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A teoria da separação dos poderes e as constituições brasileiras

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20/06/2017 às 12:42
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3. A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – texto constitucional vigente –, promulgada no dia 05 de outubro de 1988, trouxe, assim como outras Constituições, o princípio da separação dos poderes de forma expressa, ao dispor, em seu art. 2o, que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o executivo e o judiciário”.

Importante ressaltar, contudo, que o texto de 1988, seguindo a tendência das Constituições anteriores, dispôs de um modelo de “separação de poderes flexível”, de modo que, somada às funções típicas, os poderes legislativo, executivo e judiciário desempenham, também, funções atípicas, isto é, funções típicas dos outros poderes[23].

Assim sendo, verifica-se, sem grandes problemas, na atual estrutura de poderes, o poder executivo legislando e julgando, o poder legislativo julgando e desempenhando atividades administrativas e o poder judiciário legislando e desempenhando atividades administrativas. Em suma, “cada poder termina por exercer, em certa medida, as três funções do Estado”[24].

Sem dúvidas, o modelo atual, sobretudo pela sistemática acima apontada, difere – e muito – do modelo proposto por Montesquieu, extremamente rígido e inflexível. Merece destacar, contudo, que a flexibilidade atribuída à separação de poderes, na Constituição Federal de 1988, demonstra-se saudável e útil para o funcionamento do Estado, diferentemente da “flexibilidade” proposta por alguns textos constitucionais anteriores, como a Constituição de 1937, que colocava, efetivamente, em risco, o equilíbrio entre os poderes e o bom funcionamento do Estado.

Ademais, verifica-se, hoje, um sistema de freios e contrapesos eficiente, capaz de equilibrar os poderes e minimizar os riscos de abuso no exercício do poder. Dentre os vários exemplos desse mecanismo de freios e contrapesos, pode-se destacar: a possibilidade do poder legislativo rejeitar o veto do poder executivo (art. 66, § 4o); a possibilidade do poder judiciário (Supremo Tribunal Federal) declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, “a”); o cabimento de emenda parlamentar (poder legislativo) em projeto de lei de do Presidente da República (art. 63, I e II).[25]

Por fim, vale ainda constar, que a doutrina de direito constitucional mais atual é uníssona em rejeitar o termo “separação de poderes”, ou mesmo, “tripartição de poderes”, porquanto o poder do Estado é sempre uno e indivisível. Conforme sustentam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, “ao que tradicionalmente se denomina ‘separação de poderes’ representa, na realidade, a distribuição de certas funções a diferentes órgãos do Estado, ou seja, ‘a divisão de funções estatais’”[26].

Passando por todas as Constituições, fica clara a importância da teoria de Montesquieu até os dias de hoje, de modo que, decorridos mais de duzentos anos, isto é, mais de dois séculos, suas ideias demonstram-se ainda atuais, modernas e atrativas, compondo de um modo ou de outro, os textos constitucionais mundo afora, inclusive, a atual Constituição brasileira.


Notas

[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 585.

[2] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 382.

[3] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Podivm, 2009, p. 918.

[4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 164.

[5] Ibid., p. 163.

[6] AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Sobre a organização de poderes em Montesquieu: comentários ao Capítulo VI do Livro XI de “O espírito das leis”. Revista dos tribunais, São Paulo, v. 97, n. 868, p. 53-68, fev. 2008.

[7] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes – Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 167.

[8] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 384.

[9] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes – Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 168 e 169.

[10] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 384.

[11] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes – Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 168-169.

[12] AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Sobre a organização de poderes em Montesquieu: comentários ao Capítulo VI do Livro XI de “O espírito das leis”. Revista dos tribunais, São Paulo, v. 97, n. 868, p. 53-68, fev. 2008.

[13] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes – Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 176.

[14] AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Sobre a organização de poderes em Montesquieu: comentários ao Capítulo VI do Livro XI de “O espírito das leis”. Revista dos tribunais, São Paulo, v. 97, n. 868, p. 53-68, fev. 2008.

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[15] SOUZA, Cid Marconi Gurgel de. Separação e conflito de poderes: descumprimento de ordens judiciais. Fortaleza: 2008, p. 15.

[16] Ibid., p. 16.

[17] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes – Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 182.

[18] SOUZA, Cid Marconi Gurgel de. Separação e conflito de poderes: descumprimento de ordens judiciais. Fortaleza: 2008, p. 18.

[19] Art 73. O Presidente da Republica, autoridade suprema do Estado, coordena a actividade dos orgãos representativos, de grau superior, dirige a politica interna e externa, promove ou orienta a politica legislativa de interesse nacional, e superintende a administração do Paiz.

[20] SARLET, Ingo Wolfgang et alii. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 920.

[21] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 294.

[22] SOUZA, Cid Marconi Gurgel de. Separação e conflito de poderes: descumprimento de ordens judiciais. Fortaleza: 2008, p. 22.

[23] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 385.

[24] Ibid., p. 385.

[25] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 587-588.

[26] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 388.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Felipe Aires Coelho. A teoria da separação dos poderes e as constituições brasileiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5102, 20 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58528. Acesso em: 19 abr. 2024.

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