I - A ADOÇÃO À BRASILEIRA
“Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem e/ou a mulher declara, para fins de registro civil, o menor como sendo seu filho biológico sem que isso seja verdade.
Trata-se de conduta prevista como crime como se lê do artigo 242 do Código Penal.
Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.
Além de sujeitar o adotante a essas sanções penais, a adoção informal pode dar margem à suspeita de outros crimes, como se viu em caso julgado recentemente no Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
O Recurso em Habeas Corpus trouxe a história de um bebê recém-nascido, entregue pelos pais biológicos a um casal. A entrega foi intermediada por terceiro, que possivelmente recebeu R$ 14 mil. A mãe biológica também teria recebido uma quantia de R$ 5 mil pela entrega da filha.
No registro da criança constou o nome da mãe biológica e do pai adotante, que se declarou genitor do bebê. A criança permaneceu com o casal adotante por aproximadamente quatro meses, até ser recolhida a um abrigo em virtude da suspeita de tráfico de criança.
O Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação de busca e apreensão do bebê, com pedido de destituição do poder familiar do pai registral e da mãe biológica, bem como de nulidade do registro de nascimento. O juízo de primeira instância deferiu em caráter liminar o acolhimento institucional da criança. O casal impetrou Habeas Corpus pedindo o desabrigamento da criança e a sua guarda provisória.
Com a negativa do HC pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o casal recorreu ao STJ. Afirmou que a criança estava sofrendo “danos psicológicos irreversíveis” em virtude da retirada do lar e que não houve tráfico de criança.
Antes de 2009, o STJ tinha o entendimento pacífico de que não era possível a discussão de questões relativas à guarda e adoção de crianças e adolescentes utilizando-se a via do Habeas Corpus. Entretanto, em julgamentos a partir dessa data, os ministros têm excepcionado o entendimento “à luz do superior interesse da criança e do adolescente”, esclareceu Sanseverino. Segundo o ministro, a análise do caso deve se limitar à validade da determinação legal de acolhimento institucional do menor e posterior encaminhamento para adoção.
Sobre a matéria da adoção à brasileira, pronunciou-se Joacinay Fernanda do Carmo Nascimento (Adoção à brasileira):
Convencionou-se a vulgarmente a chamar de adoção à brasileira, um sistema de adoção feito sem o procedimento legal para o processo de adoção, onde consiste no ato de registrar filho alheio como próprio, ou seja, a criança é registrada por pais não biológicos sem atender aos requisitos estabelecidos em lei. Essa prática já existe no Brasil de forma disseminada, e seu nome foi eleito pela jurisprudência, no entender de Maria Berenice Dias (2013, p.509).
O registro da criança é feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, de forma extremamente fácil, pois com base no disposto no art. 54 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), basta o suposto pai ou mãe declarar o nascimento relatando que a criança nasceu em casa.
Além dos motivos que já foram relatados, existem outros fatores que também influenciam na prática da adoção à brasileira, dentre eles estão à esquiva de um processo judicial para adoção, demorado e dispendioso e o medo de não lhe ser concedida a adoção pelos meios regulares, pois há uma grande formalidade a ser seguida durante o processo devendo aguardar no final uma sentença do juiz, que analisará os requisitos, e caso o adotante não esteja apto, rejeitará o pedido. (PAULA, Tatiana Wagner Lauand de, 2007)
Desta forma, as pessoas passam a optar pela adoção à brasileira para atingir seu objetivo de forma rápida e fácil, sem pensar nas conseqüências que poderão surgir através desta prática ilegal. Destacam-se duas conseqüências relevantes de tal ato.
A primeira delas consiste na anulação do registro de nascimento, isso poderá ocorrer caso a mãe venha a se arrepender futuramente de ter dado seu filho para que outro registrasse, e com um simples exame de DNA, a mãe biológica poderá comprovar seus laços sanguíneos, e assim poderá resultar na desconstituição daquela entidade familiar, o que demonstra que tal relação é muito frágil, onde a família que prefere pela forma irregular, acaba também optando por viver uma situação instável e arriscada, se submetendo ao medo de que no futuro a verdade possa vir à tona.
Vale ressaltar que o arrependimento dos pais biológicos não garante que a criança voltará para o convívio deles, pois a legislação brasileira que trata da adoção legal (Lei12. 010/09), tem como prioridade o convívio familiar, onde a família se sobrepõe a instituição, e o afeto tem mais importância que o vínculo biológico, o que dificultaria o retorno dessa criança aos pais biológicos. Lembrando ainda que a adoção à brasileira não goza da irrevogabilidade nem da proteção e segurança jurídica dada à adoção legal.
Além do mais, quando faticamente há uma adoção consolidada, a regularização da situação se faz necessária e tem base no princípio constitucional do melhor interesse da criança, disposto no artigo 227 da Constituição Federal e art. 39 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente. A regularização, neste caso, representa efetivo benefício à criança que tem direito absoluto à convivência e, para quem, muitas vezes, os únicos pais que conhece são os pais adotivos.
Nos casos de adoção através de registro de filho alheio em nome próprio o vínculo familiar representa a verdade sócio afetiva e traz consigo uma estabilidade e segurança física e emocional à criança. Essa proteção é o bem jurídico de maior relevância e é a efetivação do disposto no princípio constitucional do melhor interesse da criança.
A segunda consequência importante é a que trata da esfera penal, visto que há previsão legal do ilícito de registrar filho alheio como próprio, sendo assim a adoção à brasileira é um crime previsto no ordenamento jurídico brasileiro.
A adoção à brasileira vem sendo comumente praticada do Brasil, por mais que seja por nobre motivo, tal pratica vem a ser uma dissimulação e uma infração a lei, visto que é tratada como crime no capítulo “dos crimes contra o estado de filiação” (capítulo II do Título VII), tipificada no artigo 242 do Código Penal Brasileiro (Decreto Lei 2.848/1940). (BOCHNIA, Simone Franzoni, 2010)
Ademais, o crime de falsidade ideológica trazido pelo art. 299 do Código Penal (Decreto Lei 2.848/1940) vem complementar a tipicidade da prática de registro de filho alheio em nome próprio.
Além de dar proteção e garantia ao estado de filiação, o legislador teve intuito de preservar a autenticidade e a veracidade dos documentos públicos. Protegem-se a segurança e a certeza do estado de filiação evitando supressão ou alteração de direito inerente ao verdadeiro estado civil da criança, que poderia ficar juridicamente vinculado a pais diversos de seus verdadeiros.
O combate à adoção à brasileira também se justifica na medida em que a adoção pode ser praticada com fins lucrativos. E a criminalização da adoção à brasileira é a forma de amparar a família, essencial na formação da dignidade de todo cidadão, principalmente das crianças e dos adolescentes. O Estado tem o dever de proteger a família, já que dela depende a subsistência de toda a sociedade.
Todavia, se o crime é praticado com reconhecida nobreza, o próprio Código Penal (Decreto Lei 2.848/1940) reconhece no parágrafo único do art. 242 que poderá o juiz deixar de aplicar à pena e esta tem sido a conduta adotada pela jurisprudência. Tal fato ganhou ainda mais força com o advento da lei 12.010/2009 onde a prioridade é a convivência familiar, através da qual a família se sobrepõe a instituição, e com isso, acredita-se que a adoção à brasileira será analisada sem que haja punição.
Embora se possa pensar que a adoção à brasileira é uma exceção, a ela se arriscando apenas pessoas de menor esclarecimento e de baixa renda, pesquisa elaborada demonstra o contrário. Há quase a mesma proporção de adoções regulares e irregulares no Brasil.
“Destacando-se o percentual de 52,1% de adoções regulares e o restando compondo as adoções irregulares, em que a maioria das adoções informais, ou seja, 41,5% ocorreram através de registro em cartório da criança de outrem, como filho legítimo, através de uma declaração falsa de nascimento. O restante das adoções informais, 6,4% seguiu o procedimento conhecido como filhos de criação, isto é a criança passa a morar definitivamente com outra família, mas sua certidão de nascimento não é alterada, permanecendo com a filiação de seus pais biológicos”. (GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues, Adoção Doutrina e Prática, Curitiba, 2012, p.139)
Outro fator que merece destaque é que a adoção à brasileira pode gerar não só uma possibilidade de condenação penal, como a nulidade do registro, pois o mesmo não está em conformidade com a lei, sendo assim a qualquer momento o mesmo poderá ser declarado como nulo, pois quem se sujeita a adoção à brasileira está constantemente exposto ao risco de descoberta do ocorrido.
Todavia, são unanimes a doutrina e a jurisprudência em diligenciar meio e pretextos para contornar o texto álgido da lei a fim de não cominar pena alguma. Ademais, com o advento da lei 12.010/2009, a prioridade é a garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes e, com isso, pode o adotante, de fato, requerer a regularização da situação de sua adoção irregular utilizando o melhor interesse da criança e o fato dela já se encontrar incluída em uma família. Entretanto, será necessária a comprovação dos requisitos para efetivação da adoção legal.
Deve-se ressaltar, contudo, que a adoção, atualmente, só poderá ser deferida pelo juiz quando apresentar reais vantagens para o adotando e tão somente quando não mais houver possibilidades de resgatar a filiação biológica.
A análise jurisprudencial referente à adoção à brasileira vem a ser muito importante, pois vem dispor sobre as decisões dos tribunais acerca da desconstituição do vínculo parental nas adoções de forma irregular.
Pode-se concluir que a doutrina e a jurisprudência são pacificas na busca pelo melhor interesse para criança, garantindo assim a convivência familiar, onde pôr fim acabam desconstituindo o vínculo parental em face do vínculo socioafetivo.
Sendo assim a doutrina e a jurisprudência são unânimes em diligenciar meios e pretextos para contornar o texto álgido da lei a fim de não cominar pena alguma, quando alguns, entre esses milhares de casos que anualmente ocorrem, chegam por qualquer circunstancias as barras dos tribunais. Ninguém resiste à verdadeira coação de ordem moral decorrente do alto valor espiritual e humano que inspiram tais gestos. (GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues, 2012)
Com base nisso, encontrou-se, por proposta da Associação Brasileira de Juízes e Promotores da Infância e da Juventude, uma solução legislativa que, embora não descriminalizasse o fato, penalizava-o de forma mais branda, permitindo até o perdão judicial.
Com efeito, a lei 6.898 de 30.03.1981, passou a tipificar o “registrar como seu o filho de outrem”, como crime no Código Penal, em seu art. 242, onde a pena é de dois a seis anos de reclusão, mas em contrapartida vem excepcionar em seu parágrafo único, onde diz “se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza, a pena é de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar à pena".
O que se observa é que cada vez mais as decisões são em favor do vínculo afetivo e da entidade familiar, onde os acórdãos absolutórios são quase que unanimes.
A título de exemplo podem ser citados os pronunciamentos: RT 149/706; 155/305; 167/541, 542, 190/65; 195/97, bem como TJ-RS - Apelação Crime: ACR 70042425280 RS; 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de MangaProcesso: 0393.03.006610-3; Natureza: Ação penal (art. 242 do CP) Autor: Ministério Público do Estado de Minas Gerais; TJ-SC - Apelação Criminal : APR 722784 SC 2008.072278-4, além dos julgados do Superior Tribunal de Justiça: Resp 1172067/MG, RESP 234833/MG, RESP 1088157/PB e RESP878941.
Entende-se que a jurisprudência afirma que a paternidade jurídica afasta a paternidade biológica, e a paternidade socioafetiva passou a ter reconhecimento, uma vez que nenhum interesse pode se sobrepor a República Federativa do Brasil, onde esta tem como base a dignidade da pessoa humana. Diante disso fica claro e justificado os inúmeros posicionamentos dos tribunais em preservar a paternidade socioafetiva, bem como conceder o perdão judicial para pessoas que optaram pela pratica da adoção à brasileira.
Todos os julgados consultados demostram que os Tribunais Brasileiros preferem decidir pela preservação da paternidade socioafetiva, mesmo sendo ela resultado de uma adoção irregular, e havendo previsão legal de crime para tal ato, do que desconstituir os laços afetivos criados, privilegiando a paternidade biológica, na qual houve abandono.
Há decisões, inclusive, que acreditam não haver uma falsidade no registro, indo contra o que determina a lei para privilegiar os laços afetivos, sob alegação de que o registro é o espelho das relações sociais de parentesco, sendo o registro sempre verdadeiro se estiver conciliado com o fato jurídico que lhe deu origem. Ademais, não pode o direito ser baseado numa racionalidade de formas, devendo ser baseado numa razão de conteúdo e, portanto, não se pode decidir de acordo com o simples vinculo biológico.
Diante disso, verifica-se que a tipificação prevista no Código Penal, em seu Art. 242, referente à punição daquele que registra filho alheio como próprio, está em completo desuso, visto que, não há condenação para pais que registraram aquela criança como sua, pois suas atitudes foram motivadas pelo afeto e amor, e não podem, por não ser justo, serem punidos por darem uma vida melhor aquela criança, resultando assim no perdão judicial para os atos praticados.
Concluíram Isabel Marques e Vanesca Marques de Souza(Adoção à brasileira: a justiça cúmpice de um ato ilícito):
"Quando há a descoberta da adoção irregular, acarreta em algumas consequências. A legislação vigente pune os responsáveis por essa adoção, com punições na esfera tanto civil, como penal. Na esfera cível se inicia com anulação do registro de nascimento da criança, podendo inclusive ocorrer a retirada da criança dos pais. Já na esfera penal, os mesmos responderão pela prática do crime intitulado como registro de parto alheio como próprio.
Contudo, apesar de previsto na legislação, é importante destacar que deverá ser analisado o caso concreto, pois a filiação não é apenas um direito da verdade, e sim também é um direito da vida, do melhor interesse da criança, da afetividade, dos sentimentos e do tempo que já passou.
Portanto, a filiação biológica não poderá se sobrepor à filiação afetiva constituída por demais causas e assim prevalecendo a convivência familiar prevista na Constituição Federal, em seu artigo 227.
Quando houver um conflito entre os pais biológicos e os pais socioafetivos do filho menor, este não irá ser resolvido pela prevalência dos biológicos sobre os afetivos. A melhor solução para a resolução deste conflito levará em consideração os interesses das crianças. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança preceitua que em todas as ações que envolvam crianças deverá ser considerada o melhor interesse da criança, primeiramente, em prevalência aos interesses dos pais. Tal norma foi recepcionada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e também pelo Código Civil."
Daí porque disse Galdino Augusto Coelho (adoção, Curso de direito da criança e do adolescente: Aspectos teóricos e práticos, 2010, pág. 197 a 266):
"A adoção é o grande exemplo da filiação socioafetiva, seu único elo é o afeto, que deve prevalecer sobre tudo. Toda criança/adolescente que tem a possibilidade de ser adotada já passou por um momento de rejeição em sua vida, tendo conseguido obter e dar amor a um estranho que vê, agora, como
um pai, superando o sentimento de perda. Não se justifica que, em nome ao respeito a uma regra que tem a finalidade única de dar publicidade e legalidade às adoções, o sentimento, o sustentáculo da adoção, seja colocado em segundo plano e a criança seja obrigada a passar por outro drama em sua vida, sair da companhia de quem aprendeu a amar."