6 DINAMICIDADE DO PRECEDENTE
Embora o julgador esteja diante de um precedente obrigatório, é possível que a orientação seja alterada em virtude das peculiaridades do caso. Entre as técnicas de que se pode valer o julgador estão: (a) distinguishing - permite ao juiz comparar a decisão que gerou o precedente com o caso a ser julgado a fim de perceber alguma semelhança entre os casos concretos (técnica da confrontação); (b) overrulling - é a técnica por meio da qual um precedente é superado por outro, podendo se dar de forma expressa ou tácita; (c) overriding - técnica de superação parcial do precedente em razão da superveniência de regra ou princípio legal; (d) signaling – ocorre quando os tribunais dão sinais de que a jurisprudência será alterada (técnica preparatória para revogação de um precedente); e (e) transformation - consiste na imputação de relevância ao conteúdo dito de passagem, dando novo arranjo ao precedente que se quer compatibilizar com o caso sob julgamento.
O distinguishing e o overruling estão expressamente previstos no art. 489, parágrafo 1º, inciso VI, do novo CPC, verbo ad verbum:
§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Portanto, por mais que o Judiciário almeje soluções jurídicas com maior segurança, coerência, celeridade e igualdade, não é preciso se preocupar com um possível engessamento dos órgãos jurisdicionais em relação a um determinado entendimento, visto que as técnicas supra ensejam a mudança no sentido interpretativo das normas jurisdicionais.
7 CONCLUSÃO
A lei pode receber diversas interpretações mesmo no ordenamento de tradição do civil law. A disparidade entre as decisões proferidas pelo Poder Judiciário para casos idênticos geram verdadeira injustiça social e violação dos princípios da igualdade, da coerência da ordem jurídica, da segurança jurídica e da previsibilidade da decisões judiciais. Essa alteração frívola e abrupta da orientação jurisprudencial dos tribunais provoca uma situação de grave insegurança jurídica. Por isso, em atendimento à função nomofilácica dos tribunais, o legislador registrou no novo CPC instrumentos decisórios vinculantes, dos quais, por ilação, pode-se deduzir o precedente judicial.
Não há que se falar em migração do civil law para o common law em virtude da força vinculativa que se tem atribuído aos precedentes judiciais ou à jurisprudência. É possível afirmar ainda que o Brasil tem trabalhado na construção do seu sistema de precedentes a partir dos arts. 926 e 927 do novo CPC, haja vista a busca pela uniformização de seus julgados, a relevância da interpretação judicial nas decisões proferidas e a necessidade de vinculação dos provimentos decisórios por meio de previsão legal.
Não há um sistema de precedentes propriamente dito tal qual se poderia verificar em um país anglo-saxão, mas também não se desconsidera a interpretação judicial resultante de casos anteriores na solução de questões jurídicas. A técnica do precedente judicial vai se amoldando à realidade brasileira e sua relevância se mostra cada vez maior no combate às alterações frequentes, arbitrárias, aleatórias e desprovidas de uma justificativa séria das decisões judiciais.
Por fim, é oportuno realçar que a adoção de precedentes não implica na fossilização do Poder Judiciário, pois os processos continuarão a ser decididos com base nas provas constantes dos autos processuais a fim de elucidar os fatos. Além disso, os tribunais não estão impedidos de modificar precedentes sedimentados, desde que o façam de maneira fundamentada.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Guilherme Rizzo. Precedentes Vinculantes Vieram Para Ficar Com o Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-out-24/guilherme-amaral-precedentes-vinculantes-vieram-ficar-cpc>. Acesso em: outubro/2016.
COSTA, Henrique Araújo. Revisitação da Nomofilaquia de Calamandrei. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/reexame-de-prova-em-recurso-especial-a-sumula-7-do-stj/capitulo-iii-prova-e-recurso-especial/8-modelos-recursais/a-modelos-de-cassacao-e-revisao/d-revisitacao-da-nomofilaquia-de-calamandrei>. Acesso em: outubro/2016.
DESTEFENNI, Marcos. A Linguagem do Novo CPC: a função nomofilácica. Disponível em: <http://estadodedireito.com.br/a-linguagem-do-novo-cpc-a-funcao-nomofilacica/>. Acesso em: outubro de 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação de tutela. 8. ed. Salvador: Jus Podivm, 2013. v. 2.
DONIZETTI, Elpídio. A Força dos Precedentes no Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/data/files/7B/96/D0/66/2BCCB4109195A3B4E81808A8/A%20forca%20dos%20precedentes%20no%20novo%20Codigo%20de%20Processo%20Civil.pdf>. Acesso em: outubro/2016.
GUEDES, Lorena Braga d'Almeida. Há Subsistema de Precedentes Judiciais no Direito Brasileiro?. Disponível em: <http://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/397987410/ha-subsistema-de-precedentes-judiciais-no-direito-brasileiro>. Acesso em: outubro/2016.
GROSS, Marco Eugênio. Os Conceitos Juridicamente Indeterminados e a Valoração da Prova no Recurso Especial Sob o Viés da Certeza Jurídica. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/8967-8966-1-PB.pdf>. Acesso em: outubro/2016.
FIGUEIREDO, Estefenson. O Que É a Função Nomofilácica. Disponível em: <http://www.estefensonfigueiredo.com.br/2010/funcao-nomofilacica/>. Acesso em: outubro/2016.
HELLMAN, Renê. Novo CPC: precedente judicial. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RafpIlMc1bU>. Acesso em: outubro/2016.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. Disponível em: <http://www.marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2016/08/Confer%C3%AAncia_IAP2.pdf>. Acesso em: outubro/2016.
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O Que É Isto — o Sistema (Sic) de Precedentes no CPC?. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-ago-18/senso-incomum-isto-sistema-sic-precedentes-cpc>. Acesso em: outubro/2016.
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O Solilóquio Epistêmico do Ministro Roberto Barroso Sobre Precedentes. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-nov-03/senso-incomum-soliloquio-epistemico-ministro-barroso-precedentes?>. Acesso em: outubro/2016.
TARUFFO, Michele. Precedente e Jurisprudência. Disponível em: <http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Taruffo-trad.-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em: outubro 2016.
TORRANO, Bruno; STRECK, Lenio Luiz. Precedente Não É Critério Máximo Para Justificar Raciocínio Judicial. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-set-26/precedente-nao-criterio-maximo-justificar-raciocinio-judicial?>. Acesso em: outubro/2016.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial Como Fonte do Direito. São Paulo: RT, 2004.