A seguridade social ante aos casos ditos de incapacidade parcial e permanente.

O surgimento de uma concepção de prevenção do acidente de trabalho

28/03/2018 às 18:44
Leia nesta página:

As alterações legislativas relativas à seguridade dedicada à condição de Incapacidade Parcial e Permanente a partir do Decreto nº 24.637/1934, o Ministério do Trabalho, Industria e Comércio, da Justiça do Trabalho e a construção de uma lógica de prevenção.

Introdução

No intervalo de tempo tratado nesse artigo, entre os anos 1934 e 1944, observa-se crescente regulação estatal do tema Acidente de Trabalho, pertinente à lógica de assunção pelo Estado da mediação do conflito capital/trabalho, uma característica inquestionável da Era Vargas [1]. Nesse período criam-se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a Justiça do Trabalho, acompanhando-os o surgimento de uma lógica com foco na prevenção dos acidentes de trabalho. No entanto, apesar de contar com uma legislação própria desde Decreto 3.724/1919 e apesar da criação da Justiça do Trabalho, as lides concernentes aos acidentes de trabalho seguem sob a jurisdição da justiça comum.

1. Alterações trazidas pelo Decreto nº 24.637, de 10 de Julho de 1934

Com o objetivo de estabelecer "novos moldes as obrigações resultantes dos accidentes do trabalho", é publicado o Decreto nº 24.637 em 10 de Julho de 1934. No seu artigo 1º são observadas mudanças em relação à definição de acidente de trabalho e doenças profissionais, como a exclusão expressa do acidente in itinere, quando o transporte não fosse fornecido pelo empregador.

A indenização devida em caso de Incapacidade Parcial e Permanente seria fixada em percentual que variava entre 5 e 80% daquela que teria direito o segurado em caso de Incapacidade Total e Permanente, conforme tabela que deveria ser expedida pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (“tendo em vista a natureza da lesão, a idade e a profissão da vítima), determinação que teve seu cumprimento através do Decreto n.º 86, de 14 de março de 1935. Bastante detalhada, a listagem estabelecia maior peso às lesões em membros superiores dominantes e não mais considerava a simples distinção entre membros esquerdos e direitos, como ocorria no Decreto n.º 13.498/1919. Preservava-se a responsabilidade da vítima de acidente de trabalho para com a sua recuperação, permitindo-lhe questionar o tratamento que lhe fora oferecido.

Outra atribuição destinada ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, foi a elaboração de "relação das doenças profissionais inerentes ou peculiares a determinados ramos de atividade", a ser revista trienalmente.

Apesar da existência do Ministério do Trabalho [1], a autoridade policial ainda era a que deveria ser notificada em caso de acidente de trabalho. Privilegiava-se o acordo entre as partes e, em caso de procedimento judicial, o trabalhador teria isenção de custas, com a possibilidade de revisão da sentença no prazo de dois anos. A perícia médica seria de incumbência de médicos ditos oficiais, preferencialmente legistas, e, na falta desses, "por quaisquer médicos diplomados".

Permaneceu vedado o desconto de qualquer parcela dos salários dos empregados para a cobertura acidentária, o Estado passou a atuar como agente garantidor opcional do seguro, modelo que virá a ser o prevalente com o passar do tempo, e surge o conceito de taxação conforme o risco inerente à atividade, lógica hoje aplicado ao Fator Acidentário Previdenciário (art. 10, Lei 10.666, de 08 de maio de 2003).

2. CLT - Decreto-Lei n.º 5.452, de 01 de maio de 1943

Aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), firma-se a competência da Justiça do Trabalho para a resolução dos litígios trabalhistas (artigo 643, caput), conforme previsto no artigo 122 da Carta Magna de 1934, por iniciativa do Deputado Abelardo Marinho [2], passando o direito comum a servir-lhe como fonte subsidiária (artigo 8º, parágrafo único, CLT), com inquestionável estabelecimento de normas protetivas à saúde do trabalhador. Porém, os litígios decorrentes do acidente de trabalho "continuam sujeitas à justiça ordinária, na forma do decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subsequente" (artigo 642, § 2º, CLT).

3. Decreto-lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944

Mais um dispositivo legal publicado com a intenção de reformar a legislação que tratava dos acidentes de trabalho, esse Decreto mantém as restrições já apontados pelo Decreto nº 24.637/1934 quanto ao acidente in itinere, excepcionando os casos em que “a locomoção do empregado se fizer necessàriamente por vias e meios que ofereçam reais perigos, a que não esteja sujeito o público em geral”.

Mantém-se a responsabilidade e responsabilização do empregado vítima de acidente de trabalho com relação ao seu tratamento, ficando desobrigado a submeter-se a procedimentos, inclusive cirúrgicos, que pudessem gerar risco de agravamento de sua condição, devendo ser o caso avaliado por junta médica, previsão semelhante àquela trazida pelo caput do artigo 101, Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. A condição de Incapacidade Parcial e Permanente sofre alterações em seus parâmetros, sendo indenizável em percentuais que passaram a variar entre 3 e 80% do valor correspondente à Incapacidade Total e Permanente e a incapacidade temporária indenizável passou a ser exclusivamente aquela de caráter total.

Mantida a indenização na forma de parcela única, ficou vedado o desconto de parcelas percebidas em função de incapacidade temporária, quando essa passasse a ser considerada permanente, total ou parcial. A comunicação do acidente passou a ser devida à autoridade judicial competente, “o Juiz Cível do local onde se verificar o acidente” e à autoridade policial somente em caso de morte. A via preferencial de solução seguia sendo o acordo e a homologação judicial necessária somente em casos de morte ou incapacidade permanente.

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Tratando de medidas preventivas, o Decreto traz o termo ordens de serviço, assim entre aspas, determinação que seria posteriormente regulamentada pela Norma Regulamentar n.º 1 (NR1), em cumprimento à previsão do artigo 157, II (incluído pela Lei n.º 6.514/1977), da CLT. O Decreto tratou ainda da readaptação profissional do acidentado e isentou o empregador de responsabilidade subsidiária com relação à garantia de que a indenização devida fosse efetivamente paga ao trabalhador, mas passou a seguradora a ter direto de ação regressiva contra o empregador, ficando claro o objetivo de privilegiar-se a prevenção do acidente.

O seguro contra acidente de trabalho passou a ser obrigatório, devendo ser realizado junto à instituição previdenciária a qual estivesse filiado o trabalhador, conforme alteração trazida pela Lei nº 599-A/1948, prevendo-se uma transição obrigatória até 01 de janeiro de 1954, quando essas entidades passariam a operar o seguro contra acidente de trabalho de forma exclusiva. Ficava estabelecida a isenção tributária sobre as indenizações percebidas pelo trabalhador ou seus beneficiários.

Conclusão

A complexidade do tema Auxílio-Acidente demanda uma exposição detalhada e daí a opção por fazê-la através de uma série de artigos, sendo exposto nesse segundo número a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, da Justiça do Trabalho e de uma lógica com foco na prevenção dos acidentes de trabalho

Referências

[1] - FGV CPDOC. Anos de Incerteza (1930 - 1937) > Ministério do Trabalho. Disponível em http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/PoliticaSocial/MinisterioTrabalho. Consultado em 22 de novembro de 2017

[2] - STEINKE, Adriane Lemos. O surgimento dos primeiros órgãos da Justiça do Trabalho no mundo. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5018, consultado em 16 de setembro de 2017.

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Sobre o autor
Marco Antonio Veloso

Médico, Bacharel em Direito, Perito Médico Previdenciário, Perito Médico Legal, Perito Médico Judicial, cumpriu programa de Residência Médica em Cirurgia Geral, cursou especialização em Medicina do Trabalho e em Auditoria Médica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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