4. TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Clássica e a Escola Positiva foram as duas únicas escolas que possuíam posições extremas e filosoficamente bem definidas.
Posteriormente, surgiram outras correntes que procuravam uma conciliação dos postulados das duas predecessoras. Nessas novas escolas intermediárias reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias, mas que evitavam romper completamente com as orientações das escolas anteriores, especialmente os primeiros ecléticos. Enfim, essas novas correntes representaram a evolução dos estudos das ciências penais, mas sempre com uma certa prudência, como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de novas ideias. 44
Nestor Sampaio, na mesma linha de pensamento, explica em seu Manual de Criminologia:
“As Escolas Clássica e Positiva foram as únicas correntes do pensamento criminal que, em sua época, assumiram posições extremadas e bem diferentes filosoficamente. Depois delas apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos. Dentre essas teorias ecléticas ou intermediárias, reuniram-se penalistas orientados por novas ideias, mas sem romper definitivamente com as orientações clássicas ou positivistas.” 45
A primeira dessas correntes ecléticas surgiu com a Terza Scuola italiana, também conhecida como escola crítica, a partir do famoso artigo publicado por Manuel Carnevale, Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia, em 1891. Integrou também essa nova escola, que marcou o início do positivismo crítico, Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e João Impallomeni (Istituzioni di Diritto Penale). 46
A Terza Scuola acolhe o princípio da responsabilidade moral e a consequente distinção entre imputáveis e inimputáveis, mas não aceita que a responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbítrio, substituindo-o pelo determinismo psicológico: o homem é determinado pelo motivo mais forte, sendo imputável quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos. A quem não tiver tal capacidade deverá ser aplicada medida de segurança e não pena. Enfim, para Impallomeni, a imputabilidade resulta da intimidabilidade e, para Alimena, resulta da dirigibilidade dos atos do homem. O crime, para esta escola, é concebido como um fenômeno social e individual, condicionado, porém, pelos fatores apontados por Ferri. O fim da pena é a defesa social, embora sem perder seu caráter aflitivo, e é de natureza absolutamente distinta da medida de segurança. 47
5. ESCOLA MODERNA ALEMÃ
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notável das correntes ecléticas, que ficou conhecida como Escola Moderna Alemã, a qual representou um movimento semelhante ao positivismo crítico da Terza Scuola italiana, de conteúdo igualmente eclético. Esse movimento, também conhecido como escola de política criminal ou escola sociológica alemã, contou ainda com a contribuição decisiva do belga Adolphe Prins e do holandês Von Hammel, que, com Von Liszt, criaram, em 1888, a União Internacional de Direito Penal, que perdurou até a Primeira Guerra Mundial. O trabalho dessa organização foi retomado em 1924, por sua sucessora, a Associação Internacional de Direito Penal, a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade, destinada a promover, por meio de congressos e seminários, estudos científicos sobre temas de interesse das ciências penais. 48
Von Liszt (1851-1919) foi discípulo de grandes mestres, dentre os quais os mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering 49, recebendo grande influência deste último, inclusive quanto à ideia de fim do Direito, que motivou toda a orientação do sistema que Liszt viria a construir. Von Liszt, além de jurista, foi também grande político austríaco, tendo liderado, na sua juventude, o Partido Nacional-Alemão da juventude acadêmica austríaca. Nunca perdeu o interesse pela política, que, na verdade, determinou sua postura jurídico-científica, levando-o a conceber o Direito Penal como política criminal. Catedrático austríaco, posteriormente catedrático alemão, especialmente em Marburg (1882), concluiu sua cátedra na Universidade de Berlim, quando se aposentou em 1916, vindo a falecer em 1919. Autor de inúmeras obras jurídicas, publicou o seu extraordinário Tratado do Direito Penal alemão, em 1881, que teve vinte e duas edições, consagrando-se como o grande dogmático e sistematizador do Direito Penal alemão. Von Liszt encarregou-se, digamos assim, da segunda versão do positivismo jurídico, dividindo a utilização de um método descritivo/classificatório que excluía o filosófico e os juízos de valor, mas se diferenciava ao apresentar ligações à consideração da realidade empírica não jurídica: o positivismo de Von Liszt foi um positivismo jurídico com matizes naturalísticas. 50
Em 1882, Von Liszt ofereceu ao mundo jurídico o seu famoso Programa de Marburgo — A ideia do fim no Direito Penal, verdadeiro marco na reforma do Direito Penal moderno, trazendo profundas mudanças de política criminal, fazendo verdadeira revolução nos conceitos do Direito Penal positivo até então vigentes. Como grande dogmático que se revelou, sistematizou o Direito Penal, dando-lhe uma complexa e completa estrutura, admitindo a fusão com outras disciplinas, como a criminologia e a política criminal. Por isso, é possível afirmar que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt. 51
Inicialmente, Von Liszt não admitia o livre-arbítrio, que substituía pela normalidade que deveria conduzir o indivíduo, e deixou em segundo plano a finalidade retributiva da pena, priorizando a prevenção especial. Von Liszt incluiu na sua ampla concepção de ciências penais a Criminologia e a Penologia (esta expressão criada por ele): a Criminologia, para ele, teria a missão de explicar as causas do delito, enquanto a Penologia estudaria as causas e os efeitos da pena. Embora conhecedor das teorias de Lombroso, Ferri e Garofalo, com os quais não concordava, com seu Programa de Marburgo passou a defender a prevenção especial, ganhando grande repercussão internacional. 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em choque com os seguidores da escola clássica, que tinha seu principal representante na Alemanha, Karl Binding (1841-1920), o mais autêntico seguidor das teorias de Kant e Hegel. 53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenot Bonfim lecionam que, acerca dessa temática, destaca-se a importância das lições formuladas pela Escola moderna alemã, cujo maior expoente fora Franz Von Liszt. Esse movimento, também conhecido como escola de política criminal ou escola sociológica alemã, contou ainda com a contribuição decisiva do belga Adolphe Prins e do holandês Von Hammel, que, com Von Liszt, criaram, em 1888, a União Internacional de Direito Penal. A referida Escola “era deliberadamente eclética e visava ao estudo do ‘direito penal total’, ou seja, à confluência das ciências contributivas que formariam a ‘enciclopédia penal’ (Jimenez de Asúi). O crime era estudado não somente do ponto de vista jurídico, mas antropológico e sociológico”. 54
Enfim, as principais características da moderna escola alemã podem ser sintetizadas nas seguintes:
a) adoção do método lógico-abstrato e indutivo-experimental — o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais ciências criminais. Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das demais ciências criminais, tais como Criminologia, Sociologia, Antropologia etc.;
b) distinção entre imputáveis e inimputáveis — o fundamento dessa distinção, contudo, não é o livre-arbítrio, mas a normalidade de determinação do indivíduo. Para o imputável a resposta penal é a pena, e para o perigoso, a medida de segurança, consagrando o chamado duplo-binário;
c) o crime é concebido como fenômeno humano-social e fato jurídico — embora considere o crime um fato jurídico, não desconhece que, ao mesmo tempo, é um fenômeno humano e social, constituindo uma realidade fenomênica;
d) função finalística da pena — a sanção retributiva dos clássicos é substituída pela pena finalística, devendo ajustar-se à própria natureza do delinquente. Mesmo sem perder o caráter retributivo, prioriza a finalidade preventiva, particularmente a prevenção especial;
e) eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração — representa o início da busca incessante de alternativas às penas privativas de liberdade de curta duração, começando efetivamente a desenvolver uma verdadeira política criminal liberal. 55
6. CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Após o estudo das diferentes correntes do positivismo, é fácil constatar os motivos do seu declínio. O principal deles consiste na visão formalista e causal explicativa do Direito Penal, proporcionada pela pretensão de fundamentar e legitimar o sistema penal a partir do método indutivo. Como vimos, o positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e investigação que eram utilizados nas disciplinas experimentais (física, biologia, antropologia, etc.). 56 Logo se percebeu, no entanto, que essa metodologia era inaplicável em algo tão circunstancial como a norma jurídica. Essa constatação levou os positivistas a concluírem, apressadamente, que a atividade não era científica e, em consequência, proporem que a consideração do delito fosse por uma sociologia ou antropologia do delinquente, chegando, dessa forma, ao nascimento da Criminologia, independentemente da dogmática jurídica. 57
Com efeito, a preocupação com a produção de um conhecimento estritamente científico conduziu os juristas dessa época a uma disputa acerca do autêntico conteúdo da Ciência do Direito Penal. Como vimos nas epígrafes anteriores, houve uma grande polêmica em torno das duas grandes vertentes que abrangem a Ciência Penal: a criminológica e a jurídico-dogmática. A vertente criminológica, voltada para a explicação do delito como fenômeno social, biológico e psicológico, não era capaz de resolver questões estritamente jurídicas, como a diferença entre tentativa e preparação do delito, em que casos a imprudência é punível, os limites das causas de justificação, etc. 58
A vertente jurídico-dogmática, por sua vez, ao considerar que a Ciência do Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e, como missão, a análise e sistematização das leis e normas para a construção jurídica através do método indutivo, não foi capaz de determinar o conteúdo material das normas penais, nem de compreender o fenômeno delitivo como uma realidade social, permanecendo em um insustentável formalismo. Há um claro entendimento, na atualidade, de que a Ciência do Direito Penal abrange tanto a Criminologia como a Dogmática, e que os conhecimentos produzidos por esses ramos se inter-relacionam na configuração da Política Criminal mais adequada para a persecução de crimes. Essa diferenciação permitiu o avanço da construção jurídico-dogmática a partir dos estudos de Von Liszt e Binding, mas sem os equívocos do método positivista. 59
7. INFLUÊNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO CÓDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Código mostra, a cada passo, a decisiva e palpável influência da Escola Positiva. Na Exposição de Motivos está consignado que nele “os postulados clássicos fazem causa comum com os princípios da Escola Positiva”. 60 A política de transação ou conciliação, a que se refere a Exposição de Motivos, permitiu que os traços de inspiração positivista dessem um aspecto novo e sadio à fisionomia geral do Código. Donnedieu de Vabres, em arguta crítica, diz que o Código Penal de 1940 foi guiado por um prudente oportunismo, acessível às sugestões da ciência nova, mas firmemente agarrado, segundo a tradição, ao valor cominatório e intimidativo da pena. 61 O Código Penal foi elaborado por uma comissão de seis membros, dos quais Roberto Lyra era o único positivista; todavia, podemos dizer que se trata de código de feitio eclético, onde se conciliam o positivismo de Lyra e o classicismo politicamente autoritário de Hungria. Os princípios da escola positiva forneceram ao Código Penal brasileiro a tônica individualizadora, o talhe subjetivista, o porte defensista, com os avanços da responsabilidade legal, através, principalmente, da periculosidade, com as flexões do arbítrio judicial sobre os traslados biossociológicos. 62
A influência da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no critério diretivo estabelecido pelo artigo 59, no tocante à consideração da personalidade do criminoso. A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 deixa bem ressaltado que o réu terá de ser apreciado através de todos os fatores, endógeno e exógeno, de sua individualidade moral e da maior ou menor intensidade de sua “mens rea” (aspecto subjetivo da responsabilidade). 63
O Código Penal ressalta a consideração do crime em função do seu autor; assim, a referida legislação adotou, de forma explícita, o exame da personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade. 64
Ressaltamos a inegável influência do positivismo nos dados pertinentes aos motivos determinantes do crime. Para a Escola Positiva, o motivo era a pedra de toque da periculosidade criminal; com efeito, o motivo fútil e o motivo torpe representam significativos sintomas de periculosidade individual, conforme acentua a Exposição de Motivos: “adquire culminante relevo o motivo, o ‘porquê’ do crime, sendo que, na aplicação da pena, os motivos do crime figuram como um dos critérios centrais de orientação”. Outrossim, o motivo de relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22, §2º, do Projeto Ferri. 65
A Escola Positiva começou a desacreditar da chamada pena dosimétrica — pena medida e contada com ridículos requintes de pretensa exatidão matemática, em correspondência quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato —; assim, generalizou-se a tendência de considerar a pessoa do delinquente, em seus aspectos físico, antropológico e moral, para efetiva individualização da pena. Essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 1940. 66
O Código satisfez a exigência da Escola Positiva ao estabelecer a circunstância atenuante do erro de direito escusável (artigo 20 do Código Penal), assim como a atenuante constante na alínea “e”, inciso III, do artigo 65 do Código Penal.
Influência decisiva encontramos na disciplina das circunstâncias do crime: dois critérios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstâncias do delito — o objetivo e o subjetivo. O critério objetivo tem em mira o elemento político do crime, ou seja, o alarma social por ele causado; é o critério preferido pelas legislações inspiradas pela Escola Clássica. Para o critério subjetivo, o singular valor das circunstâncias do delito resulta da periculosidade revelada pelo criminoso; é o critério preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no Projeto Ferri. 67
Não escapou também a disciplina da reincidência ao influxo da escola de Ferri; além de Ferri, sustentavam a perpetuidade da reincidência Garofalo, Carelli, Niceforo, dentre outros. Por este critério, a reincidência prolonga-se no tempo, nada a desfigurando ou esmaecendo. O Código Penal de 1940, seguindo o critério da perpetuidade da reincidência, salienta, na exposição ministerial de motivos, a relevância da sentença condenatória estrangeira para o efeito de reconhecimento da reincidência. 68
As medidas de segurança não foram introduzidas diretamente pela Escola Positiva; foram uma resultante do desenvolvimento das concepções positivistas sobre a prevenção dos delitos. Tais concepções positivistas de defesa social foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940, acolhendo a fórmula das medidas de segurança destinadas a proteger a sociedade contra a periculosidade criminal. É a periculosidade — diretriz fundamental da Escola Positiva —, cujo conceito surge pela primeira vez na “temibilità” de Garofalo, definida por este como “a perversidade constante e ativa do delinquente e a quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo delinquente”. 69
O Código Penal de 1940 constrói seu sistema dentro do dualismo culpabilidade e periculosidade criminal, pena e medida de segurança. Entretanto, como observa Roberto Lyra, “a periculosidade, inclusive presumida, condiciona não só a medida de segurança, como a aplicação da pena, e governa os instrumentos de política criminal”. 70