A violência psicológica contra as mulheres e a tipificação da conduta no crime de lesão corporal.

23/08/2017 às 10:42
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Trata o texto da possibilidade de se cometer o crime de lesão corporal através da violência psicológica, de modo a efetivar os dispositivos da Lei Maria da Penha.

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), apresenta como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, a violência psicológica, nos seguintes termos:

 

Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

(...)

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

 

Objetivou o legislador, com esse dispositivo conceitual, superar a ideia comum de que precisa existir uma agressão física para ocorrer violência doméstica, havendo na realidade meios até mais danosos de se cometê-la.

 

Um “tapa” pode deixar a pele vermelha, mas em poucos dias nada restará dele, diferente do que ocorre nos casos de violência de caráter psicológico, que surtirão efeitos na vítima por um tempo incerto, fazendo com que ela diariamente renove seu sofrimento e dor.

 

O problema que surge dessa questão é como punir um agressor por violência psicológica e por qual crime ele irá responder.

 

O art. 129, caput, do Código Penal reza que cometerá o crime de lesão corporal quem ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Quando a lesão se refere a integridade corporal, trata-se do tipo corriqueiro do crime, em que há uma prova de corpo de delito, que atesta a sua existência. A grande questão é quando há a lesão à saúde.

 

Por saúde, a OMS entende como estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças. Pois bem, dito isso, é possível falar do caso de Dona Germana (nome fictício).

 

Dona Germana nunca recebeu uma agressão física de seu companheiro, mas durante o tempo de relacionamento era sempre tratada com palavras depreciativas e de baixo calão. Seu companheiro, por exemplo, sempre gostava de afirmar que ela não servia para nada, era “destrambelhada”, cozinhava muito mal etc.

 

Com o passar dos anos, não há mais como se afirmar que a conduta do agressor seja um indiferente penal ou uma sucessão de injúrias ou difamações, pois não foi só na honra que ela foi atingida, mas também em sua auto-estima, no seu bem-estar mental e social, de modo a configurar clara ofensa a sua saúde.

 

Constatada a ofensa à saúde, há de se concluir que houve o crime de lesão corporal.

 

Por ser subjetiva e, por isso, de difícil identificação, a violência psicológica, na maioria dos casos, é negligenciada até por quem sofre, por não conseguir perceber que ela vem mascarada pelos ciúmes, controle, humilhações, ironias e ofensas.

 

Esse tipo de violência normalmente precede a agressão física que, uma vez praticada e tolerada, pode se tornar constante. Na maioria das vezes, o receio de assumir que o relacionamento não está funcionando ainda é um motivo que leva mulheres a se submeterem à violência, de todos os tipos e não apenas a psicológica.

 

Dificilmente a vítima procura ajuda externa nos casos de violência psicológica. A mulher tende a aceitar e justificar as atitudes do agressor, protelando a exposição de suas angústias até que uma situação de violência física, muitas vezes grave, ocorra e todos os anos de violência venham à tona.

 

A título exemplificativo segue alguns exemplos de situações que configuram violência psicológica - quando o companheiro: quer determinar o jeito como ela se veste, pensa, come ou se expressa; critica qualquer coisa que ela faça; desqualifica as relações afetivas dela, ou seja, amigos e família; a expõe a situações humilhantes em público.

 

É preciso dar eficácia aos diplomas normativos (Código Penal e Lei Maria da Penha). Se o legislador achou por bem colocar a palavra saúde é porque entendeu que há outros meio de se cometer lesão corporal, além da ofensa à integridade física.

 

Quanto à materialidade, não há de se falar em Perícia Traumatológica, mas,  sim, em um estudo, a ser elaborado pela equipe multidisciplinar, em que se constata a existência da violência, bem como a sua extensão.

 

A Lei Maria da Penha não conceituou a violência psicológica por mero deleite. Cabe ao operador do direito conferir eficácia às normas jurídicas, de modo a impedir que casos como o da Dona Germana sejam ignorados e que a violência psicológica deixe de ser tratada como um indiferente penal.    

 

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Sobre o autor
Geraldo de Sá Carneiro Neto

Mestre em Perícias Forenses da Universidade de Pernambuco – UPE (Campus Camaragibe). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP (2012). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio de Jesus (2014). Especialista – MBA em gestão do Ministério Público pela Universidade de Pernambuco – UPE (Campus Benfica). Analista Ministerial da área jurídica do Ministério Público do Estado de Pernambuco, lotado em Promotoria de combate à violência doméstica. Professor de cursos preparatórios de concurso e Palestrante. ex-analista jurídico do Tribunal de Justiça de Pernambuco

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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