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Princípio da igualdade entre a sociedade empresária privada e a sociedade empresária pública

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20/03/2020 às 15:15

Resumo:


  • O princípio da igualdade é essencial na sociedade, exigindo tratamento sem discriminações e aplicando-se a todos, sejam pessoas naturais ou jurídicas.

  • Empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam em regime de concorrência devem seguir o regime jurídico das empresas privadas, especialmente em relação a obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias.

  • Concessões de privilégios a empresas estatais em detrimento da iniciativa privada violam o princípio da igualdade e contrariam a Constituição Federal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. Igualdade de tratamento das obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias.

 Para que não ocorra desequilíbrio da economia privada, as pessoas jurídicas de direito público que exerçam atividade tipicamente econômica ou em livre competição no mercado devem suportar a mesma carga de obrigações, deveres, ônus e responsabilidades quanto as questões civis, comerciais, trabalhistas e tributárias destinadas às empresas privadas. Do contrário seria coroar a concorrência desleal, o que é vedado por Lei. É bom lembrar que o artigo 36 da Lei 12529/2011 prevê que constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir, ainda que não sejam alcançados, os efeitos de limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa. 

 A observância do regime próprio das empresas privadas (= empresas sob o regime da iniciativa privada) não é absoluta, uma vez que as regras de submissão a concurso público é cogente, não podendo ser afastada por disposições infraconstitucionais, ainda que sob o argumento de ser necessário tal proceder para atingir o princípio da eficiência administrativa. Nesse sentido, há entendimento cristalizado pelo Supremo Tribunal Federal, de que: “Argumentos de ordem federativa não podem legitimar a dispensa de concurso público fora das hipóteses previstas na Constituição da República, especialmente porque a norma inscrita no art. 37 da Carta Política em cláusula concretizadora dos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa tem, como destinatários de suas cogentes prescrições, todos os entes políticos integrantes da Federação, além das pessoas revestidas de caráter meramente administrativo”.[18]

O ilustre administrativista e Procurador do Estado do Rio de Janeiro Alexandre Santos de Aragão deixa clara a necessidade de submissão das empresas estatais a certas limitações constitucionais, pois “apesar de as empresas estatais se submeterem ao mesmo regime das sociedades privadas no que tange aos aspectos trabalhistas, nos termos inclusive do art. 173, § 1°, II, da Constituição Federal, essa Carta também prevê uma série de diferenciações a esse regime, estabelecendo, por exemplo, (i) a necessidade de realização de concurso público para a contratação desses empregados (art 37, II); (ii) a vedação da acumulação de cargos, empregos ou funções públicas (art. 37, XVII) e (iii) a submissão ao teto remuneratório, constitucional (art. 37, XI), aplicável, este último, apenas, às empresas estatais dependentes. Essas não são vedações propriamente de direito público, mas decorrentes do fato de as empresas estatais integrarem a esfera estatal da economia. Certas imposições às estatais são ínsitas à origem dos recursos geridos. Por exemplo, a estatal não pode gastar fortunas, totalmente fora do mercado com o salário dos seus dirigentes, pois os seus recursos possuem, direta ou indiretamente, total ou parcialmente, origem pública. Ou seja, são imposições constitucionais, e as imposições constitucionais filtram todos os ramos do direito, sejam eles privados ou públicos”.[19]  

Por força do disposto no artigo 5º da Lei 13303/2016, conhecida como Estatuto Jurídico da empresa pública, sociedade de economia mista e subsidiárias no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a sociedade de economia mista será constituída sob a forma de sociedade anônima e, ressalvado o disposto nesta Lei, estará sujeita ao regime previsto na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, conhecida como Lei das Sociedades por Ações.

O artigo 9º da Lei 13303/2016 estabelece que tanto as empresas públicas quanto as sociedade de economia mista deverão adotar regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam a ação dos administradores e empregados, por meio da implementação cotidiana de práticas de controle interno e  área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos. 

Porque pertencem ao Poder Público, as empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão observar, no mínimo, aos seguintes requisitos de transparência:  (a) elaboração de carta anual, subscrita pelos membros do Conselho de Administração, com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela empresa pública, pela sociedade de economia mista e por suas subsidiárias, em atendimento ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a autorização para suas respectivas criações, com definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim, bem como dos impactos econômico-financeiros da consecução desses objetivos, mensuráveis por meio de indicadores objetivos; (b) adequação de seu estatuto social à autorização legislativa de sua criação; (c) divulgação tempestiva e atualizada de informações relevantes, em especial as relativas a atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, dados econômico-financeiros, comentários dos administradores sobre o desempenho, políticas e práticas de governança corporativa e descrição da composição e da remuneração da administração; (d) elaboração e divulgação de política de divulgação de informações, em conformidade com a legislação em vigor e com as melhores práticas; (e) elaboração de política de distribuição de dividendos, à luz do interesse público que justificou a criação da empresa pública ou da sociedade de economia mista; (f) divulgação, em nota explicativa às demonstrações financeiras, dos dados operacionais e financeiros das atividades relacionadas à consecução dos fins de interesse coletivo ou de segurança nacional; (g) elaboração e divulgação da política de transações com partes relacionadas, em conformidade com os requisitos de competitividade, conformidade, transparência, equidade e comutatividade, que deverá ser revista, no mínimo, anualmente e aprovada pelo Conselho de Administração; (h)  ampla divulgação, ao público em geral, de carta anual de governança corporativa, que consolide em um único documento escrito, em linguagem clara e direta, as informações de que trata a letra (c), mencionada;  (i) divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade. 

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As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão, também: (a)  divulgar toda e qualquer forma de remuneração dos administradores; (b) adequar constantemente suas práticas ao Código de Conduta e Integridade e a outras regras de boa prática de governança corporativa, na forma estabelecida na regulamentação legal. A sociedade de economia mista poderá solucionar, mediante arbitragem, as divergências entre acionistas e a sociedade, ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários, nos termos previstos em seu estatuto social. 

A lei que autorizar a criação da empresa pública e da sociedade de economia mista deverá dispor sobre as diretrizes e restrições a serem consideradas na elaboração do estatuto da companhia, em especial sobre: (a) constituição e funcionamento do Conselho de Administração, observados o número mínimo de 7 e o número máximo de 11 membros; (b) requisitos específicos para o exercício do cargo de diretor, observado o número mínimo de 3 (três) diretores; (c)  avaliação de desempenho, individual e coletiva, de periodicidade anual, dos administradores e dos membros de comitês, observados os seguintes quesitos mínimos: exposição dos atos de gestão praticados, quanto à licitude e à eficácia da ação administrativa; contribuição para o resultado do exercício; consecução dos objetivos estabelecidos no plano de negócios e atendimento à estratégia de longo prazo;  (d) constituição e funcionamento do Conselho Fiscal, que exercerá suas atribuições de modo permanente; (e)  constituição e funcionamento do Comitê de Auditoria Estatutário; (f)  prazo de gestão dos membros do Conselho de Administração e dos indicados para o cargo de diretor, que será unificado e não superior a 2 anos, sendo permitidas, no máximo, 3 (três) reconduções consecutivas;  (g) prazo de gestão dos membros do Conselho Fiscal não superior a 2 (dois) anos, permitidas 2 (duas) reconduções consecutivas.

Também dispõe a Lei 13303/2016 que quaisquer obrigações e responsabilidades que a empresa pública e a sociedade de economia mista que explorem atividade econômica assumam em condições distintas às de qualquer outra empresa do setor privado em que atuam deverão: (a) estar claramente definidas em lei ou regulamento, bem como previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-las, observada a ampla publicidade desses instrumentos; (b) ter seu custo e suas receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil. Ademais: I - as sociedades de economia mista com registro na Comissão de Valores Mobiliários sujeitam-se ao regime informacional estabelecido por essa autarquia e devem divulgar as informações previstas na forma fixada em suas normas; II - os documentos resultantes do cumprimento dos requisitos de transparência deverão ser publicamente divulgados na internet de forma permanente e cumulativa.

Por outro lado, as atividades econômicas "surgem e se desenvolvem por força de suas próprias leis, decorrentes da livre empresa, da livre concorrência e do livre jogo dos mercados. Essa ordem, no entanto, pode ser quebrada ou distorcida em razão de monopólios, oligopólios, cartéis, trustes e outras deformações que caracterizam a concentração do poder econômico nas mãos de um ou de poucos. Essas deformações da ordem econômica acabam, de um lado, por aniquilar qualquer iniciativa, sufocar toda a concorrência e por dominar, em consequência, os mercados e, de outro, por desestimular a produção, a pesquisa e o aperfeiçoamento. Em suma, desafiam o próprio Estado, que se vê obrigado a intervir para proteger aqueles valores, consubstanciados nos regimes da livre empresa, da livre concorrência e do livre embate dos mercados, e para manter constante a compatibilização, característica da economia atual, da liberdade de iniciativa e do ganho ou lucro com o interesse social".[20]


4. Sociedades empresárias públicas prestadoras de serviços públicos e Sociedades empresárias públicas que atuam em regime de livre concorrência.

A redação do artigo 173 da Constituição Federal é claríssima, ao dispor que ressalvados “os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

O Supremo Tribunal Federal, entrementes, admite diferenciação entre as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviços públicos para a finalidade de mitigar o regime jurídico a que devem estar submissas. Nesse sentido, há distinção entre empresas estatais prestadoras de serviço público e empresas estatais que desenvolvem atividade econômica em sentido estrito, pois as “sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas” e que o “§ 1º do art. 173 da Constituição do Brasil não se aplica às empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades (estatais) que prestam serviço público”.[21]  

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Sobre o autor
Horácio Eduardo Gomes Vale

Advogado Público em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALE, Horácio Eduardo Gomes. Princípio da igualdade entre a sociedade empresária privada e a sociedade empresária pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6106, 20 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63195. Acesso em: 22 dez. 2024.

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