. Seus ditames não são compatíveis com a Constituição Federal de 1988, a qual garante aos brasileiros liberdade, igualdade, respeito e dignidade como preceitos fundamentais.

No ano de 2000, o desembargador Álvaro Lazzarini, vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e um dos juízes que negaram um dos pedidos de liberdade apresentado por advogados de Francisco, declarou no artigo “Além da Pena - Chico Picadinho já cumpriu sua condenação, mas a Justiça ainda o mantém na prisão”, que “manter esse homem preso é uma forma de protegê-lo" (VEJA, p. 21, ed. 1670/2000).

Entendemos não é passível de visualização qualquer impressão protecionista na negativa do pleito de liberdade do condenado supracitado, inclusive é manifesta a controvérsia entre a negativa e a finalidade da medida de segurança, qual seja, reeducar, transformar o indivíduo, curar, ajustá-lo à vida em sociedade. Indaga-se, portanto, se é possível que o tratamento de Francisco atinja este fim, quando o que realmente verifica-se é uma pena mantida em caráter perpétuo, sem nenhum vislumbre de socialização.

 4.3 Insegurança jurídica: A omissão do Código Penal

“Vale Paraibano - Tem esperanças de sair em breve?

Francisco Costa Rocha - Lógico. Minha luta é essa. Cumpri minha pena em 07 de junho de 98.

Em 95 vim para cá porque pedi regime semi-aberto. Porque não me deram medida de segurança ao invés reclusão? Não satisfeito o Ministério Público pediu ao Tribunal de Justiça minha internação. Me pegou de surpresa. Ninguém esperava isso. Vem alvará de soltura, assino e não vou em liberdade, permanecendo preso ilegalmente.

Quero mostrar que estou no meu estado normal, que eu sei me nortear. Tenho consciência do que eu cometi e tenho pagado por isto todos estes anos. Saio com confiança em Deus.”

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A antiga Parte Geral do Código Penal (Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940) trazia disposição estabelecendo que as medidas de segurança seriam executadas por tempo indeterminado enquanto não cessasse a periculosidade do agente. Estabelecia:

“Art. 81. Não se revoga a medida de segurança pessoal, enquanto não se verifica, mediante exame do indivíduo, que este deixou de ser perigoso.”

A Nova Parte Geral do CP (lei 7.209/84) e a Lei de Execução Penal (lei 7.210/84) mantiveram a regra das medidas de segurança por tempo indeterminado enquanto não cessar a periculosidade. Dispõe:

“Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.”

O dispositivo supramencionado fere a Carta Magna desse país, pois nenhuma pena admite caráter perpétuo, de acordo com o artigo 5º, XLVII e 75 do CP:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

b) de caráter perpétuo” 

“Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.

§ 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.

§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.”

Ademais, além do fato de a questão ferir direitos fundamentais do doente mental infrator, posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os princípios da isonomia e proporcionalidade da pena também são afetados em extremo com a não fixação de um prazo determinado para medida de segurança.

“MEDIDA. SEGURANÇA. LIMITE. DURAÇÃO.

Trata a quaestio juris sobre a duração máxima da medida de segurança, a fim de fixar restrição à intervenção estatal em relação ao inimputável na esfera penal. A Turma entendeu que fere o princípio da isonomia o fato de a lei fixar o período máximo de cumprimento da pena para o inimputável (art. 97, § 1º, do CP), pela prática de um crime, determinando que este cumpra medida de segurança por prazo indeterminado, condicionando seu término à cessação de periculosidade. Em razão da incerteza da duração máxima de medida de segurança, está-se tratando de forma mais gravosa o infrator inimputável quando comparado ao imputável, para o qual a lei limita o poder de atuação do Estado. Assim, o tempo de duração máximo da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo de pena cominada abstratamente ao delito praticado, em respeito aos princípios da isonomia e da proporcionalidade. (HC 125.342-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/11/2009).” (Grifo nosso)

Em face desta omissão, diversas correntes surgiram. O Superior Tribunal de Justiça entende pelo tempo de duração da medida de segurança equivalente à duração do máximo em abstrato previsto para o crime que deu origem à medida de segurança, entendimento este claramente exposto no julgamento supra e nos seguintes:

HABEAS CORPUS. ART. 129, CAPUT, DO CP. EXECUÇÃO PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. LIMITE DE DURAÇÃO. PENA MÁXIMA COMINADA EM ABSTRATO AO DELITO COMETIDO. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE. 1. Prevalece, na Sexta Turma desta Corte, a compreensão de que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, com fundamento nos princípios da isonomia e da proporcionalidade. 2. No caso, portanto, estando o paciente cumprindo medida de segurança (internação) em hospital de custódia e tratamento pela prática do delito do art. 129, caput, do Código Penal, o prazo prescricional regula-se pela pena em abstrato cominada a cada delito isoladamente. 3. Conforme bem ressaltou o Ministério Público Federal em seu parecer à fl. 112, "in casu, o paciente se encontra submetido a medida de segurança há mais de 16 (dezesseis) anos, quando a pena máxima abstratamente cominada ao delito que se lhe atribui é de 2 anos. Vai de encontro ao princípio da razoabilidade manter o paciente privado de sua liberdade por tão extenso período pela prática de delitos de menor potencial ofensivo, máxime quando possui condições de continuar sendo tratado por pessoa de sua família, com recursos médicos-psiquiátricos oferecidos pelo Estado." 4. O delito do art. 129 , caput do Código Penal prevê uma pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano de detenção. Isso significa que a medida de segurança não poderia, portanto, ter duração superior a 4 (quatro) anos, segundo art. 109 , V, do CP . Em outras palavras, tendo o paciente sido internado no Instituto Psiquiátrico Forense em 30/10/1992, não deveria o paciente lá permanecer após 30/10/1996. 5. Ordem concedida a fim de declarar extinta a medida de segurança aplicada em desfavor do paciente, em razão do seu integral cumprimento. (HC 143315 RS 2009/0145895-5, julgado em 23/08/2010)” (Grifo nosso)

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INIMPUTÁVEL.SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. PRETENSÃO MINISTERIAL DE AFASTAR ALIMITAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITE DEDURAÇÃO: PENA MÁXIMA ABSTRATAMENTE COMINADA AO DELITO E PRAZO DE 30 ANOS PREVISTO NO ART. 75 DO CÓDIGO PENAL . RECURSO DESPROVIDO. 1. Nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97 , § 1.º ,do Código Penal , deve ser interpretado em consonância com os princípios da isonomia e da razoabilidade. Assim, o tempo descumprimento da medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado à pena máxima abstratamente cominada ao delito perpetrado ou ao limite de 30 (trinta) anos estabelecido no art. 75 do Código Penal , caso o máximo da pena cominada seja superior a este período. 2. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar a controvérsia,manifestou-se no sentido de que a medida de segurança deve obedecera garantia constitucional que veda as penas de caráter perpétuo, nos termos do art. 5.º , XLVII , alínea b , da Constituição da República,aplicando, por analogia, o limite temporal de 30 (trinta) anos previsto no art. 75 do Código Penal . 3. Recurso especial desprovido. (Resp 964247 DF 2007/0144305-1, julgado em 23/03/2012)” (Grifo nosso)

“HABEAS CORPUS. PENAL. INIMPUTÁVEL. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE CUMPRIMENTO AO MÁXIMO DA PENAABSTRATAMENTE COMINADA. PRECEDENTES. 1. Nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97 , § 1.º ,do Código Penal , deve ser interpretado em consonância com os princípios da isonomia e da proporcionalidade. Assim, o tempo descumprimento da medida de segurança, na modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado, bem como ao máximo de 30 (trinta) anos.2. Na hipótese, o Juízo de primeiro grau proferiu sentença absolutória imprópria, aplicando ao Paciente medida de internação,por prazo indeterminado, observado o prazo mínimo de 03 (três) anos. Contudo, deveria ter sido fixado, como limite da internação, o máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado pelo ora Paciente, previsto no art. 157 , § 2.º , inciso I , do Código Penal. 3.Ordem concedida, para fixar como limite da internação o máximo d apena abstratamente cominada ao delito praticado pelo ora Paciente. (HC 147343 MG 2009/0179307-8, julgado em 25/04/2011)” (Grifo nosso)

  Enquanto que, para o Superior Tribunal de Justiça, com fulcro nos princípios da isonomia e proporcionalidade, o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, o Supremo Tribunal Federal entende que a medida de segurança, sendo espécie do gênero sanção penal, deve sujeitar-se ao período máximo de duração previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos (1ª Turma, HC 107432, j. 24/05/2011; 2ª Turma, HC 97621, j. 02/06/2009).

  Não obstante os posicionamentos supramencionados, a imensa maioria dos doutrinadores atuais aponta a não recepção pela CF/88 da medida de segurança por tempo indeterminado. Luiz Flávio Gomes, na Revista Brasileira de Ciências Criminais/1993, afirma que o direito de um condenado saber a duração da sanção que lhe será imposta é inerente ao próprio princípio da legalidade dos delitos e das penas.

Na obra Curso de direito penal brasileiro – parte geral, de Luiz Régis Prado, é sustentada a inconstitucionalidade do artigo 97, §1º, sob o argumento de que “contraria a proibição das penas perpétuas”.

Paulo de Souza Queiroz ensina:

 “No que tange à indeterminação do prazo máximo das medidas de segurança - herança do positivismo criminológico -, cabe redargüir que, em homenagem aos princípios da igualdade, proporcionalidade, humanidade e não-perpetuação das penas, não se justifica, numa perspectiva garantista, que tais sanções, diferentemente das penas, possam durar indefinidamente, enquanto ‘não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade’ (CP, art. 97, § 1º), razão pela qual jamais deverão exceder o tempo da pena que seria cabível na espécie” (QUEIROZ, 2005, p. 15-16)

  Álvaro Mayrink da Costa, em sua obra “Direito Penal”, com afinco, se pronuncia: “Rebelo-me contra a característica de indeterminação da medida de segurança, sustentando a necessidade de ser fixado um prazo de duração máximo, que não poderia ultrapassar ao máximo da pena cominada ao tipo violado pelo atuar do inimputável”.

  Apontando uma solução diferente sobre o tempo de duração das medidas de segurança se pronuncia, em ótimo artigo, Orlando Faccini Neto:

“O parâmetro adequado em se tratando de medida de segurança há de ser a situação subjetiva do agente, ou seja, o mal psíquico de que padeça e a situação de periculosidade que ostente, não se podendo buscar quantificar o tempo de medida de segurança a ser cumprida com base no delito cometido. (...) O ideal, todavia, parece ser a previsão legal expressa sobre o prazo máximo de duração, desgarrando-o do crime praticado, dado que o escopo aqui não é o retributivo. Evidentemente que estamos longe do ideal e o escólio preconizado é de lege ferenda. Na quadra atual, sob pena de se converter o intérprete em legislador positivo, parece adequado o reconhecimento da inconstitucionalidade da indeterminação do prazo das medidas de segurança, as quais, na falta de parâmetro, estarão limitadas ao período que seria ao do máximo da pena privativa de liberdade concernente ao fato praticado. Ressalte-se que, como assentado, esse não parece ser o sistema ideal. Mas é o possível, na atual conjuntura legislativa brasileira” (FACCINI NETO, 2005, p. 25)

  Desde 1995, tramita no Senado Federal projeto de reforma do Código Penal, que propõe a estipulação de prazo máximo para as medidas de segurança. A alteração parece sensata, uma vez que, ante o exposto, é latente a inconstitucionalidade da medida de segurança, no que se refere ao prazo indeterminado de cumprimento.

Foi visto que a medida de segurança deve ser determinada e sua duração deve ser o máximo da pena (cominada ou aplicada) ou os 30 anos (quando for superior). Após esse período deve ser extinta dita sanção penal. Se o agente ainda necessitar de cuidados médicos, a solução seria interná-lo em estabelecimento particular ou público para o tratamento adequado, permitindo sua saída com a devida adequação. É o que ensina a doutrina abalizada.

Álvaro Mayrink da Costa afirma:

 “Findo o tempo máximo de cumprimento da medida de segurança do inimputável, se ainda permanecesse o quadro mental, seria transferido para unidade pública ou particular, com o apoio da família e a comunidade, para um tratamento mais humanizado, fora da custódia estandartizada e obrigatória de doente mental recluso em manicômio estatal de natureza fechada”. (COSTA, 1998, p. 1945)

   Ante todo o exposto, é irrefutável o direito de Francisco à liberdade, ora rechaçado pela Justiça. O supremo princípio da humanidade não está sendo respeitado, nem, tampouco, seus direitos fundamentais. Por mais grave que tenham sido as condutas realizadas, e por maior que seja o desvalor do resultado, a sua dignidade como pessoa humana deve permanecer íntegra na execução penal. Impõe-se o não-esquecimento de que o réu “é pessoa humana”, não obstante, sua conduta desviante, como bem lembra Luiz Luisi, em sua obra “Os Princípios Constitucionais Penais”.        

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Sobre a autora
Ana Helena Rister Andrade

Advogada na área Médica Veterinária. Assistência jurídica consultiva para empresas ou autônomos da área médica veterinária, com ênfase em gestão, direito do trabalho, direito empresarial, direito civil, direito penal, direito do consumidor, direito administrativo e direitos dos animais; Bem como defesa judicial dos interesses das empresas nas áreas citadas acima.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Ana Helena Rister. Serial killers: psicopatas homicidas no âmbito da legislação penal brasileira.: Caso concreto: Francisco Costa Rocha, o Chico Picadinho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5369, 14 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57352. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Projeto apresentado ao Programa de Orientação de Monografias (TCC) do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, como requisito parcial das Atividades de Graduação, sob a supervisão da Coordenação do Curso de Direito, em 2013.

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