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Delação premiada e a ampla defesa: o acordo de Paulo Roberto Costa

02/03/2018 às 10:30
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Como abrir mão previamente do direito ao silêncio sem saber qual será a pergunta? Como abrir mão previamente do direito de recorrer sem saber o teor exato da sentença?

Os acordos de delação premiada ganharam os noticiários do país por conta da grande quantidade de pessoas do mais alto escalão da política brasileira envolvidos e também dos grandes empresários citados, sejam como delatores ou mesmo delatados. A bem da verdade, esses acordos selados com a força tarefa do Ministério Público Federal que integra a chamada Operação Lavajato, trouxeram à tona manobras escusas e diversos crimes praticados nos bastidores da política brasileira. Mas a que custo para o processo penal?

Paulo Roberto Costa, um dos delatores da Operação Lavajato selou um acordo de colaboração no qual algumas das cláusulas estipuladas e aceitas pelas partes estão:

Cláusula 12. A defesa desistirá de todos os habeas corpus impetrados no prazo de 48 horas, desistindo também do exercício de defesas processuais, inclusive de discussões sobre competência e nulidades.

Cláusula 17. Ao assinar o acordo de colaboração premiada, o colaborador, na presença de seu advogado, está ciente do direito constitucional ao silêncio e da garantia contra a autoincriminação. Nos termos do art. 4°, §14, da Lei 12.850/2013, o colaborador renuncia, nos depoimentos em que prestar, ao exercício do direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade. O colaborador renuncia ainda, ao exercício do direito de recorrer das sentenças penais condenatórias proferidas em relação aos fatos que são objeto deste acordo, desde que elas respeitem os termos aqui formulados.

Ou seja, ao assinar o acordo de colaboração em meados de outubro de 2014 (frise-se, enquanto estava preso), o colaborador efetivamente abriu mão do direito de defesa, comprometendo-se a desistir dos Habeas Corpus que haviam sido impetrados, e das defesas processuais – inclusive com relação às questões de competência do Juiz Sergio Moro e outras nulidades. E como se já não bastasse, também desistiu, previamente e sem conhecer o teor exato, do direito de recorrer da sentença condenatória que lhe fosse imposta.

O direito de defesa está entre as garantias fundamentais previstas no art. 5º, LV, da Constituição Federal, onde se afirma que: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Tal direito encontra-se ligado umbilicalmente ao próprio processo penal sobretudo porque sua finalidade, como regra, é a aplicação de uma pena privativa de liberdade, então não é admissível que o Estado limite ou mesmo que aceite qualquer limitação ao exercício do pleno direito de defesa. É lógico que as garantias fundamentais não podem ser tidas como inalienáveis, de plano. Entender que um direito é inalienável seria modificar sua essência para uma obrigação. Ou seja, o réu não é obrigado a ficar em silêncio, ele tem o direito de, se quiser e assim entender relevante para sua defesa, permanecer calado, mas ele não é obrigado a ficar em silêncio.

Do mesmo modo. O direito ao recurso não é uma obrigação, mas sim uma garantia, um direito. Entretanto, não se pode abrir mão de um direito previamente, sem conhecer as circunstâncias que se efetivariam para a necessidade de exercício desse direito. Como abrir mão previamente do direito ao silêncio sem saber qual será a pergunta? Como abrir mão previamente do direito de recorrer sem saber o teor exato da sentença?

E essa perspectiva não cede lugar nem mesmo quando se afirma, ou se insinua, a gravidade do suposto crime cometido pelo agente. Aliás, como bem afirma o Ministro Marco Aurélio[i], “quanto mais grave o crime, deve-se observar, com rigor, as franquias constitucionais e legais, viabilizando-se o direito de defesa em plenitude.”

No caso em tela, a Justiça Federal de Curitiba deveria ter recusado a homologação do acordo ou deveria ter alterado as cláusulas que limitam indevidamente o exercício da defesa, já que o art.4º, § 8º da lei do Crime Organizado (12.850/13) determina que “o juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.” Tudo isso com a finalidade de proteger a garantia fundamental de qualquer cidadão que é de recorrer de uma sentença condenatória quando achar que ela é injusta.

E mais. No caso das delações premiadas, as sentenças homologatórias não podem ser impugnadas por terceiros delatados, até porque o procedimento é totalmente sigiloso até que seja oferecida a denúncia contra o “traído”, e portanto quando não há mais tempo para recorrer da sentença que homologou o acordo de colaboração, restando ao delatado apenas apresentar as provas que contradizem as acusações no âmbito da ação penal que responde.

Mesmo havendo previsão (art. 4º, § 16, da lei 12.850/13) impedindo que o depoimento do colaborador seja utilizado como única fonte de prova para a sentença condenatória, a possibilidade de se usar como prova o depoimento de alguém que foi proibido de recorrer deixa uma mácula no processo que o transforma em algo obscuro, e portanto, no mínimo indesejável.

Aliás, o depoimento de uma testemunha, qualquer que seja, não deve ser levado em conta sem que se conheça suas motivações, e todas as circunstâncias que o levaram a depor. Francesco Carnelutti[ii], afirma que “conhecer o espírito de um homem, quer dizer conhecer sua história; e conhecer uma história não é somente conhecer a sucessão de fatos, mas encontrar o fio que os liga.”

Assim, imaginar que as delações premiadas são um instrumento mágico que irá exterminar a criminalidade organizada no Brasil, mesmo aquela instalada no seio político, é dar a ela uma amplitude que nenhum instrumento possui ou algum dia alcançará. É preciso cuidado com o processo penal, é preciso cautela com as garantias fundamentais. Sem com isso, claro, imaginar que devemos descuidar do combate à criminalidade que, sobretudo no âmbito estatal, dizima o futuro de milhões de brasileiros.

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Como afirma o Professor Aury Lopes em suas palestras, “punir é um ato civilizatório”. Mas o Estado não pode infringir o ordenamento jurídico que ele mesmo institui, a pretexto de combater qualquer que seja o suposto crime praticado, sob pena de transformar-se ele próprio, num Estado criminoso. Quem então punirá o Estado?


Notas

[i] HC 85.969, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 4-9-2007, Primeira Turma, DJ de 1º-2-2008.

[ii] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São Paulo: VidaLivros, 2012, pag. 22.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GESTEIRA, José Leandro Pinho. Delação premiada e a ampla defesa: o acordo de Paulo Roberto Costa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5357, 2 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59509. Acesso em: 27 dez. 2024.

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