I) Introdução
A Portaria Interministerial SDH/MPS/MPOG/AGU nº 1, de 27 de janeiro de 2014, aprova o instrumento destinado à avaliação do segurado do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, para os fins da aposentadoria da pessoa com deficiência instituída pela Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013.
Compete à perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS aplicar esse instrumento de avalição médica e funcional, que é denominado de Índice de Funcionalidade Brasileiro, aplicado para fins de Classificação e Concessão da Aposentadoria da Pessoa com Deficiência – IF-BrA.
Cuida-se, por conseguinte, de importante marco normativo no âmbito das políticas previdenciárias voltadas para as pessoas com deficiência, mediante o qual se efetiva o direito desses trabalhadores à aposentadoria com critérios diferenciados de tempo de contribuição e de idade.
Ocorre que sentenças proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região – TRF4 têm acolhido tese no sentido de que o ato de publicação da Portaria Interministerial SDH/MPS/MPOG/AGU nº 1/2014 teria sido revogado, razão pela qual o benefício da LC nº 142/2013 careceria da devida regulamentação própria, o que permitiria à perícia judicial ou ao próprio juízo avaliar o grau de deficiência – se leve, moderado ou grave –, para fins da aposentadoria dos segurados com deficiência. Inclusive, as Turmas Recursais da Região Sul veem confirmando parte dessas sentenças, estabelecendo um conjunto de precedentes que questionam a vigência desse ato normativo[1].
Nesse contexto normativo e jurisprudencial, este artigo visa examinar especificamente a adequação técnica e jurídica dos fundamentos que sustentam a suposta revogação da Portaria Interministerial SDH/MPS/MPOG/AGU nº 1/2014, bem como discorrer sobre algumas das principais consequências para as políticas previdenciárias dos trabalhadores com deficiência da não aplicação pelo Poder Judiciário dessa Portaria e do instrumento que ela aprova.
O presente trabalho encontra-se dividido em três partes. Preliminarmente, é necessário promover um breve resgate das normas que versam sobre os direitos da pessoa com deficiência. Desse modo, será possível tratar das peculiaridades do IF-BrA e discorrer acerca dos entendimentos judiciais que negam a sua vigência. Ao final, são lançadas as conclusões acerca do cenário de insegurança jurídica que decorre da não aplicação desse instrumento em face da suposta revogação da Portaria Interministerial SDH/MPS/MPOG/AGU nº 1/2014.
II) Breve contextualização jurídica da aposentadoria das pessoas com deficiência no âmbito do RGPS
Mostra-se necessário, de início, examinar o conjunto normativo que precede à edição da Portaria Interministerial SDH/MPS/MPOG/AGU nº 1/2014, a fim de se compreender os pressupostos jurídicos e normativos que balizaram a regulamentação do direito à aposentadoria da pessoa com deficiência.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas – ONU, assinada em Nova Iorque em 30 de março de 2007, consiste em um tratado internacional sobre direitos humanos, com o propósito principal de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência. Até novembro de 2016, 172 Países-membros da ONU haviam ratificado essa Convenção e 15 configuravam como signatários, o que realça a importância dessa norma de direitos humanos no plano internacional[2].
No campo dos estudos sobre a deficiência, dentre as diversas contribuições da Convenção da ONU, destaca-se a adoção de uma definição geral de pessoa com deficiência a partir do modelo social, em oposição a outras abordagens conceituais existentes, em especial, ao tradicional modelo médico[3].
No modelo médico, a deficiência é compreendida como uma lesão a ser tratada no corpo da pessoa mediante cuidados biomédicos[4]. Pelo modelo social, a deficiência é resultante da interação entre a limitação funcional da pessoa e o meio no qual ela se encontra inserida, motivo pelo qual o ambiente social é identificado como o fator limitador da situação de deficiência da pessoa, na medida em que são as diversas barreiras existentes que impedem a sua plena inclusão social[5].
O Artigo 1 da Convenção da ONU dispõe que:
Artigo 1
Propósito
(...)
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Cabe lembrar que a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF, aprovada em 2001, já antecipava a necessidade de se considerar as barreiras e as restrição de participação social das pessoas com deficiência. A Organização Mundial de Saúde – OMS, agência especializada em saúde e vinculada à ONU, possui duas classificações de referência para a descrição de condições de saúde: a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, que corresponde à décima revisão da Classificação Internacional de Doenças – CID-10, e a CIF[6]. Essa última representa clara superação do modelo estritamente médico para o modelo social, conforme se verificará mais adiante neste trabalho.
No Brasil, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Facultativo foram incorporados formalmente ao ordenamento jurídico com equivalência de Emenda Constitucional, uma vez que essa norma internacional de direitos humanos foi aprovada pelo Congresso Nacional conforme o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação da Convenção e do seu Protocolo Facultativo junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 1º de agosto de 2008, e que o Congresso Nacional aprovou tais atos por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, o Presidente da República promulgou a Convenção da ONU nos termos Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Logo, a Convenção da ONU se reveste de força, hierarquia e eficácia constitucionais, servindo de parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos[7].
Com a promulgação da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, as suas disposições devem ser observadas na construção das políticas sociais brasileiras, a fim de identificar os destinatários da proteção social e os direitos a serem garantidos de acordo com a legislação interna. Por conseguinte, a conceituação de pessoa com deficiência, assim como as demais disposições dessa norma internacional, são parte integrante formal e materialmente da Constituição.
No que diz respeito às políticas de Previdência Social, o Artigo 28 da Convenção da ONU dispõe que as Partes deverão tomar as medidas necessárias para salvaguardar e promover a realização do direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, assegurando, dentre outros direitos, o igual acesso a programas e benefícios de aposentadoria.
Vale ressaltar que a Convenção da ONU não dispõe expressamente sobre a necessidade de criação de um benefício com critérios de acesso diferenciados. No entanto, entende-se do todo adequado interpretar a palavra “igual” a partir tanto da sua dimensão formal quanto material[8].
Em 2005, a Emenda Constitucional nº 47 alterou o § 1º do art. 201 da Constituição[9] para estabelecer a previsão de aposentadoria com critérios diferenciados quando para os segurados com deficiência, nos termos definidos em lei complementar. Dessa maneira, esse dispositivo constitucional que veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadorias no RGPS passou a comportar duas exceções: (i) para os segurados que exercem suas atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física; e (ii) nos casos dos trabalhadores com deficiência. No âmbito do RGPS, a Constituição também admite distinções nas regras de aposentadoria para os trabalhadores rurais, mulheres e professores.
Diante dessa nova moldura constitucional dos direitos previdenciários das pessoas com deficiência, o Congresso Nacional editou a Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, que regulamenta à aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do RGPS.
O conceito de deficiência trazido pelo art. 2º da LC nº 142/2013, é idêntico ao definido na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, reiterando que a deficiência se encontra na interação da pessoa com o seu ambiente, e não no indivíduo como resultado de um impedimento corporal:
Art. 2º Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Os critérios de acesso à aposentadoria da pessoa com deficiência estão definidos no art. 3º da LC nº 142/2013, consistindo objetivamente em redução do tempo de contribuição e da idade, considerando as regras gerais para aposentadoria por tempo de contribuição e por idade no RGPS:
Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Observe-se que no dispositivo supratranscrito o legislador também se utilizou de critérios de deficiência grave, moderada ou leve para regulamentar a aposentadoria da pessoa com deficiência[10]. Nos termos do parágrafo único do art. 3º e do art. 5º da LC nº 142/2013, trata-se de norma legal que carece de regulamentação própria:
Art. 3º (...):
(...)
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.
(...)
Art. 5º O grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim.
No âmbito da LC nº 142/2013, com relação à contagem de tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência, o art. 6º e seus parágrafos dispõem que: (a) a contagem de tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência deve ser comprovado, exclusivamente, na forma dessa Lei Complementar; (b) a existência de deficiência anterior à data da vigência dessa norma, deve ser certificada, inclusive quanto ao seu grau, por ocasião da primeira avaliação, sendo obrigatória a fixação da data provável do início da deficiência; (c) e a comprovação de tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência em período anterior à entrada em vigor desta Lei Complementar não será admitida por meio de prova exclusivamente testemunhal.
A renda mensal da aposentadoria da pessoa com deficiência observa as mesmas regras das disposições da Lei nº 8.213/1991, consoante o art. 8º da LC nº 142/2013. No entanto, cabe destacar que o Fator Previdenciário nas aposentadorias das pessoas com deficiência somente será aplicado se resultar em renda mensal de valor mais elevado, de acordo com o inciso I do art. 9º da LC nº 142/2013. Ademais, o inciso II desse mesmo dispositivo resguarda a contagem recíproca do tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência relativo à filiação ao RGPS, ao regime próprio de previdência do servidor público ou a regime de previdência militar, devendo os regimes compensar-se financeiramente.
Note-se que as regras de acesso e de cálculo do benefício instituído pela LC nº 142/2013 são diferenciadas com relação às regras gerais dos benefícios do RGPS, a fim de efetivar o direito à aposentadoria dos trabalhadores com deficiência de forma adequada.
O art. 11 da LC nº 142/2013 estipulou período de vacatio legis de seis meses da data de sua publicação. Nesse prazo, coube ao Poder Executivo criar um instrumento capaz de captar o conceito de deficiência, algo até então inédito no ordenamento Pátrio. Para tanto foi necessário desenvolver um instrumento de avaliação que captasse não apenas, isoladamente, o impedimento do indivíduo, mas também relacioná-lo às barreiras sociais por ele enfrentadas, de modo a identificar desigualdades na participação social efetiva. Dessa forma, criou-se um procedimento pericial composto por uma avaliação médica e por uma avaliação funcional.
O Decreto nº 8.145, de 3 de dezembro de 2013, alterou o Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, para dispor sore a aposentadoria por tempo de contribui e por idade da pessoa com deficiência.
Dentre outras disposições, o § 4º do art. 70-D passou a dispor que ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União definirá impedimento de longo prazo para os efeitos da LC nº 142/2013. Outrossim, nos termos do art. 3º do Decreto 8.145/2013, estipulou-se o prazo de 45 dias a edição do mencionado ato conjunto.
O resultado foi o instrumento denominado Índice de Funcionalidade Brasileiro aplicado à Aposentadoria da Pessoa com Deficiência – IF-BrA, aprovado pela Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU Nº 1, de 27 de janeiro de 2014. Ademais, nos termos do art. 3º dessa Portaria, considera-se impedimento de longo prazo, para efeitos previdenciários, aquele que produza efeitos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, pelo prazo mínimo de 2 anos, contados de forma ininterrupta.
III) Da Portaria Interministerial SDH/MPS/MPOG/AGU nº 1/2014, e das dúvidas acerca da sua vigência
III.A) Do Índice de funcionalidade Brasileiro Aplicado para fins de classificação e concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência
O instrumento pericial aprovado pela Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU Nº 1, de 27 de janeiro de 2014 é inédito no Brasil e encontra poucas experiências internacionais semelhantes, haja vista que grande parte dos países utiliza os denominados “BAREMAS”, ou seja, quadros de graduação estabelecidos para avaliar o comprometimento das funções do corpo do indivíduo. Entretanto, experiências interessantes estão sendo construídas, a exemplo do Model Disability Survey – MDS[11], projeto da OMS e do Banco Mundial iniciado no final de 2011 com o intuito de preencher este hiato e desenvolver um instrumento padronizado para coleta de dados sobre deficiência que tenha base no modelo de deficiência e funcionalidade proposto na CIF e que torne possível o monitoramento da Convenção em toda sua complexidade[12].
Assim, o desenvolvimento de um instrumento capaz de captar não só o conceito de deficiência trazido pela Convenção, como também permitir a gradação da deficiência em leve, moderada ou grave exigiu a busca de uma solução até então não existente no ordenamento pátrio, motivo pelo qual utilizou-se, como ponto de partida, o Índice de Funcionalidade Brasileiro – IF-Br, instrumento científico elaborado pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade – IETS, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH, o qual define a funcionalidade como eixo central, abrangendo todos os tipos de deficiência, com a identificação de possíveis barreiras externas, e aponta para a relevância dos fatores externos nas condições de vida das pessoas com deficiência, advindas dos ambientes físico, social e das atitudes, tendo como estrutura a CIF.
Isto porque, a CID mostrou-se insuficiente para a aferição da deficiência, sendo necessário considerar aspectos físicos, psíquicos e sociais para que a conclusão seja mais justa e confiável. Assim, a CIF, que faz parte da “família” de classificações desenvolvida pela OMS, é o amparo científico mais sólido para a construção de um instrumento para avaliação da deficiência. Neste aspecto, as Professoras Cassia Maria Buchalla e Norma Farias esclarecem que:
O propósito de “A Família de Classificações Internacionais” da OMS (WHO Family of International Classifications - WHO-FIC) consiste em promover a seleção apropriada de classificações em vários campos da saúde em todo o mundo. Estas facilitam o levantamento, consolidação, análise e interpretação de dados; a formação de bases de dados nacionais consistentes, e permitem a comparação de informações sobre populações ao longo do tempo entre regiões e países.[13]
O IF-Br é composto por atividades que estão divididas em sete domínios, correspondentes àqueles que constam na CIF, quais sejam: i) sensorial; ii) comunicação; iii) mobilidade; iv) cuidados pessoais; v) vida doméstica; vi) educação, trabalho e vida econômica; vii) socialização e vida comunitária. Cada domínio tem um número variável de atividades, que totalizam 41. Por exemplo, no domínio sensorial, encontram-se as atividades de observar e de ouvir; e, no domínio comunicação, têm-se as atividades de comunicar-se/recepção de mensagens e comunicar-se/produção de mensagens.
Cada uma dessas 41 atividades do instrumento é avaliada por uma escala de pontuação que considera a dependência dos sujeitos avaliados em relação a outras pessoas ou a produtos e tecnologias, sempre em comparação às demais pessoas no contexto em que o sujeito está inserido.
Essa medida de dependência é inspirada na Medida de Independência Funcional – MIF, instrumento que tem por objetivo avaliar a incapacidade de indivíduos com restrições funcionais de origem variada. Este instrumento busca avaliar de forma quantitativa a carga de cuidados demandada por uma pessoa para a realização de uma série de tarefas motoras e cognitivas de vida diária[14]. Entretanto, diferentemente da MIF, que possui uma pontuação que varia de 1 a 7, o IF-Br estabeleceu 4 escalas de pontuação, quais sejam:
O IF-BrA também se volta à identificação das barreiras externas (fatores ambientais) ao indivíduo, que possivelmente sejam capazes de influenciar nas incapacidades identificadas, restringindo o desempenho das atividades habituais e a participação social, uma vez que a funcionalidade não depende tão-somente dos aspectos diretamente ligados ao corpo. A identificação dos fatores que agem como barreira impedindo a execução de uma atividade ou participação ocorre por meio de um questionário que divide os fatores ambientais em cinco categorias:
Ademais, foi adotado o modelo linguístico Fuzzy na metodologia do IF-BrA, utilizado quando lidamos com questões complexas, que tem subjetividade e imprecisão[15]. A adoção deste modelo tem por finalidade mitigar as dificuldades surgidas quando da transformação de questões qualitativas em padrões quantitativos. Assim, a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU Nº 1, de 27 de janeiro de 2014, traz algumas perguntas emblemáticas e estabelece que:
“havendo resposta afirmativa para a questão emblemática relacionada às situações de maior risco funcional para cada tipo de deficiência, será automaticamente atribuída a todas as atividades que compõe o domínio a menor nota de atividade atribuída dentro do domínio sensível pelo avaliador, corrigindo, assim, a nota final”[16].
Considerando os aspectos multidisciplinares que envolvem a deficiência, ultrapassando o saber puramente médico e transpondo para diversos ramos da saúde e das ciências sociais, a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU Nº 1, de 27 de janeiro de 2014, definiu que o mesmo instrumento deve ser aplicado por dois profissionais distintos no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social, quais sejam, o médico perito e o assistente social. Logicamente, os dados de diagnóstico médico são de preenchimento exclusivo da medica pericial, tendo em vista as atribuições específicas desta profissão.
Ressalta-se, portanto, que, para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, compete à perícia própria do INSS avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o respectivo grau, assim como identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau, por meio da aplicação do IF-BrA.
Assim, a pontuação total é soma da pontuação dos domínios que, por sua vez, é a soma da pontuação das atividades. A pontuação final será a soma das pontuações de cada domínio aplicada pela medicina pericial e serviço social. Considerando tais regras, bem como o acima exposto, é possível chegar a chegar à conclusão que a pontuação mínima possível é 2050 (hipótese em que o avaliado obtenha pontuação mínima de 25 em todas as 41 atividades na avaliação do médico perito e do assistente social) e a pontuação máxima é de 8200 (hipótese em que o avaliado obtenha pontuação máxima de 100 em todas as 41 atividades na avaliação do médico perito e do assistente social).
Observa-se, então, que a avaliação do IF-BrA poderá atribuir ao segurado uma pontuação que varia de 2050 a 8200, sendo que, para atender ao disposto na LC nº. 142, de 2013, neste intervalo devem estar contidas as gradações de deficiência em leve, moderada e grave. Para que o estabelecimento de tais pontuações de corte pudesse ocorrer com um mínimo de segurança, foram realizados pré-testes no intuito de viabilizar tal gradação.
Assim, a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 1, de 27 de janeiro de 2014, estabeleceu que, neste intervalo de 2050 a 8200 pontos, os avaliados teriam sua deficiência considerada leve, moderada ou grave de acordo com os seguintes parâmetros:
Este instrumento foi objeto de amplo debate no Grupo de Trabalho instituído pela Portaria Interministerial MPS/SDH nº 334, de 18/7/2013, composto por representantes do MPS, da SDH, do INSS, de representantes de pessoas com deficiência intelectual, deficiência auditiva, deficiência física, deficiência visual, representantes de trabalhadores e representantes da área jurídica, chegando-se então ao disposto na Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 1/2014.
Entretanto, o instrumento denominado IF-Br, elaborado pelo IETS, o qual foi adaptado para a aplicação à aposentadoria da pessoa com deficiência, não havia passado ainda pela fase de validação científica, sendo tal etapa imprescindível para obter as conclusões acuradas sobre a presença (ou grau) de algum atributo, que é a validade da medida, a partir de margens de erro calculadas.
Assim, tornou-se imprescindível a validação do IF-BrA, sendo necessário um corpo técnico-científico robusto, multidisciplinar e com amplo e reconhecido conhecimento sobre deficiência e suas diversas interações, assim como epidemiologia, estatística, serviço social, antropologia, terapia ocupacional, analista de sistemas, dentre outros. Para tanto, foi celebrado, em 21 de novembro de 2013, Termo de Cooperação Técnica com a FUB/UnB, por intermédio do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico – CDT daquela fundação.
A validação foi concluída com êxito, extraindo-se do relatório da UnB que o IF-BrA é válido na forma como definido pela Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 1, de 27 de janeiro de 2014, sendo certo que o direito garantido pela Lei Complementar nº 142, de 2013 está assegurado com grau de certeza muito bom.
III.B) Da vigência da Portaria Interministerial
Por ser o instrumento definido na Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 1/2014 adequado ao fim para o qual se propõe, o mesmo continua em vigor e a ser aplicado da forma como concebido, sendo utilizado pelo INSS para a concessão dos benefícios requeridos com fundamento na LC nº142/2013.
Observa-se, entretanto, a existência de um ruído quanto à vigência da referida Portaria Interministerial em virtude da publicação da Portaria SDH nº 30, de 9 de fevereiro de 2015, no Diário Oficial da União de 10 de fevereiro de 2015, tema que merece cautelosa análise do interprete para que se obtenha uma correta conclusão.
Em 9 de fevereiro de 2015, por equívoco, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH-PR republicou tal Portaria Interministerial no Diário Oficial da União, na Seção 1, página 01, com idêntico teor. Tendo em vista que a publicação ocorreu de forma incorreta, em 10 de fevereiro de 2015 a SDH publicou no Diário Oficial da União, Seção 1, página 02, a Portaria nº. 30, tornando sem efeito a REPUBLICAÇÃO da Portaria Interministerial nº. 01, realizada em 09.02.2015:
PORTARIA Nº - 30, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2015
A MINISTRA DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhes confere o art. 87, da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto no art. 3º do Decreto nº 8.145, de 3 de dezembro de 2013, resolve:
TORNAR SEM EFEITO, a publicação da Portaria Interministerial nº 1, de 27 de janeiro de 2014, publicada no Diário Oficial da União de 9 de fevereiro de 2015, seção 1, página 1.
IDELI SALVATT
(Grifamos)
Assim, a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 01, de 27 de janeiro de 2014, publicada no Diário Oficial da União de 30 de janeiro de 2014, continua plenamente em vigor, sendo que a definição de pessoa com deficiência para fins do benefício previsto na LC nº. 142, de 2013, é realizado com base no instrumento definido na Portaria, qual seja, o IF-BrA.
Entretanto, entendimentos judiciais equivocados estão se tornando constantes, como pode ser verificado no trecho abaixo transcrito:
(...)
Todavia, em 09/02/2015, foi editada a Portaria SEDH nº 30/2015, da Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que tornou sem efeito a publicação da Portaria Interministerial PR/MPS/MF/MP/AGU nº 1/2014 (DOU de 09/02/2015).
Desta forma, o artigo 3º da LC 142/2013 continua pendente de regulamentação pelo Poder Executivo para fins de classificação dos graus de deficiência.
(5009587-28.2014.404.7208, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DE SC, Relatora LUÍSA HICKEL GAMBA, julgado em 27/07/2016)
Decisões como essa se replicam em diversos processos, tais como os de número 5007563-18.2014.4.04.7114, 5017148-15.2014.4.04.7205, 5019633-85.2014.4.04.7205, todos em curso perante Juizados Especiais Federais do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Conquanto a leitura atenta dos termos da Portaria nº 30/2015 da SDH seja suficiente para se compreender inequivocamente que não houve a intenção de se revogar a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 1/2014, e sim a simples republicação ocorrida por equívoco em 9 de fevereiro de 2015, é possível acrescentar algumas breves considerações do ponto de vista do próprio direito administrativo.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello[17], a revogação de ato administrativo ocorre quando uma autoridade, no exercício de competência administrativa, conclui que um dado ato ou relação jurídica não atendem ao interesse público e por isso resolve extingui-los a fim de prover de maneira mais satisfatória às conveniências administrativas. Nesse passo, tal doutrinador conceitua a revogação da seguinte forma:
"Revogação é a extinção de um ato administrativo ou de seus efeitos por outro ato administrativo, efetuada por razões de conveniência e oportunidade, respeitando-se os efeitos precedentes."
Além disso, sabe-se que a revogação é um ato administrativo e, por conseguinte, reveste-se dos mesmos elementos, pressupostos e características dos atos administrativos em geral.
Com relação ao sujeito ativo da revogação e seu pressuposto subjetivo, é preciso registrar que a SDH não possui a competência hierárquica ou autorização legal para revogar a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 1/2014, que constitui ato conjunto editado nos termos do § 4º do art. 70-D do RPS, na redação dada pelo Decreto nº 8.145/2013. Ao tempo em que, ressalvada eventual autorização legal, não há fundamento que justifique a revogação de atos administrativos de outras autoridades no exercício de suas funções e competências, é certo que inexiste possibilidade de um único órgão revogar ato conjunto expedido pela vontade de vários órgãos que não possuem relação hierárquica entre si.
Acerca da competência para revogar, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[18], encampando lição de Miguel Reale, destaca que só quem pratica o ato, ou quem tenha poderes, implícitos ou explícitos, para dele conhecer de ofício ou por via de recurso, tem a competência legal para revogá-lo por motivos de oportunidade ou conveniência. Desse modo, considerando que o Decreto nº 8.145/2013, ao alterar o RPS, concede competência a determinado conjunto de órgãos para a edição do ato que deverá pautar a perícia do INSS, por consequência, é de se concluir que somente essas autoridades ministeriais ou autoridade superior hierárquica é que detém a competência para revogar a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 1/2014. Assim, por exemplo, esse ato poderia ser revogado por decreto subscrito pelo Presidente da República ou por outro ato subscrito pelas autoridades elencadas no art. 70-D do RPS ou correspondentes[19].
Ao se analisar o motivo da revogação e seu pressuposto objetivo, não se constata a possibilidade de justificar a revogação da Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 1/2014 por razões de conveniência ou oportunidade em face do interesse público, porquanto sem esse ato administrativo a Administração Pública, em específico na atuação do INSS, carece de instrumento próprio para efetivar o direito à aposentadoria da pessoa com deficiência nos termos da LC nº 142/2013. Em realidade, existiria uma situação de inconveniência e inoportunidade em revogar o ato que institui o instrumento mediante o qual se é capaz de avaliar a deficiência a partir de um critério de funcionalidade, tal como disposto pela Convenção da ONU. Logo, não há pressupostos de direito ou de fato que possam fundamentar o ato de revogação da Portaria Interministerial em exame de forma unilateral pela SDH, na medida em que o resultado é em uma situação administrativa inadequada e prejudicial ao interesse público.