O presente artigo busca esclarecer as razões do veto presidencial do § 3º do art. 9º, que considerava de natureza policial a atividade exercida pelos agentes penitenciários, igualmente o veto ao art. 44, que considerava de natureza policial para fins de tempo de serviço, além dos profissionais referidos no caput e nos parágrafos do art. 144, também os integrantes dos quadros efetivos da perícia oficial de natureza criminal e agentes penitenciários, ambos da Lei 13.675/2018.
A Lei 13.675/2018 foi sancionada em 11 de junho de 2018, cria o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS). Entretanto, a rigidez constitucional impera em detrimento da modernização e avançado da Segurança Pública e do próprio Susp.
O objetivo do Susp é integrar os órgãos de segurança pública, como as Polícias Federal, Rodoviária Federal e estaduais, as secretarias de segurança, guardas municipais, agentes penitenciários, agentes de trânsito, entre outros, para que atuem de forma conjunta, coordenada, sistêmica e harmônica.
A Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) prevista para durar dez anos, tem como ponto de partida a atuação conjunta dos órgãos de segurança e defesa social da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, em articulação com a sociedade.
Basicamente, o Susp realizará o tão necessário intercâmbio de informações entre os órgãos de segurança pública com apoio orçamentário e sistêmico da União, que durante todos esses anos, ficou de fora, deixando a segurança pública sob a responsabilidade exclusiva dos Estados.
O novo sistema de segurança será coordenado e gerido pelo Ministério Extraordinário de Segurança Pública. Em cada região do país será instalado um centro integrado de inteligência regional, cujas informações serão centralizadas em uma unidade nacional em Brasília. Para tudo isso acontecer, será necessário decreto federal regulamentando o funcionamento e função de cada órgão.
O Art. 9º, § 2º da referida lei elenca taxativamente os integrantes operacionais do Susp que é composto pelos órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal, e reconhece também como órgãos de Segurança Pública os agentes penitenciários, as guardas municipais e portuárias e os agentes de trânsito.
Para ser sancionada, o presidente Michel Temer vetou alguns pontos do projeto de lei aprovado pelo Senado. Contudo, apesar do que circula na mídia, o veto presidencial não é de ordem política, mas sim de ordem jurídica e esbarra diretamente na Constituição Federal.
Um dos vetos a ser analisado nesta pesquisa está previsto no § 3º do art. 9º, in verbis:
"§ 3º Considera-se de natureza policial a atividade exercida pelos agentes penitenciários."
Os Ministérios da Justiça, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e a AGU opinaram pelo veto, justificando para tanto, o seguinte julgamento do STF de 1992:
"Nos termos de decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 236, julgada em 7-5-1992, plenário, DJ de 1-6-2001), a atividade de vigilância intramuros nos estabelecimentos penais não possui natureza policial. Assim, qualquer alteração infraconstitucional tendente a configurar o exercício das atribuições de agente penitenciário como atividade policial estará eivada de vício de constitucionalidade, em conformidade com o art. 144 da Constituição. Além disso, os serviços penais de atenção à pessoa privada de liberdade exigem políticas e instrumentos que não se confundem com a segurança estrita."
A ADI 236 julgada em 07 de maio de 1992 não reconheceu a atividade de agente de segurança penitenciário como de natureza policial, por uma questão simples: O Sistema Prisional não está elencado no rol taxativo de órgãos de segurança pública do Art. 144 da CF.
Antes de continuar com a analise da justificativa do veto, passaremos a analisar a justificativa do veto do Art. 44, que também esbarra no mesmo princípio.
O artigo vetado é o Art. 44, in verbis:
"Art. 44. É considerado de natureza policial e de bombeiro militar o tempo de serviço prestado pelos profissionais referidos no caput e nos parágrafos do art. 144 da Constituição Federal, pelos integrantes dos quadros efetivos da perícia oficial de natureza criminal e pelos agentes penitenciários, em todas as suas atividades, inclusive em exercício no Ministério Extraordinário da Segurança Pública e em cargos em comissão ou funções de confiança em órgãos integrantes do Susp, vinculados à atividade fim descrita no art. 144 da Constituição Federal."
Os Ministérios da Justiça, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Fazenda opinaram pelo veto, justificando para tanto, o seguinte argumento:
"O dispositivo contempla potencial aumento de despesa, especialmente de benefícios previdenciários, ao considerar como de natureza policial, para fins de tempo de serviço, atividades não inseridas constitucionalmente no rol de órgãos que exercem a segurança pública. Nesse sentido, diversas decisões do STF reconhecem a inconstitucionalidade da pretensão de inclusão de outras categorias como integrantes dos órgãos de segurança pública. Ademais, o dispositivo infringe o parágrafo 4º do artigo 40 da Constituição em razão da reserva legal à lei complementar quanto a requisitos e critérios diferenciados para concessão de aposentadoria de servidores que exerçam atividade de risco."
Na mesma linha de raciocínio, o artigo foi vetado por que o Sistema Prisional e as guardas municipais não estão inseridos no rol de órgãos que exercem atividade de segurança público do Art. 144 da CF. Justificaram também potencial aumento de despesa, pois o artigo garantiria aposentadoria especial para aqueles órgãos de segurança pública que ainda não são reconhecidos pela constituição brasileira, quais sejam, agentes penitenciários e guardas municipais, contrariando a recente decisão do STF no MI 6440/2018.
A existência e rol taxativo dos órgãos policiais brasileiros estão rigidamente elencados no Art. 144 da CR/88. A Lei Maior é enfática no delineamento das atribuições de cada órgão policial, não podendo, lei infraconstitucional, atribuir a qualquer dos órgãos, funções atípicas das encontradas atualmente nos parágrafos do Art. 144.
Isto é, atualmente, não há amparo jurídico disponível que reconheça a atividade dos agentes penitenciários como de natureza policial. A mudança só será possível se houver uma inovação na ordem jurídica constitucional, ou seja, a aprovação da PEC 308/2014, que cria a Polícia Penal. Outras PEC também propõem mudanças simulares, como a PEC 14/2016 e PEC 372/2017. Isso significa que o sistema prisional brasileiro irá compor o rol taxativo no Art. 144 da CR/88, além de atribuir todas as prerrogativas de poder da polícia, transformando agentes penitenciários em policiais penais ou policiais prisionais, pouco importando o termo a ser usado.
Os Estados que se dispõem a mudar e modernizar-se, valorizando os agentes penitenciários, não conseguem ir além de alguns passos tímidos, porque a CR/88 impôs um formato único, inflexível, reconhecidamente ineficaz e irracional.
A CF/88, vigente há 30 anos, ainda apresenta, segundo Júnior et al. (2011, p. 2), “sérias disfunções, em razão da falta de solução de continuidade no processo de atuação operacional junto à sociedade”.
A CF/88 foi emendada 99 vezes desde sua promulgação. Celso Ribeiro Bastos (1999) assevera que "a razão da necessidade de reforma da Constituição a todo o tempo, inclusive para a implementação de planos de governo, é razoavelmente simples. O constituinte de 1988 quis inserir no seu texto muitas matérias legislativas, de maneira a tornar o seu sistema rígido e se prevenir de golpes e desmandos administrativos." Tal medida tem uma consequência grave: sua constante reforma.
Aliás, acrescenta o autor "este impasse causa graves prejuízos à população e ao Estado, que estão visivelmente em crise, diante das distorções causadas pelos privilégios e contradições que a Constituição estabeleceu e "engessou" no ordenamento jurídico pátrio” (BASTOS, 1999).
Nosso constituinte originário deveria ter-se atentado ao clamor social e nas mudanças sociais ao longo dos anos, apresentando uma constituição mais enxuta e objetiva. Sobre isso, Groff (2006, p. 7), assevera que “o ideal, no nosso ponto de vista, seria ter uma Constituição moderna e avançada, [...], mas que não fosse demasiado extensa. Porém, a realidade é que a Constituição de 1988 é demasiadamente extensa [...].”
Groff explica ainda que:
“Quando a Assembléia Nacional Constituinte elabora e promulga uma nova Constituição, tem ciência de que ela vai ser aperfeiçoada com o passar do tempo. Isso porque nenhuma norma é perfeita, mesmo no momento da sua promulgação, e, com o passar do tempo, deve-se ajustar às novas necessidades da sociedade. Desse modo, os próprios textos das Constituições preveem a possibilidade de suas alterações” (2006, p. 10-11).
Assim, Bastos (1999) conclui que “não se pode admitir que a Constituição brasileira fique atrasada e aprisione o desenvolvimento em virtude de uma fragilidade política de determinada época.”
Groff (2006, p. 11) faz um alerta, ensinado que é:
“[...] necessário alterar a Constituição para que a Constituição jurídica e a Constituição real, segundo a diferenciação realizada por Lassalle (1998, p. 47), não se distanciem, e se possa manter a efetividade (eficácia social) da Constituição. A adequação à realidade também é condição para a eficácia (jurídica) da Constituição, para que ela possa ter força normativa (HESSE, 1991, p. 16).”
Portanto, a rigidez constitucional é um entrave para a necessária modernização do Sistema de Segurança Pública brasileiro.
É de se reconhecer que a visão do Sistema Prisional em 1992, ocasião do julgamento da ADI 236, é absurdamente diferente da realidade em que vivenciamos hoje, por diversos fatores, no início da década de 90, o sistema prisional era praticamente inexistente. Não existiam presídios federais como hoje. Nos Estados, 98% da custódia de presos era da responsabilidade da Polícia Civil em que reclusos cumpriam pena em cadeias públicas sem infraestruturas e em condições precárias. Os carcereiros como eram reconhecidos, geralmente contratados pela prefeitura para cuidar da carceragem nas delegacias da Polícia Civil, nada tem a ver com a classe de Agente Penitenciários da atualidade.
O crime não era organizado e não existiam ORCRIM transnacionais como o PCC, FDN, etc. Não existia procedimento operacional padrão para o exercício das atividades de custódia e atendimento ao preso. Eram desprovidos de treinamentos e capacitação, equipamentos e materiais bélicos, recursos humanos, viaturas e não possuíam carreia instituída por lei.
Certamente o julgamento da ADI 236 naquele tempo foi acertada. Entretanto, hodiernamente, a realidade social é completamente diferente, e por isso decisões jurídicas tomadas quase três décadas atrás não ganha guarida atualmente.
Em muitos estados, a classe de Agentes Penitenciários é a segunda maior força armada do estado, perdendo somente para a Polícia Militar. A responsabilidade pela custódia de presos é das secretarias de administração prisional ou secretarias congêneres criadas para tal finalidade. Hoje em dia, a categoria possui porte de arma de fogo, carreira prevista em lei, o Sistema Prisional possui Assessorias de Inteligência de alto nível, Grupo Tático para intervenção e controle de distúrbio para manter a ordem e garantir segurança pública e Grupo Tático de Escolta altamente treinados. Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul registram ocorrências de crimes, apreensões de ilícitos, etc. através de REDS – Registro de Eventos de Defesa Social, modernizando e profissionalizando ainda mais o sistema, mudança que resulta em economia, evitando o deslocamento e o empenho de policiais militares para fazer os registros.
Rotineiramente, agentes penitenciários de todo o país lidam com membros de facções criminosas da mais alta periculosidade, membros esses que possuem ligação direta com o narcotráfico internacional e tentam, a todo custo, criar um estado paramilitar, impondo regras e normas próprias em benefício do crime.
Entretanto, apesar de realizar toda a atividade típica de polícia, a indefinição jurídica e a falta de vontade política para reconhecer a importância do Sistema Prisional no cenário brasileiro, acarreta ineficiência para a própria segurança pública, principalmente para o Sistema Prisional.
Por um lado, o Susp não reconhece a atividade de agentes penitenciários como de natureza policial, por outro, a atividade de agentes penitenciários é considerada como serviço essencial, pela Lei das Greves (Lei nº 7.783/89 que regulamenta o art. 9º da CF/88), por se tratar de uma profissão necessidade inadiável da comunidade, que, se não atendida, coloca em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Também é tida como atividade de segurança pública nacional conforme o art. 3º, IV, da Lei Federal nº 11.473/2007. Por fim, o próprio STF garantiu o direito de aposentadoria especial a agentes penitenciários, no julgamento do Mandado de Injunção 6440 (MI 6440) de 03 de maio de 2018, autorizando a concessão do benefício à categoria, na fala do Ministro Alexandre de Moraes, "aplicando, no que couber, os termos da LC 51/85”, que dispõe sobre o regime de aposentadoria do servidor público policial, contradizendo o veto do Art. 44 do Susp.
O Sistema Prisional, sobretudo neste momento, deve unir força para cobrar, após o término da intervenção militar no RJ, pela aprovação de uma das PEC 308/2014, PEC 14/2016 e PEC 372/2017 que cria a Polícia Penal.
Trata-se, para tanto, de mero formalismo jurídico, pois os Agentes Penitenciários já exercem, com louvor, atividade de natureza policial.
Referências:
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