6 – Conclusão
Fica evidente, portanto, que os processos constitucionais nos Estados Unidos e no Brasil guardam intrínsecas peculiaridades que possibilitam a extração de importantes paralelos que visam enriquecer o conhecimento e a prática constitucional de ambos os países. De fato, enquanto o contexto que serviu de força motriz ao período constitucional nos Estados Unidos indicava ruptura com a tradição inglesa em prol das práticas locais, os países latino-americanos, aqui representados pelo Brasil, houveram de lidar, centenas de anos mais tarde, não apenas com as heranças coloniais ainda presentes e experiências regionais pouco sucedidas ou corrompidas, mas também com históricos de transições entre períodos de prosperidade e decadência democráticas. Os Estados Unidos, por outro lado, apesar do revezamento de ciclos conservadores e liberais no poder[13], gozaram ao longo da sua história, a princípio, de vantajosa estabilidade democrática. Paradoxalmente, no entanto, são justamente os aprendizados com a colonização britânica que imprimem no inaugural sistema constitucional americano suas principais inovações: desde o apreço pela supremacia do legislativo até o embrionário motivo das práticas de justice review.
Enquanto a experiência da Convenção da Filadélfia, apesar de caótica, serviu de referência de compromisso bilateral em todo mundo, a Constituinte de 87 também merece crédito pelos esforços da sociedade civil e sua tentativa de impedir que o reestabelecimento da democracia partisse unilateralmente das elites, num movimento de continuidade do regime militar. A diversidade de grupos e atores envolvidos e o pluripartidarismo definitivamente apresenta um desafio adicional em relação ao que os fouding fathers tiveram de enfrentar ainda no século XVIII, visto que os dois grandes partidos só se estabeleceriam no século seguinte, a partir de alianças duradouras realizadas no Congresso.
Contextos tão distintos explicam a grandiosa falha na tentativa de meramente importar as instituições e estruturas de governo norte-americanas, como fez a Constituição brasileira de 1861, num intuito de romper com a monarquia, pois mesmo a mera reprodução de uma constituição estrangeira fez surgir indistinguíveis qualidades para atender às necessidades do nosso ambiente. Por ser a constituição fruto de seu local e tempo, como alertou Paixão, é por vezes fácil se deixar levar por posturas fechadas como a do Justice Scalia, citada na introdução deste artigo. Contudo, a conjuntura inaugural, nos Estados Unidos, de uma nova concepção liberal constitucional, e no Brasil e na América Latina, de um novo paradigma de Estado pós-social na redemocratização, são capazes de fomentar inspirações mútuas, e chamar atenção para experiências outliers em relação à hegemonia norte-americana.
Notas
[1] JACKSON, Vicki C. Constitutional Comparisons: Convergence, Resistance, Engagement. Havard Law Review, v. 119, p. 109-128, 2006, p. 112;
[2] PAIXÃO, Cristiano. História constitucional inglesa e norte-americana: do surgimento à estabilização da forma constitucional. Brasília: Universidade de Brasília, 2008, p. 91;
[3] ACKERMAN, Bruce. Ascenção do Constitucionalismo Mundial. In: SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Carlos Pereira de (Orgs.). Constitucionalização do Direito, Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Lumen Juris, 2006, p. 89;
[4] PAIXÃO, Cristiano. História constitucional inglesa e norte-americana: do surgimento à estabilização da forma constitucional. Brasília: Universidade de Brasília, 2008, p. 94;
[5] PAIXÃO, 2008, p. 94 e 95;
[6] Ibidem, p. 100;
[7] Ibidem, p. 110;
[8] São estes os principais motivos listados por Jack Greene que levaram a mudança da postura da metrópole em relação às colônias na América do Norte. Ibidem, p. 103;
[9] MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A reforma partidária de 1979-1980 e o quadro atual, em: Introdução à história dos partidos brasileiros. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008;
[10] BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. Mudança constitucional, autoritarismo e democracia no Brasil pós -1964. 2009. 409 f. Tese (Doutorado em Direito)-Universidade de Brasília, Brasília, 2009, p. 145;
[11] BARBOSA, 2009, p. 239;
[12] SANTOS, Paula de Souza. As influências da Constituição Federal de 1988: os aspectos extraídos das Constituições Americana, Francesa e Alemã que guiaram os constituintes na formulação da atual Carta Magna brasileira. XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis. 2015;
[13] SCHLESINGER JR., Arthur Meier. Os Ciclos da História Americana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.