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O posicionamento do STF acerca da quebra de sigilo bancário por CPI estadual

10/07/2017 às 15:00
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A possibilidade de quebra do sigilo bancário por determinação de CPI estadual, sem intervenção do Judiciário, ao contrário do que ocorre em relação às CPIs federais, não é pacífica.

O Supremo Tribunal Federal enfrentou a celeuma da quebra de sigilo bancário por CPI estadual em setembro de 2004, com o julgamento da ACO 730/RJ. Na ocasião, por 6 votos a 5 – o que demonstra a tamanha divergência existente na questão –, prevaleceu o posicionamento de que as CPIs estaduais podem requerer a quebra do sigilo bancário, sem a intervenção do Poder Judiciário. Tal entendimento, porém, não foi suficiente para dirimir o conflito, haja vista, por exemplo, os julgados abaixo transcritos, realizados posteriormente, com posição contrária:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. INDÍCIOS DE SONEGAÇÃO FISCAL. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. DETRIMENTO DO ERÁRIO ESTADUAL. COMPETÊNCIA. I - Demonstrados indícios de irregularidades em detrimento do Erário Estadual, reveste-se de competência a Comissão Parlamentar de Inquérito promovida pela Assembléia Legislativa Estadual para apuração de eventuais ilicitudes no procedimento adotado pelos administradores públicos. II - Para resguardar a integridade das informações, a quebra dos sigilos bancário e fiscal, por não ser direito individual absoluto, pode ser solicitada com intervenção do Judiciário mesmo sem a participação do investigado. III - Recurso Ordinário improvido

(STJ - RMS: 17706 PR 2003/0237271-9, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 09/11/2004, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 17.12.2004 p. 414)

EMENTA - Agravos regimentais - Mandado de Segurança - Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado - Liminar deferida para sustar convocação e suspender parcialmente a investigação - Parte dos agravados detentores de foro privilegiado por prerrogativa de função - Recursos improvidos. Inicialmente importante ressaltar que pertine legitimidade à Assembléia Legislativa para agravar de despacho liminar do relator em mandado de segurança, tendo em vista que, havendo a Alerj constituído, por Resolução, a Comissão Parlamentar de Inquérito, igualmente, tem poderes para, por esta, recorrer de despacho judicial que limitou a atuação desta.Na questão de fundo, em ambos os agravos, estabelecendo, tanto a Constituição da República, como a Carta Política Estadual, foro privilegiado, por prerrogativa de função, em favor dos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, falece competência à Comissão Parlamentar de Inquérito Estadual, em face destes, para convocar e quebrar sigilo telefônico, ou bancário e/ou fiscal, sem que, antes, tenha permissão expressa do Eg. Superior Tribunal de Justiça. Assim sendo, importa em conhecer-se dos agravos regimentais, mas improvê-los, referendando a decisão liminar questionada por seus próprios fundamentos, até o julgamento do mérito do presente mandamus.

(TJ-RJ - MS: 187 RJ 2009.004.00187, Relator: DES. LUIZ LEITE ARAUJO, Data de Julgamento: 06/04/2009, ORGAO ESPECIAL)

 Por sua vez, a ementa da ação cível originária referida, ipsis litteris:

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS DETERMINADA POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. RECUSA DE SEU CUMPRIMENTO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. Potencial conflito federativo (cf. ACO 730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória, pelos estados-membros, de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação de poderes previsto na Constituição federal de 1988. Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo essencial do sistema de checks-and-counterchecks adotado pela Constituição federal de 1988. Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos estados-membros. Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo e da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que seja omissa a Lei Complementar 105/2001, podem essas comissões estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, § 3º, da Constituição. Mandado de segurança conhecido e parcialmente provido.

(STF - ACO: 730 RJ , Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 22/09/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 11-11-2005 PP-00005 EMENT VOL-02213-01 PP-00020)

A citada ação cível originária tratou de mandado de segurança impetrado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro contra ato do Banco Central do Brasil consubstanciado na negativa de quebra de sigilo bancário requerida pela Comissão Parlamentar de Inquérito estadual destinada a investigar denúncias de irregularidades e de corrupção na Loterj e no RioPrevidência.

O Banco Central, ao se negar a fornecer os dados requeridos, alegou que a LC 105/2001, que rege a matéria, não contemplava as Assembleias Legislativas Estaduais, razão pela qual concluiu que elas não têm o poder de determinar a quebra de sigilo bancário.

A referida Lei Complementar 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, realmente, faz menção expressa somente às CPI’s constituídas no âmbito do Poder Legislativo Federal, no tocante à obtenção dos dados sigilosos que possam requerer. Isso contribui consideravelmente para o aumento da discussão em torno da possibilidade de as CPIs estaduais possuírem ou não o mesmo poder. Abaixo o artigo da referida lei que trata do assunto: 

Art. 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas competências constitucionais e legais.

§ 1o As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições  financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.

§ 2o As solicitações de que trata este artigo deverão ser previamente aprovadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito.

O ex-ministro César Peluzo, em seu voto, afirmou tratar-se a questão de um contraste entre uma garantia constitucional que tutela direitos fundamentais e um poder de um Poder (observadas as letras minúscula e maiúscula), e que, nesses casos, a interpretação restritiva há de ser em favor da tutela dos direitos e garantias fundamentais, haja vista as consequências de ordem prática às quais a Corte não pode ficar alheia.

O mesmo posicionamento teve o ex-ministro Carlos Velloso, ao afirmar que a limitação a direito fundamental há de ser expressa, não podendo ser implícita. E a legislação bancária, que é uma lei federal, quando menciona a quebra de sigilo bancário, refere-se expressamente à CPI federal, à CPI da Câmara dos Deputados e à CPI do Senado Federal. 

Ademais, segundo ele, o Estado-membro não pode dispor contra um direito da pessoa humana, sob pena de intervenção federal (art. 34, VII, “b”, CF). Desta feita, nunca se autorizou, em nome da separação dos poderes, que o Estado-membro, legislando ou elaborando a sua Constituição, pudesse fazê-lo em direção contrária aos princípios constitucionais que limitam a ação do poder estadual.

O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, em seu voto, argumentou que, se ao sigilo bancário fosse atribuída uma “fundamentalidade extremada”, qualquer restrição a esse direito haveria de superar obstáculos rigorosos, entre os quais a exigência da legalidade estrita para o estabelecimento de qualquer restrição. Esse, no entanto, não é seu entendimento, diante da constatação de que o sigilo bancário não é protegido de forma absoluta em nosso sistema.

Segundo ele, o Banco Central realizou uma interpretação formalista da questão, e esta só seria válida se a proteção garantida pela ordem constitucional atual ao sigilo dos dados bancários fosse uma proteção de natureza absoluta, de modo que fosse exigida a reserva legal para legitimar a determinação de quebra de sigilo.

Outro argumento utilizado por Velloso para indeferir o mandado de segurança foi o fato de ser negada ao Ministério Público, pelo STF, a faculdade de quebrar diretamente o sigilo bancário de alguém, devendo tal órgão dirigir-se antes a uma autoridade judicial. Para ele, “não custaria nada” uma CPI estadual fazer o mesmo.

Velloso e Peluzo alegaram ainda que, se fosse conferido o poder da quebra de sigilo bancário às CPIs estaduais, não haveria razão para que o mesmo não fosse concedido às CPIs municipais, o que diminuiria ainda mais a proteção a essa garantia individual.

Rebatendo esse argumento, o ministro Marco Aurélio afirmou que os municípios não contam com o Poder Judiciário, razão pela qual as CPIs instauradas pelas Câmaras de Vereadores não poderiam ter esse poder, visto que não podem ser vislumbrados, in casu, os “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” municipais.

Já para Peluzo, a referência à autoridade judiciária no §3º do art. 58 não tem relação alguma com a divisão administrativa do Poder Judiciário, tratando-se, pura e simplesmente, de referência léxica à necessidade de identificação dos poderes atribuídos à Comissão. Ou seja, com esse texto, a Constituição atribuiu às Comissões Parlamentares de Inquérito os mesmos poderes que tem a autoridade judiciária, independentemente de qualquer indagação se a autoridade judiciária seria estadual, municipal ou federal.

Segundo ele, o fato de não haver autoridade judiciária municipal não retira nem diminui o alcance semântico da expressão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, o qual também pode ser aplicado às CPIs municipais, mesmo que não haja autoridade municipal.

Ainda de acordo com César Peluzo, não devia ser aplicado o princípio da simetria absoluta nesse caso, sem avaliar suas consequências práticas. Não devia ser aplicado tudo aquilo que esteja previsto na Constituição, em termos de modelo federal, automática e incondicionalmente, nas outras esferas da federação, tendo em vista estar em jogo a preservação de direitos e garantias individuais. Como uma das funções do STF é garantir essa preservação, o eminente ex-ministro votou pela impossibilidade de as CPIs estaduais procederem à quebra de sigilo bancário sem intervenção judicial, temendo que fosse dada uma intepretação larga da qual se pudesse concluir que esse poder, típico das autoridades do Judiciário, também fosse estendido às CPIs municipais.

Não obstante esse louvável posicionamento, deve prevalecer o entendimento de que uma CPI estadual detém autoridade própria para decretar a quebra do sigilo bancário, ao contrário de uma CPI municipal, tendo em vista a inexistência de Poder Judiciário nesse ente federativo. Caso prevalecesse a tese contrária, o federalismo brasileiro seria um “federalismo manco”, já que aos estados federados seria negada a possibilidade de exercer na sua plenitude uma das funções essenciais do Estado Democrático, que é a fiscalização da Administração.

Contudo, tendo em vista que o sigilo bancário é vinculado a outras garantias constitucionais, especialmente à inviolabilidade da intimidade do cidadão, a atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito deve ser balizada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que representam a pedra de toque do controle jurisdicional dessa atividade fiscalizadora do Poder Legislativo.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem vários julgados que delineiam os limites dos poderes investigatórios das CPIs. Quando se trata de quebra de sigilo bancário, exige-se que a decisão seja fundamentada ou justificada, sendo firmado o entendimento segundo o qual, para o requerimento de quebra do sigilo ser aceito, as comissões de inquérito devem demonstrar a “existência de causa provável”.

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A referida ACO, contudo, não tratou dos requisitos necessários para a quebra do sigilo bancário, e, sim, da noção de equilíbrio federativo e da garantia, aos Estados-membros, de exercício, por um de seus Poderes, de prerrogativas essenciais em nossa atual conformação das instituições públicas.

Nesse contexto, asseverou o ministro Marco Aurélio:

Vejo no art. 3º do art. 58, quanto ao funcionamento do Legislativo, um verdadeiro princípio a encerrar o poder de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito. No caso, o constituinte do Rio de Janeiro repetiu, no art. 109, o §3º do artigo 58, apenas com adaptação relativa ao regimento a ser consultado, que é o da própria Casa Legislativa do Estado.

Senhor Presidente, não há, sem deixar capenga o sistema, como assentar que as CPI’s das Casas Legislativas estaduais possuem um poder menor do que as CPI’s das Casas federais. De duas, uma: ou é possível ter-se Comissão Parlamentar de Inquérito também na unidade federada, ou não. Na primeira hipótese, evidentemente elas hão de gozar do mesmo poder investigatório das comissões das casas federais.

No caso em comento, a discussão girou em torno do choque da literalidade do §3º do art. 58 da Constituição Federal, de aplicação geral temperada pela jurisprudência do STF, com a omissão da LC 105/2001 quanto às CPIs estaduais.

A Constituição de 1988, é bem verdade, não impõe, expressamente, a simetria entre as disciplinas aplicáveis às esferas estadual e federal sobre a delimitação dos poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito. Assim como prescreve que compete exclusivamente à União legislar sobre o sistema financeiro, possibilitando que a mesma, por ato legislativo, restrinja os poderes de CPI estadual em casos de investigação de dados protegidos pelo sigilo bancário.

Entretanto, a matéria há de ser examinada à luz do princípio federativo, ou seja, sob uma perspectiva estrutural e sistemática, tendo como norte o princípio federativo.

Destarte, em nossa estrutura federativa, um dos traços fundamentais da separação de poderes, qual seja a fiscalização da Administração pelo Poder Legislativo, não autoriza eventual pretensão restritiva ao exercício dessa atividade pelos Estados-membros.

O STF, ao examinar alegações de excesso dos constituintes estaduais, sistematicamente procura assegurar a reprodução nas Constituições Estaduais das noções de equilíbrio na separação dos Poderes estaduais, de competências concorrentes ou de impossibilidade de renúncia à autonomia estadual.

Sobre esse excesso, afirmou o ex-ministro Nelson Jobim, em seu voto:

(...) Quem conhece a história política das Assembleias Legislativas, lembrem-se de que o maior cliente nas ações diretas de inconstitucionalidade são os Governadores dos Estados contra decisões de Assembleias Legislativas de maioria oposicionista, as quais acabam produzindo leis inconstitucionais de iniciativa privativa do Presidente. Inclusive tivemos de avançar nisto, porque quando o Tribunal começou a decidir que a iniciativa privativa dos Governadores não poderia ser substituída pela Assembleia Legislativa, elas começaram a fazer emendas à Constituição Estadual. E através de emendas à Constituição Estadual começavam a disciplinar matéria da competência privativa do Governador do Estado. E isso, não admitimos, ou seja, não se pode verificar na Assembleia Legislativa estadual os mesmos poderes que têm o Congresso Nacional.

(...)

Então, com isso, levando circunstâncias conjunturais, e mostrando que a nossa clientela se caracteriza nitidamente, no que diz respeito aos Estados, por excessos praticados pelas Assembleias Legislativas, o que estamos pretendendo aqui tem em vista de que em momento algum essa minoria pretendeu que as Assembleias Legislativas não tivessem poder investigatório, estabeleceu que num tema sensibilíssimo, a quebra de sigilo bancário, exigir-se-ia a participação do Poder Judiciário estadual para verificar previamente a legitimidade e a necessidade, porque sabemos muito bem que os mandados de segurança depois de autorizados, a quebra do sigilo já se deu e quando isto ocorre, sabemos o que acontece. Então, foi uma questão de não banalizar o poder investigatório e a quebra do sigilo.

A extensa relação de julgados em que se constatou o excesso por parte dos Estados não ofusca, por outro lado, os julgados nos quais o Supremo faz ressalvas sobre a disciplina de questões orgânicas.

Tais julgados indicam inegável tendência da Corte à manutenção de esferas necessárias de autonomia dos entes federados. Como exemplo, na ADI 2.452, decidiu-se que um Estado-membro, ao proceder a um projeto de desestatização, poderia estabelecer restrições à participação de empresas estatais de outros Estados-membros, como medida de garantia de autonomia da política estadual de serviços públicos.

Na ADI 1.001, por sua vez, declarou-se a constitucionalidade de norma da Constituição Gaúcha que prevê a possibilidade de requerimento de informações, pelas Câmaras Municipais, a órgãos da administração estadual situados no município. Ainda nesse sentido, a decisão liminar monocrática da ministra Ellen Gracie no MS 23.866, impetrado pela União, para determinar a suspensão da CPI da CODEBA, sociedade de economia mista federal, a partir da plausibilidade da alegação, fundada na incompetência da CPI estadual.

A quebra de sigilo bancário, quando regularmente determinada por Comissões Parlamentares de Inquérito, constitui ferramenta indispensável ao exercício da função de fiscalização pelos órgãos legislativos. Como já dito, a fiscalização exercida pelos órgãos legislativos, aí incluídos os órgãos legislativos estaduais, é um mecanismo essencial dos freios e contrapesos, por meio do qual um ramo do poder controla o outro, assegurando, dessa forma, certo equilíbrio no exercício das funções governamentais, tendo por objetivos derradeiros a liberdade e a satisfação do bem comum, nas palavras do ministro Joaquim Barbosa.

Ainda de acordo com o eminente ministro:

No quadro constitucional e federativo brasileiro, a fiscalização dos órgãos da Administração exercida sem exclusividade pelos órgãos legislativos constitui um pendant necessário, uma decorrência natural de um princípio constitucional sensível, o princípio da obrigatoriedade da prestação de contas da administração pública, direta e indireta (art. 34, VII, “d”, CF), princípio esse cujo descumprimento pode ensejar o mais traumático dos eventos constitucionais suscetíveis de ocorrer em um Estado federal: a intervenção federal no Estado-membro.

Ora, se a Constituição Federal autoriza a União a intervir no Estado-membro em razão de descumprimento do princípio da prestação de contas da Administração, parece-me juridicamente insustentável o ato do Banco Central, uma entidade integrante da estrutura administrativa da União, de recusar à Assembleia Legislativa um instrumento fundamental para o exercício da sua função fiscalizadora, cujo acionamento pode dar-se, entre outras hipóteses, precisamente na de violação, pela Administração, do princípio constitucional da prestação de contas.

Partindo desse ponto, a quebra de sigilo bancário pelas CPIs constitui instrumento inerente ao exercício da função fiscalizadora ínsita aos órgãos legislativos e, como tal, dela também pode fazer uso as CPIs instituídas pelas Assembleias Legislativas, desde que observadas as cautelas necessárias. Essa é a conclusão mais acertada, tendo em vista a inegável semelhança que o art. 58, §3º, da CF, pressupõe entre o Poder Legislativo Federal e os Legislativos estaduais, ressalvadas as diferenças orgânicas.

Caso fosse retirada a possibilidade de as CPIs estaduais se utilizarem desse instrumento, isso só enfraqueceria as já institucionalmente fragilizadas unidades integrantes da nossa Federação.

Dessa forma, a legislação federal não pode limitar os Poderes Legislativos estaduais ou estabelecer-lhes proibições desproporcionais. No tocante à LC 105/2001, o senador Vilson Kleinübing apresentou, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, uma emenda ao projeto da referida lei complementar (PL 219/1995), que continha a expressa exclusão das CPIs estaduais e municipais da sua redação original. Tal acréscimo não teria resultado prático, pois não teria o condão de negar aplicação natural da Constituição Federal sobre os poderes das CPIs.

A possibilidade de as CPIs estaduais determinarem a quebra de sigilo permaneceria, ainda que sem tratamento legal específico, por aplicação direta da Constituição Federal e das normas estaduais, sendo impossível ignorar que as Constituições dos Estados legitimam essa medida.

Esse posicionamento é reforçado pelo fato de a lei complementar de regência da matéria ter viabilizado o fornecimento de dados bancários a órgãos fiscalizadores puramente administrativos, como a COAF do Ministério da Fazenda (art. 2º, §6º, LC 105/2001) e a CVM (art. 2º, §3º, LC 105/2001), e até mesmo a entidades privadas de proteção ao crédito – SERASA – (art. 1º, §3º, II, LC 105/2001), mantendo-se, contudo, omissa quanto às CPIs estaduais.

Tal entendimento do STF foi ratificado em julgamentos posteriores da mesma Corte, tais quais o do RE 584.786/PE, de relatoria da Ministra Carmen Lúcia, e os da ACO 1032 e da ACO 1390, que trataram do sigilo fiscal. Nessa mesma matéria, qual seja, a quebra de sigilo fiscal por uma CPI estadual, o Supremo julgou a ACO 1271, que, contudo, restou prejudicada pelo término dos trabalhos da CPI.

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Sobre o autor
Caio e Silva de Moura

Especialista em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Caio Silva. O posicionamento do STF acerca da quebra de sigilo bancário por CPI estadual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5122, 10 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59032. Acesso em: 21 nov. 2024.

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