Capa da publicação Incorporação imobiliária e a diferença de metragem com o anúncio e o memorial descritivo
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A incorporação imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor.

A vinculação da oferta quanto à diferença de metragem entregue em relação ao previsto no memorial descritivo e no material publicitário

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23/11/2017 às 15:20
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4.AS IMPLICAÇÕES DO DESCUMPRIMENTO DA OFERTA QUANTO AO SUPRIMENTO DE METRAGENS NOS IMÓVEIS ADQUIRIDOS “NA PLANTA”

Conforme elucidado no sistema do Código de Defesa do Consumidor, ao contrário do regramento do Código Civil e da Lei de Condomínios e Incorporações, existem algumas diferenças substanciais na lei de consumo, baseadas, sobretudo, na vulnerabilidade do consumidor e na necessidade de maior proteção na relação caracterizada como de consumo.  

Neste passo, a regra do CDC não é a resolução em perdas e danos da obrigação de fazer inadimplida, como ocorreria numa relação de direito privado puramente tutelada pelo Direito Civil.

No âmbito das relações de consumo, desde que as partes se enquadrem no artigo 2º e 3º do CDC, as perdas e danos são utilizadas como meio de solução do conflito somente subsidiariamente, isto é, diante da preferência do credor ou na impossibilidade do cumprimento da obrigação na forma específica, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, quando se verifica o não cumprimento de publicidade anteriormente veiculada de forma suficientemente precisa, o artigo 35 do CDC traz alternativamente uma série de soluções que estarão subordinadas a escolha do consumidor. É cristalino, neste ponto, que não cabe ao fornecedor a escolha do modo de reparação. 

Isto, porquanto, de nada adiantaria a criação desse novo modelo de oferta se o consumidor não tivesse meios de fazer valer o compromisso nela contido.  

Destarte, a fim de tornar eficaz a vinculação do fornecedor à sua oferta, o CDC colocou à disposição do consumidor algumas opções alternativas para quando houver o desrespeito ao CDC, com o consequente descumprimento do material publicitário. É o que estatui o seu art. 35 do supracitado diploma:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Diante do não cumprimento, abre-se no artigo 35 do CDC, assim como no artigo 18 do mesmo diploma legal, opções alternativas em que o consumidor pode escolher de acordo com sua conveniência, sendo a primeira delas o cumprimento forçado da oferta, o que na maioria das vezes, não pode ser executada por impossibilidade física.

Nesta toada, normalmente o incorporador imobiliário faz constar na maquete e no modelo de apartamento decorado tudo planejado a fim de tornar o negócio mais atraente ao consumidor, de modo que tudo se encaixa perfeitamente. Ocorre que terreno propriamente dito e na unidade efetivamente entregue ao consumidor não é desta forma, pois não haveria espaço físico para tanto.

Deste modo, é na inviabilidade física do empreendimento que se encontram uma série de entraves ao cumprimento da publicidade. Como construir uma quadra onde não há espaço suficiente? Quando o consumidor vai descobrir o vício? São problemas que obviamente a alternativa do inciso I do artigo 35 do CDC não seria capaz de solucionar, mas que podem ser evitados se os fornecedores mal intencionados forem punidos nos termos dos artigos 66 a 68 (infrações penais) e as empresas autuadas pela administração pública nas hipóteses 55 a 59 (sanções administrativas) do Código de Defesa do Consumidor.[151]

Então como seria solucionada pela legislação e jurisprudência tal situação tão corriqueira?

Como salientado, o consumidor é quem tem o poder de decisão, baseando-se nas alternativas propostas pela legislação. Ressalta-se que a norma prevista no artigo 34 do CDC, estabelece que a responsabilidade do fornecedor pelos atos de seus representantes autônomos ou prepostos é solidária, sendo certo que, ainda que a oferta tenha sido veiculada de maneira diferente das orientações do incorporador, uma vez que esta se viabiliza por profissionais de sua escolha não poderá negar o descumprindo àquilo que foi veiculado no mercado.[152]

Daniel Orfale Giancomini e Flavia Orsi Leme Borges explanam que:

[...] podemos incluir os interessados na aquisição de unidades autônomas dentre os consumidores alcançados pelo disposto no artigo 29 do CDC, que equipara todas as pessoas expostas a práticas comerciais à figura do consumidor, ainda que potencialmente. Assim, a simples exposição à publicidade ilícita é suficiente para ensejar a aplicação das normas protetivas da legislação consumerista. [153]

Neste passo, o CDC em se artigo 38 dispõe que não cabe ao consumidor provar que a publicidade foi ilícita ou que não houve cumprimento do que estava previamente anunciado no material publicitário. O Código Consumerista determina a inversão do ônus da prova, mencionando que a prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. Logo, é incumbência do incorporador demonstrar que tudo aquilo que afirma existir nas propagandas é correto.[154]

No que concerne às relações de consumo, deve-se sempre ter em mente os conceitos de hipossuficiência e de vulnerabilidade expandidos no CDC. Isto porque, embora o Direito Processual Civil (artigo 333,I do CC[155]) estipule que o ônus da prova cabe aquele que alega, no Direito do Consumidor, tendo em vista a hipossuficiência do consumidor, estatui-se que, presentes os requisitos, o ônus pode ser invertido, pois o fornecedor é quem detém todo o conhecimento técnico e jurídico acerca do produto ou serviço.

Nesse sentido, temos as palavras de Rizzatto Nunes:

[...]hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo de produto ou do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais e controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc.[156]

Neste diapasão, quando o consumidor visita um stand de vendas de um empreendimento imobiliário, além de receber dos corretores as principais informações contratuais no tocante ao preço e à metragem, depara-se com um apartamento modelo decorado que, muitas das vezes, contém uma série de estratégias de marketing a fim de enganar o consumidor, dentre elas a utilização de vários espelhos para que seja passada ao consumidor a ideia de amplitude, assim como a utilização de móveis em tamanho reduzido para aparentar que o imóvel é maior do que de fato será, o que não é explicado ao consumidor, tampouco percebido com tanta facilidade pelo chamado homem médio.[157]

Sobre esse ponto, a 4ª Turma do STJ em decisão proferida pelo ministro Luis Felipe Salomão em 06 de novembro de 2012, no julgamento do Recurso Especial nº.  1.188.442, entendeu que:

O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume nova feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós-contratual. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor.[158]

Especificamente quanto ao problema de metragem, muitas vezes o empreendimento imobiliário no momento da venda, apresenta ao consumidor projetos e plantas contendo as medidas de cada unidade autônoma, e tal informação suficientemente precisa, obrigatoriamente deve constar no memorial descritivo de forma idêntica, para não configurar ato ilícito. Entretanto, ainda que no contrato ou no memorial descritivo conste metragem diversa da ofertada, obriga-se o fornecedor a cumpri-la conforme a promessa na fase pré-contratual.

Embora o apartamento seja vendido como unidade, o cálculo de seu preço é feito em metros quadrados, portanto qualquer diferença constatada caracterizará vício e poderá ser objeto de indenização. A não reparação do consumidor configuraria enriquecimento ilícito do incorporador, o que não é, em nenhuma hipótese, permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Com efeito, no caso de venda ad mensuram, ou seja, quando o preço é estipulado por medida de extensão, se tais dimensões do imóvel vendido não correspondem às constantes da escritura de compra e venda, o comprador tem o direito de exigir a complementação da área, a resolução do contrato ou ainda o abatimento proporcional do preço, conforme alternativas constantes no artigo 18 Lei de Consumo, por ser considerado vício de consumo.

De acordo com a interpretação de Maria Helena Diniz, venda ad mensuram é aquela que:

[...] e determina a área do imóvel vendido, estipulando-se preço por medida de extensão. O adquirente poderá exigir o complemento da área, e, se for possível, reclamar a resolução do negocio ou abatimento no preço, se faltar correspondência entre a área efetivamente encontrada e as dimensões dadas.[159] 

Para melhor compreender sobre a temática, é mister esclarecer a diferença entre área útil e área privativa.

Se a área anunciada na propaganda ou que consta no contrato e memorial de incorporação é considerada área privativa, isto significa que nela estão compreendidas paredes, pilares, etc. A área privativa é a área total privada do imóvel delimitada pela superfície externa das paredes. 

No entanto, se a área anunciada para o imóvel é área útil significa que está descontando as paredes e pilares. Como as paredes e pilares podem representar até 12% da área privativa do imóvel, se o comprador não prestar atenção e se confundir achando que a área anunciada é útil, quando na realidade é privativa, se surpreenderá com a entrega de um imóvel aparentemente menor do que o prometido. 

Outra indagação importante na hora de comprar o imóvel é se a vaga de garagem está incluída como área comum ou área privativa. Tal questionamento se mostra relevante, pois, se a vaga de garagem constar no contrato como área privativa então a área útil do apartamento descontará as paredes, pilares e também a vaga de estacionamento. 

Entretanto, para evitar problemas futuros, todas estas informações precisam estar claras e absolutamente compreensíveis ao homem médio, para que não haja sobreposição do interesse do fornecedor, que é quem detém maior poderio técnico, jurídico e econômico. 

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 No caso da venda ad mensuram, onde a metragem é elemento crucial para a aderência ao negócio, o comprador pauta-se nas exatas medidas do imóvel para fins de prestar seu valor. Desta forma, se as dimensões do imóvel vendido não correspondem às constantes da escritura de compra e venda, o comprador tem o direito de exigir, alternativamente as opções legais que serão melhor elucidadas no item seguinte.

Em sentido contrário, o artigo 500 do Código Civil[160], afasta a incidência de indenização quando a diferença entre a área negociada e a área real for inferior a um vigésimo da mencionada em contrato. Nestas hipóteses presume-se a referência à área como meramente enunciativa, devendo ser tolerada a diferença desde que manifestamente insignificante, ressalvando-se ao comprador o direito a possibilidade de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

Tal dispositivo legal, de acordo com o entendimento de Maria Helena Diniz, assume uma presunção juris tantum (que admite prova em contrário) de menção enunciativa de área:

Se na venda ad mensuram se encontrar uma diferença inferior a um vinte avos, ter-se-á presunção, juris tantum (quando se admite prova em contrário) de que a menção à área foi meramente enunciativa, ou seja, empregada apenas para dar uma indicação aproximativa do todo que se vende; logo, o comprador não poderá ingressar com ingressar em juízo para obter a complementação de área, a resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço, salvo se provar, por todos os meios admitidos em direito, que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.[161]

Neste passo, se a propaganda da unidade de apartamento informar uma determinada metragem do imóvel, a incorporadora vincula-se a esta informação, considerando os ditames da boa-fé e transparência nas relações jurídicas. Não há que se falar, depois de descumprida a oferta que a área discriminada no material abrange itens como hall ou garagem. Isto, porquanto, se o anúncio ou folheto não fizer ressalva quanto à área do imóvel, esta deve ser entendida como a área útil, estando o comprador resguardado de seu direito de cobrar a diferença considerada, da incorporadora que vendeu o imóvel.

Conforme acima explicado, na lógica do Código Civil, se a diferença no tamanho do imóvel for ínfima, o incorporador estaria isento de pagar pela diferença. Na linguagem técnica, a lei permitiria que a venda fosse realizada ad corpus, ou seja, somente considerando a venda e descrição de uma coisa certa, com especificação de limites físicos, mas sem a necessidade de precisão quanto à sua exata medida.

De acordo com o entendimento de Maria Helena Diniz:

Na venda ad corpus o vendedor aliena o imóvel como corpo certo e determinado. P. ex., Rancho Santa Maria; logo, o comprador não poderá exigir o adimplemento de área nem devolução do excesso, pois o adquiriu pelo conjunto e não em atenção a área declarada, que assume caráter meramente enunciativo, mesmo que não haja escritura pública, ao fazer menção à extensão da área , indica que tal referencia foi apenas enunciativa e que a venda foi ad corpus. [162]

Apesar de o Código Civil prever uma margem de tolerância para mais ou para menos, as relações de consumo são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor que tende a beneficiar o comprador, se sobrepondo por ser Lei Especial. A divergência no entendimento sobre a margem de erro permite ao consumidor reclamar e receber indenização em caso de metragem menor que a prometida.

A jurisprudência dominante tem entendido que a quebra de confiança pelo fornecedor que não cumpre o material publicitário é causa de resolução contratual com a consequente devolução dos valores e indenização das perdas e danos.

É o que se pode extrair da leitura do acórdão nº 00089064720138260220 de 23/09/2015. A celeuma da lide se instaurou após a entrega do bem imóvel adquirido na planta ao contatar-se considerável diferença de metragem entre o ofertado no material publicitário e a metragem efetivamente entregue.

O desembargador relator Silvério da Silva entendeu que toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e também integra o contrato que vier a ser celebrado (art. 30), sendo que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina (art. 38).

O acórdão em comento, além de condenar a construtora à indenização dos valores pagos de forma simples, ainda entendeu pela procedência dos danos morais, embora haja grande divergência jurisprudencial sobre o cabimento de danos morais em caso de descumprimento contratual, como se pode notar em outros julgados.[163]

Nota-se que a jurisprudência tem entendido pela devolução dos valores de forma simples, e não em dobro como preceitua o artigo 42 do CDC, por não entender que tal situação não se enquadra na ideia que possibilita a repetição do indébito, quando o consumidor for cobrado em valor indevido.[164]

O argumento para se pretender a reparação, quando se tratar numa relação de consumo, está no artigo 19 do CDC, no qual o fornecedor deve responder pelos vícios de quantidade do produto.[165]

Vícios de quantidade se dão, conforme os ensinamentos de Luis Antonio Rizzatto Nunes,

Toda vez que ocorra diferença a menor de qualquer tipo de medida da porção efetivamente adquirida e paga pelo consumidor. E isso por uma simples questão e pagamento do preço. Temos então, pelo sentido de norma do caput do art. 19, que vicio de quantidade é aquele que gera uma perda ao consumidor, pelo fato de ter este pago certa quantidade e ter recebido menos, A constatação dessa diferença prejudicial ao consumidor pode ser aferida mediante a verificação da diferença a menor entre a quantidade que o consumidor recebeu e aquela existente no recipiente, embalagem, rotulagem, mensagem publicitária, apresentação, oferta e informação geral, contrato ou na resposta ao pedido da quantidade feito pelo consumidor.[166]

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que todo produto deve ser entregue com a  qualidade e a quantidade correta, caso contrário, estaria configurado vício no produto ou serviço.

Vícios, conforme elucidado por Arthur Luis Mendonça Rollo, “São características anormais dos produtos ou serviços, que comprometem seu uso, diminuem o seu valor ou mostram disparidades quantitativas entre o que foi adquirido e efetivamente pago pelo consumidor e o que foi por ele recebido”.[167]

Adiante, o indigitado jurista conclui:

Vícios são problemas inesperados que os produtos apresentam, que dificultem ou impeçam o seu uso ou que diminuam o seu valor. Os vícios dos produtos podem também decorrer exclusivamente da informação ou da oferta, quando estas criam no consumidor expectativas legitimas, posteriormente não realizadas.[168]  

Nota-se que o quadro em tela se enquadra na situação supra narrada, vez que, ao adquirir um imóvel e lhe ser entregue imóvel com metragem inferior, tal circunstancia diminui o valor do bem, porquanto a venda de imóveis é feita mediante atribuição de preço por metragem.

O ordenamento jurídico, a fim de evitar o enriquecimento sem causa, a abusividade e a desigualdade contratual que invariavelmente se constata nas relações de consumo, garante ao consumidor lesado três formas de ressarcimento, que a seguir serão esmiuçadas.

4.1.As faculdades previstas no Código de Defesa do Consumidor

4.1.1. Cumprimento forçado da oferta

Conforme trazido pelo artigo 35 do CDC, a primeira alternativa atribuída ao consumidor lesado é “exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade”.

Elucida Cláudia Lima Marques que o artigo 35 é cristalino ao especificar que se o empresário se recusar dar cumprimento à sua oferta, o consumidor poderá exigir o cumprimento forçado da obrigação. Desta forma, “nota-se aqui que o CDC pressupõe o fechamento do contrato, em virtude da simples manifestação do consumidor aceitando a oferta”.[169]

Tal hipótese trata-se das situações onde é possível dar cumprimento específico à obrigação assumida, complementando a medida faltante, o que muitas vezes não é possível no caso concreto, dado a impossibilidade física de fazê-lo.

Segundo Luis Antonio Rizzatto Nunes:

A solução, do ponto de vista do exercício do direito por parte do consumidor é simples. Trata-se de caso típico de justiça comutativa: o cálculo matemático. Verifica-se quanto foi realmente oferecido a menos ao consumidor na proporção com o preço pela quantidade inicialmente ofertada e descobre-se o resultado em quantidade de medida que o fornecedor deve entregar/ complementar.[170]

Em casos de vício de quantidade, todos os fornecedores constantes na cadeia produtiva respondem solidariamente pelo vício do produto ou serviço. No que tange aos vícios de quantidade, previstos no artigo 19, Cláudia Lima Marques entende que, embora o dispositivo não mencione a oferta, a hipótese está “claramente incluída uma vez que há obrigação contratual de cumprir o prometido na oferta em geral e não só na publicidade”.[171]

A possibilidade de escolha parece indicar uma tendência a permitir a composição amigável e extrajudicial do litígio, como é tendência atual, evitando a morosidade e os gastos com a lide judicial e privilegiando as formas alternativas de solução de conflitos.

Ademais, se tratando de imóvel cuja entrega e a constatação do vício se dá após o término da obra, dificilmente será possível uma complementação da área faltante, por impossibilidade fática.

Entretanto, há situações em que tal alternativa é plausível, por exemplo, quando na oferta consta que o imóvel será entregue com pisos de determinada marca, e na efetiva entrega verifica-se que o material é de qualidade inferior. Nesta hipótese o consumidor pode exigir o cumprimento forçado da obrigação, exigindo que o fornecedor cumpra a obrigação e substitua o material utilizado.

No entanto, a metragem a menor dificilmente poderá ser solucionado por essa via, restando ao consumidor se socorrer das demais hipóteses legais, conforme veremos.

4.1.2. Da resolução contratual, restituição dos valores pagos e indenização por perdas e danos.

De acordo com as normas de direito consumerista narradas ate então, se o tamanho do imóvel for inferior à medida informada no contrato, oferta ou material publicitário, o comprador tem direito ao complemento da área, a rescisão do contrato ou abatimento proporcional do preço.

Deste passo, inválida a cláusula contratual que impede o comprador de abater o preço ou rescindir o contrato do imóvel entregue com a metragem inferior à prometida, uma vez que o preço do bem é definido de acordo com a medida de extensão ou área determinada pelo contrato, o que configuraria enriquecimento sem causa por parte do fornecedor/ construtor.

O enriquecimento sem causa, também chamado de enriquecimento ilícito, embora tal denominação não seja a mais apropriada, está prevista no artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:

Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido

Fernando Noronha conceitua enriquecimento sem causa como sendo:

É para estes casos que se fala em obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, ou, abreviadamente, em enriquecimento sem causa. Esta obrigação consiste no dever de remover aqueles bens que estejam num determinado patrimônio, mas que, pela geral ordenação jurídica de bens, devam integrar um outro patrimônio[172]

Outrossim, o direito pátrio não compactua com essa ideia de transferência ou perda de riqueza imotivada, porque, em uma última análise, isso refletiria num desequilíbrio injusto. É cristalino que numa situação como esta, caso não houvesse a devida reparação, configuraria o benefício de uma parte em prejuízo da outra. O objetivo que se visa com a ideia de proibição ao enriquecimento sem causa é restaurar o equilíbrio patrimonial e evitar uma iniquidade, neste mesmo sentido, entende José Roberto de Castro Neves:

O direito não tolera que alguém receba vantagem, obtendo acréscimo patrimonial em detrimento de outrem sem uma causa jurídica, isto é, por meio de um ato que não seguiu uma estrutura econômico-social reconhecida pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o negócio sem causa não receberá reconhecimento jurídico, porquanto o ato não estará cumprindo a sua função social.Assim, se alguém paga algum valor a outrem indevidamente, o ordenamento entende que esse enriquecimento, sem uma causa jurídica justificável, lhe é contrário, impondo a quem recebeu a vantagem indevida que a restitua e, com isso, promova o re-equilíbrio patrimonial.[173]

Ainda, conforme o indigitado autor, para que se configure a hipótese, necessário estarem presentes os seguintes requisitos: (a) a vantagem patrimonial propriamente dita, consistente no benefício aferível em dinheiro; (b) o empobrecimento, de outra ponta, que se verifica diante da perda de patrimônio; (c) o nexo causal, isto é, o liame entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro; (d) e, por fim, a ausência de causa.[174]

 Portanto, o pagamento por metragem maior do que de fato o imóvel possui causa enriquecimento sem causa do incorporador/fornecedor, e invariavelmente estará presente esse nexo causal entre a vantagem indevida e a perda do patrimônio, sem uma causa jurídica geradora que justifique essa alteração.

Sobre a possibilidade de resolução contratual Claudia Lima Marques pontua que o artigo 35, inciso III do Código de Defesa do Consumidor deixa clara a suposição da conclusão entre fornecedor-ofertante e consumidor:

Esse inc. III refere-se ao direito de “rescindir o contrato”. Logo, se a rescisão tiver por motivo a recusa do fornecedor de dar cumprimento à sua oferta, oferta esta que representa agora o conteúdo do contrato firmado, o CDC assegura ao consumidor o direito de ver ressarcida as suas eventuais perdas (restituição da quantia paga, monetariamente atualizada, qualquer outro dano emergente e lucros cessantes. Só resta, portanto, ao fornecedor brasileiro limitar a sua oferta ao estoque, ao que ele pode efetivamente cumprir, ao preço que pretende, cuidando para veicular somente informações corretas e que possa adimplir.[175]

Desta forma, cabe ao consumidor a escolha da forma de solução da contenda quando verificado o descumprimento da oferta, sendo a resolução contratual uma das possibilidades dentre as plausíveis para solução da divergência de metragem e insatisfação do consumidor diante da falsa informação veiculada.

Necessário, neste contexto, fazer um parêntese acerca da diferenciação entre resolução contratual, e rescisão contratual, que muitas vezes é usada como gênero pela Lei, cuja resolução contratual é espécie.

 Resolução é o meio de dissolução do contrato em caso de inadimplemento culposo ou fortuito por uma das partes. Quando há descumprimento do contrato, ele deve ser tecnicamente resolvido e não rescindido.

Rescisão, por sua vez, é uma palavra com plurissignificados, podendo inclusive ter o significado de resolução em caso de inadimplemento, por ser usada como gênero. No entanto, há também o sentido de ser a extinção do contrato em caso de nulidade (lesão ou estado de perigo), desta forma, não corresponderia ao termo exato a ser utilizado neste estudo.

Após esta breve ressalva, sendo a resolução contratual a opção escolhida pelo adquirente lesado da unidade autônoma, poderá ele exigir a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo das eventuais perdas e danos sofridos decorrentes do negócio jurídico desfeito.

De acordo com Luis Antonio Rizzatto Nunes, a solução é simples:

Permite que o consumidor tome de volta o dinheiro pago, desistindo de ficar com o produto viciado, que ele devolve. Mas,nos moldes do que aparece estampado no inciso II do § 1º do art. 18, tem-se de colocar uma questão relativa à segunda parte da oração: “sem prejuízo  de eventuais perdas e danos” (grifamos). Quer dizer, então, que a opção alternativa IV do art. 19 dá ao consumidor o direito de pleitear também indenização pelos danos sofrido em função do vício de quantidade constatado? A resposta é sim, mas comporta um série de nuanças. Primeiramente, no sentido de “perdas e danos”. A expressão há de ser entendida como danos materiais (emergentes e lucros cessantes) e morais. Ou seja, a norma garante ao consumidor o direito de pleitear indenização por danos sofridos. [176]

Vale observar que o termo "vício de quantidade" contido no dispositivo 19 do CDC, não trata apenas da irregularidade na "extensão" ou "dimensão" do bem, mas da sua "quantidade", o que por ter abrangência mais específica põe fim ao debate sobre o negócio ad corpus, no qual a referência às dimensões é apenas enunciativa, e por isso não admite ação de complementação de área, rescisão do contrato ou abatimento de preço, segundo a regra que se extrai do § 3º do artigo 500 do CC/2002:

Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.

Portanto, restou superada na relação de consumo a distinção feita pelo Código Civil entre negócio ad mensuram e ad corpus, pois na lei consumerista a regra é o negócio ad mensuram, ou por medida, ou seja, aquele em que se fixa área determinada e estipula o preço por medida de extensão ou peso, e sua supressão corresponde a ato ilícito, gerando inclusive, como acima elucidado, o locupletamento indevido.

Com isso, no negócio ad mensuram a fixação das medidas deve conter informações claras, corretas e precisas sobre a metragem do empreendimento. Isto, portanto, toda mensagem publicitária, deve ser correta, clara e precisa nos termos do Código de Defesa do Consumidor e as informações nela contida vinculará o fornecedor e integrará o contrato que vier a ser celebrado.

Neste diapasão, se a publicidade for enganosa ou ainda omissa capaz de induzir em erro o consumidor e este for vítima de publicidade enganosa e o imóvel não corresponder ao anúncio, não haverá quaisquer dúvidas de que cabe a restituição dos valores pagos, com o consequente desfazimento do negócio e eventual indenização por perdas e danos, de acordo com o artigo 18 e 19 do Código Consumerista.

Por fim, vale ressaltar que a venda de imóvel com metragem diferente ou qualidade inferior da ofertada configura a prática do enriquecimento sem causa, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico.

4.1.3.Do abatimento proporcional do preço

De acordo com o estatuído nas legislações vigentes aplicáveis ao tema, sobretudo a análise dos princípios de direito trazidos com o advento do Código de Defesa do Consumidor, as relações jurídicas devem seguir os princípios da boa-fé, probidade e transparência.

Neste segmento, o enriquecimento sem causa do incorporador que vende determinado imóvel por quantificação de metragem, e, posteriormente entrega metragem inferior deve ser reparada na forma da lei.

Uma alternativa para àquele que pretende a reparação civil pela enganosidade da propaganda veiculada, sem, contudo, desejar o desfazimento completo do negócio celebrado, cujo preço muitas vezes já foi integral ou parcialmente pago durante a fase de construção do imóvel, é o abatimento proporcional do preço, que caso não seja aceito pelo fornecedor, dá ensejo a Ação Estimatória ou Quanti Minoris, com o objetivo de obter o abatimento no preço da coisa pela estimação da perda experimentada.

O Código de Defesa do consumidor permite que o consumidor peça abatimento proporcional do preço pago, não podendo tal direito ser excluído por clausula contratual.

Nos dizeres de Luis Antonio Rizzatto Nunes em determinadas circunstâncias nem sempre é fácil chegar a um número preciso. Não é de qualquer forma, fácil chegar ao valor do abatimento. Numa ação judicial, por exemplo, as alternativas processuais dependerão de perícia técnica.[177]

Neste sentido, em análise do recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que condenou a incorporadora ao abatimento proporcional do preço equivalente à área não entregue, entendeu-se que o padrão monetário que deve ser aplicado para correção monetária são índices do Índice Nacional de Custo de Construção (INCC) e a Taxa Referencial (TR). Embora haja muita divergência sobre o tema, não sendo este o entendimento majoritário, pois há juízes que entendem pela aplicação dos índices INPC ou IGP-M.[178]

Derradeiramente é de se concluir que o bem possui vícios quando em desconformidade com o contrato e com as informações pré-contratuais, que criam legítima expectativa nos consumidores. A frustração dessa justa expectativa representa vício, no sentido em que denota disparidade entre a oferta apresentada ao consumidor e as reais características do produto.

Nesta toada, no caso concreto, não são todas as alternativas de solução do artigo 35 e 18 do CDC que podem ser aplicadas para tentativa de reparação dos direitos do consumidor, isto, pois, nem todas as circunstâncias onde se averigua a supressão de metragem será passível de complementação da área, embora quando for possível e o consumidor assim optar deva ser feito, na forma da lei.

Coadunando com essa conclusão, as soluções mais plausíveis ao problema apresentado neste estudo, tão corriqueiramente comum nos dias de hoje, normalmente pode ser melhor solucionado pelas vias do desfazimento do contrato com a consequente devolução de valores pagos, monetariamente atualizados, bem como pelo abatimento proporcional do preço, na maioria das vezes através do ingresso de ação para apuração da diferença mediante perícia técnica para que não reste dúvidas sobre o total da área suprimida e o total da restrição.

Constatada a supressão, não há que se falar em limite de 5% como entendem os julgadores motivados pelo artigo 500 do Código Civil, uma vez que, concretamente, a incorporação imobiliária nos moldes estudados neste trabalho, é regida não apenas pela Lei especial de Condomínios e Incorporações, mas também pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo, portanto, serem afastadas essas beligerantes práticas corriqueiras e abusivas do mercado imobiliário, a fim de valer-se da hipossuficiente e desconhecimento técnico dos consumidores frente aos fornecedores.  

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Sobre a autora
Luciana Carrasco

Advogada. Especialista em Direito e Operações Imobiliárias pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRASCO, Luciana. A incorporação imobiliária à luz do Código de Defesa do Consumidor.: A vinculação da oferta quanto à diferença de metragem entregue em relação ao previsto no memorial descritivo e no material publicitário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5258, 23 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59296. Acesso em: 25 abr. 2024.

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