Analisa-se a legalidade da prisão preventiva do então presidente da República Michel Temer, bem como aspectos da prisão cautelar, à luz das convenções internacionais contra a corrupção e dos precedentes do STF e STJ.
A PRISÃO CAUTELAR
Inicialmente, cumpre registrar que este articulista não faz parte da força-tarefa do Ministério Público Federal, emitindo suas opiniões, com fundamento em convicções jurídicas, e o faz para fins de debate acadêmico.
A prisão cautelar se constitui em um gênero, do qual a prisão preventiva representa uma espécie. Os fundamentos estão previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, e envolve a garantia de resguardar a ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal, ordem econômica, entre outros.
Trata-se de uma prisão processual, uma vez que não é ainda a punição imposta ao indivíduo, e sim uma medida cautelar restritiva de liberdade, determinada pelo Juiz em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, com fundamento em elementos concretos para a segregação do indivíduo envolvido.
No dia 21/03/2019, foi noticiada a prisão do então presidente Michel Temer, e os fatos repercutiram na imprensa nacional e internacional.
Com efeito, a prisão foi decretada para fins de garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, haja vista os indícios de que o então presidente estaria sendo investigado por atos concretos de corrupção, envolvendo obstrução da justiça, e um trabalho de destruição e ocultação de provas.
AS CONVENÇÕES CONTRA A CORRUPÇÃO NO BRASIL
A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção foi promulgada no direito brasileiro por intermédio do Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. No preâmbulo, foi declarada a preocupação mundial ‘com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção, para a estabilidade e a segurança das sociedades, ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito’.
Já a Convenção Interamericana contra a corrupção, promulgada pelo Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002, assentou o entendimento comum dos Países de nosso continente, no sentido de que “a corrupção solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos.”
A DECISÃO QUE DECRETOU A PREVENTIVA DE TEMER:
O juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro fundamentou sua decisão no fato de que o ex- presidente lidera uma organização criminosa (ORCRIM), e que seu papel tem fundamental importância na reiteração de condutas ilícitas relativas à corrupção, envolvendo órgãos públicos e empresas estatais, em atos de corrupção ativa, passiva, fraude a licitação, entre outros delitos.
Diante disso, sua prisão teria relevância para evitar a reiteração dos fatos criminosos, envolvendo cifras milionárias, em detrimento de uma sociedade que já não suporta a continuidade de atos lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa, cujas ilegalidades infelizmente ainda preponderam nas esferas federal, estadual e Municipal, sendo relevante trazer à colação o seguinte excerto:
“...Já o Inquérito 4621/STF trata da organização criminosa existente entre empresários do setor portuário e agentes públicos. Assim a denúncia dos Portos cuida de recebimento de delito de corrupção e organização criminosa, contando, dentre outros, com MICHEL TEMER figurando como chefe da ORCRIM, recebendo montante diretamente ou via ARGEPLAN, desde o final dos anos 90. Nessa linha, CORONEL LIMA foi identificado como operador financeiro do ex-presidente e CARLOS ALBERTO COSTA, auxiliando na operacionalização dos negócios ilícitos. Concluída a individualização de cada fato, bem como demonstrada a provável interligação entre os sujeitos, reafirmo, pois, o que venho asseverando nas operações anteriores, ao que tudo indica, se está diante de uma organização criminosa bem estruturada e com real definição de funções para cada agente. Não existe, por ora, nenhum indício de que os requeridos estariam recolhendo valores para financiamento de campanhas políticas. Pelo contrário, são apresentadas várias evidências de que foi instaurada uma gigantesca organização criminosa em nosso país, cujo único propósito é recolher parte dos valores pagos em contratos públicos e dividi-los entre os participantes do esquema. A lavagem do dinheiro ilicitamente recebido na reforma do imóvel de Maristela Temer seria exemplo eloquente da utilização pessoal da propina recebida. A partir da autoridade que é própria dos maiores cargos de nossa República, com possibilidade de nomear diretores de órgãos e empresas responsáveis por contratos públicos de muitos milhões de reais, parece que os objetivos de alguns agentes públicos, JFRJ Fls 5222 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a MARCELO DA COSTA BRETAS. Documento No: 80965230-94-0-5186-46-625386 - consulta à autenticidade do documento através do site http://www.jfrj.jus.br/autenticidade . 38 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU Seção Judiciária do Rio de Janeiro 7ª Vara Federal Criminal Av. Venezuela, n° 134, 4° andar – Praça Mauá/RJ Telefones: 3218-7974/7973 – Fax: 3218-7972 E-mail: [email protected] como os que aqui são referidos, sempre foi o saque do dinheiro público, a lavagem dos recursos ilicitamente obtidos e a distribuição entre os membros dessa ORCRIM É importante que se tenha em mente que um dos representados, MICHEL TEMER, professor renomado de Direito e parlamentar muito honrado com várias eleições para a Câmara Federal, era à época o Vice-Presidente da República do Brasil. Recentemente, inclusive, ocupou a Presidência de nosso país. Daí o relevo que deve ser dado à análise de seu comportamento, pois diante de tamanha autoridade é igualmente elevada a sua responsabilidade. As evidências já transcritas dão conta de inúmeros atos ilícitos perpetrados com grande proveito financeiro em favor de um mesmo grupo de profissionais. Aliás, pouco importa se se trata de grupo de políticos, jogadores ou torcedores de um determinado clube esportivo. O fato é que, em análise ainda preliminar e a partir dos elementos apresentados nos autos pelos investigadores da Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e material colhido até mesmo perante o egrégio Supremo Tribunal Federal, os investigados parecem ter se associado e, valendo-se da autoridade eventualmente exercida no Poder Executivo da União, ou de sua proximidade, criaram vários mecanismos para saquear recursos públicos federais, o que de fato parecem ter feito. Por sua posição hierárquica como Vice-Presidente ou como Presidente da República do Brasil (até recente 31/12/2018), e a própria atitude de chancelar negociações do investigado LIMA o qual seria, em suas próprias palavras, a pessoa “apta a tratar de qualquer tema”, é convincente a conclusão ministerial de que MICHEL TEMER é o líder da organização criminosa a que me referi, e o principal responsável pelos atos de corrupção aqui descritos”...” ( https://www.jota.info/wpcontent/uploads/2019/03/16f5559352cfbdfdd0634f1efc443638.pdf)
No que se refere ao fundamento da garantia da ordem pública, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que esta envolve a necessidade de assegurar a credibilidade das instituições públicas (concretamente atingida), no sentido da adoção de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas para impedir a reiteração das práticas criminosas, envolvendo atos de dilapidação do patrimônio público, que ocasionem graves danos à sociedade, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente.
Nesse sentido, trazemos à colação as seguintes ementas de decisões:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO FUNDAMENTADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. Possível constrangimento ilegal sofrido pelo paciente devido à ausência dos requisitos autorizadores para a decretação de sua prisão preventiva. 2. Diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a manutenção da custódia cautelar se justifica para a garantia da ordem pública e para conveniência da instrução criminal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Como já decidiu esta Corte, "a garantia da ordem pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos" (HC 84.658/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005), além de se caracterizar "pelo perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da segregação" (HC 90.398/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/05/2007). Outrossim, "a garantia da ordem pública é representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas criminosas, como se verifica no caso sob julgamento. A garantia da ordem pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade das instituições públicas quanto à visibilidade e transparência de políticas públicas de persecução criminal" (HC 98.143, de minha relatoria, DJ 27-06-2008). 4. O pressuposto de garantir a instrução criminal se concretizou devido à constatação do fundado temor que a vítima apresenta caso o paciente venha a ser colocado em liberdade, recordando-se que a hipótese é de competência do tribunal do júri, caso em que poderá haver produção de prova oral durante a sessão de julgamento. 5. Recurso ordinário em habeas corpus não provido. 6. Agravo regimental prejudicado (STF, RHC 97449/RJ, 2ª Turma, Rel. Ellen Gracie, 09/06/2009)
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE EX-POLICIAL MILITAR DO ESTADO DO MARANHÃO. PRONÚNCIA PELA PRÁTICA, DURANTE O TRABALHO, DOS CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO, CÁRCERE PRIVADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER, COMETIDOS CONTRA VÍTIMA QUE SERIA TRAFICANTE DE DROGAS. DELITOS PRATICADOS EM CONCURSO COM OUTROS POLICIAIS. PACIENTE CUJO MISTER TINHA POR FINALIDADE GARANTIR A SEGURANÇA DE TODOS OS CIDADÃOS, INDISTINTAMENTE, INCLUSIVE DE SUPOSTOS CRIMINOSOS. AFRONTA ÀS INSTITUIÇÕES ESTATAIS. PRISÃO PREVENTIVA SOBEJAMENTE FUNDAMENTADA NA NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. 1. Paciente que, quando do cometimento do delito, ocupava o cargo de Policial Militar Estadual, profissão que tem por finalidade garantir a segurança de todos os cidadãos, indistintamente, inclusive a de supostos criminosos. 2. A manutenção da custódia preventiva do Paciente encontra-se suficientemente fundamentada, em face das circunstâncias do caso que, pelas características delineadas, retratam, in concreto, a periculosidade do agente, a indicar a necessidade de sua segregação para a garantia da ordem pública, em se considerando, sobretudo, o modus operandi dos delitos, o que demonstra, com clareza, a perniciosidade da ação ao meio social. 3. O princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade é um dos mais importantes na Carta Magna, porque protege o cidadão de bem contra o abuso e a arbitrariedade da repressão Estatal. No entanto, não se pode usá-lo como escudo intransponível para evitar a adoção de medidas cautelares necessárias ao resgate da higidez das instituições públicas e da ordem social, quando há elementos concretos de que ex-policiais militares estaduais tenham cometido crimes de tamanha repercussão. 4. Feito juízo de valor estabelecido entre interesses postos em conflito, sobreleva muito acima a necessidade de pronta resposta estatal para o resguardo da ordem pública, frontalmente ameaçada com prática de crimes dessa magnitude por agentes estatais, o que demonstra forma de agir atentatória às instituições que dão suporte à existência de um Estado Democrático de Direito. Não existe, pois, ilegalidade no decreto de prisão preventiva, que se tem por devidamente fundamentado. 5. "Há justa causa no decreto de prisão preventiva para garantia da ordem pública, quando o agente se revela propenso a prática delituosa, demonstrando menosprezo pelas normas penais. Nesse caso, a não decretação da prisão pode representar indesejável sensação de impunidade, que incentiva o cometimento de crimes e abala a credibilidade do Poder Judiciário" (STF - HC 83.868/AM, Tribunal Pleno, Rel. p/ Acórdão: Min. ELLEN GRACIE, DJe de 17/04/2009.) 6. Apenas acrescente-se que a alegação de que não possui mais o Paciente a condição de "garante" em nada influencia a controvérsia, por estarem configurados os requisitos da prisão processual, em razão da garantia da ordem pública. 7. Ordem denegada, com recomendação de urgência na conclusão do feito ( STJ, 5ª Turma, HC 199686, Rel. Laurita Vaz, DJE 19/12/2011)
HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA, CONTRABANDO E TRANSPORTE ILEGAL DE AGROTÓXICOS (ARTS. 288 E 334 DO CPB E ART. 15 DA LEI 7.802/89). PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE QUE SUPOSTAMENTE GERENCIA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VOLTADA PARA A PRÁTICA PROFISSIONALIZADA NO CONTRABANDO DE AGROTÓXICOS. NOTÍCIA DE REGISTRO CRIMINAL ANTERIOR. CONCRETA POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PARECER PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Sendo induvidosa a ocorrência do crime e presentes suficientes indícios de autoria, não há ilegalidade na decisão que determina a custódia cautelar do paciente, se presentes os temores receados pelo art. 312 do CPP. 2. In casu, a segregação provisória foi mantida pelo Tribunal a quo para garantir a ordem pública, uma vez que o paciente supostamente integra e gerencia organização criminosa voltada para a prática profissionalizada de contrabando de agrotóxicos, indicando, pois, concreta possibilidade de reiteração criminosa. 3. A preservação da ordem pública não se restringe às medidas preventivas da irrupção de conflitos e tumultos, mas abrange também a promoção daquelas providências de resguardo à integridade das instituições, à sua credibilidade social e ao aumento da confiança da população nos mecanismos oficiais de repressão às diversas formas de delinquência. 4. Eventuais condições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, se há nos autos elementos hábeis a recomendar a sua manutenção, como se verifica no caso em tela. Precedente do STF. 5. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial (STJ, HC- 142526, 5ª Turma, Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 15/03/2010)
De outro lado, o STF já decidiu que a necessidade de evitar (no caso concreto) a reiteração do crime seria suficiente para resguardar o meio social, legitimando o decreto cautelar de prisão, in verbis:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CORRUPÇÃO ATIVA. USO DE DOCUMENTO FALSO. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. GRAVIDADE EM CONCRETO DOS CRIMES. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL E QUE TEVE OS FUNDAMENTOS DA PRISÃO CAUTELAR CONVALIDADOS NA SENTENÇA. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. “A custódia preventiva visando à garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal, legitima-se quando presente a necessidade de acautelar-se o meio social ante a concreta possibilidade de reiteração criminosa e as evidências de que, em liberdade, o agente empreenderá esforços para escapar da aplicação da lei penal” (HC 109.723, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJ de 27.0612). No mesmo sentido: HC 106.816, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 20/06/2011; HC 104.608, Primeira Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 1º/09/2011; HC 106.702, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 27/05/2011. 2. A periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi, e a gravidade em concreto do crime constituem motivação idônea para a manutenção da custódia cautelar. Precedentes: HC 113.793, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 28/05/2013; HC 110.902, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 03/05/2013; HC 112.738, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Dje de 21/11/2012; HC 111.058, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 12/12/2012; HC 108.201, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30/05/2012. 3. O magistrado de primeira instância negou o apelo em liberdade de forma fundamentada, conforme exigência contida no art. 387, parágrafo único, do CPP, asseverando a inalterabilidade do quadro fático que ensejou a prisão preventiva. 4. “Não há sentido lógico permitir que o réu, preso preventivamente durante toda a instrução criminal, possa aguardar o julgamento da apelação em liberdade” (HC 89.089/SP, Rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, DJ de 01/06/2007). 5. In casu, a) O recorrente foi preso em flagrante, em 19/05/2010, e condenado, em 12/12/2011, à pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes de tráfico de entorpecentes, uso de documento falso e corrupção ativa, sendo-lhe negado direito de recorrer em liberdade em face da subsistência do fundamentos da prisão cautelar. b) Conforme destacou o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, “a manutenção da segregação cautelar do paciente mostra-se necessária para a garantia da ordem pública (...), sobretudo diante do modus operandi que envolveu a empreitada criminosa, apreendendo 03 barras de cocaína com 3.040g, o que, inegavelmente, evidencia a periculosidade do acusado. Ainda, o paciente ofereceu R$10.000,00 (dez mil reais) em dinheiro, aos policiais que efetuaram sua prisão, para que fosse liberado”. c) O alvará de soltura expedido em favor do paciente foi decorrente de outro processo. Quanto à ação penal, objeto do presente recurso ordinário, não foi revogada sua prisão preventiva, sendo mantida na sentença condenatória por ainda estarem presentes os requisitos da segregação cautelar. 6. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido (STF,1ª Turma, Rel. Luiz Fux, RHC 117930, 22/10/2013).
Como se nota, analisando o decreto de prisão preventiva, percebe-se que o intuito foi o de decretar a prisão para fins de evitar a reiteração criminosa, e “estancar” a continuidade da organização criminosa orquestrada, a qual instalou um modus operandi de corrupção intensa e continuada no âmbito da Administração Pública.
Desta forma, a credibilidade do país teria sido fortemente abalada (no caso concreto), mediante envolvimento do então Chefe do Poder Executivo, traindo a confiança depositada por seus eleitores, durante o exercício do cargo por diversos anos.
Com efeito, segundo a decisão judicial, a organização criminosa teria desviado R$ 1,8 bilhões de reais, envolvendo crimes de corrupção ativa, passiva, fraudes a licitações, lavagem de dinheiro, entre outros.
Em relação às nefastas consequências e prejuízos à sociedade brasileira relativamente à continuidade dos atos vultosos de corrupção, prelecionamos, em nossa obra, o seguinte:
"... os efeitos decorrentes da corrupção, rombos orçamentários, queda da confiabilidade do país no cenário internacional, desemprego, entre outros) afetam diretamente a viabilização de direitos fundamentais à saúde, educação, e proteção da dignidade da pessoa humana, sendo necessárias medidas judiciais excepcionais e aptas a neutralizar a ação da criminalidade organizada, em razão da violação de núcleos de proteções vitais da população" (NUNES, p. 166)
Registre-se o disposto na Convenção Interamericana Contra a Corrupção (promulgada pelo Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002), preconizando o fato de que “ a corrupção solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos”.
De mais a mais, cumpre registrar que a jurisprudência nacional vem encampando a doutrina moderna relacionada ao intitulado "garantismo positivo", o qual relaciona-se com uma das facetas do princípio da proporcionalidade ligada à vedação da proteção deficiente.
Com efeito, o julgador, no caso concreto, diante da constatação de que uma organização criminosa vem causando sistematicamente efeitos nefastos a determinados núcleos de proteção de direitos fundamentais de uma "nação" (alguns arestos fazem referência à expressão " danosidade social"), deve adotar uma postura que vise proteger direitos fundamentais de uma sociedade (direito à segurança- artigo 6º da Constituição Federal) , não se restringindo exclusivamente à proteção de garantias do acusado, sob pena de menoscabar outras garantias da própria sociedade, deixando, assim, de cumprir com a denominada função social do direito (artigo 5º da LIND- Lei de introdução às normas do Direito).
Saliente-se que a decisão judicial apontou dados concretos relativos à necessidade de manutenção da prisão cautelar, qual seja, a adoção de manobras para ocultar e destruir provas da materialidade dos crimes, conforme descrito no pedido de prisão formulado pela força-tarefa da lava jato, no sentido de que "foram encontradas nas buscas e apreensões diversos documentos em imóveis, que apontam para a destruição de provas" (página 207 . Disponível em https://cdn.oantagonista.net/uploads/2019/03/CAUTELAR-TEMER-VERSAO-FINAL-1.pdf).
Não se pode olvidar que, no pedido da decretação da custódia cautelar, o MPF aduziu que o então presidente TEMER acumulou uma espécie de conta corrente de crédito originada de propina continuadamente auferida há 20 (vinte) anos, abrangendo, inclusive, créditos para recebimento futuro, comprovando, por conseguinte, a necessidade de decretação da prisão provisória para paralisar os reiterados atos de corrupção.
De mais a mais, a força tarefa do Ministério Público Federal consignou que o então presidente Michel Temer, na condição de líder da ORCRIM, dificultava, juntamente com os demais integrantes da organização, o regular andamento das investigações, uma vez que existia uma espécie de contrainteligência responsável pela destruição de provas e rastros, que resultassem no desvendamento das investigações, incluindo "assédios" a testemunhas e co-investigados, que pudessem vir a ser colaborados da justiça, mediante pagamento de propina (página 326 do pedido de medida cautelar do MPF. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/cautelar-temer-versao-final.pdf).
Por tais razões, o MM. Juízo fundamentou, com base em fatos concretos, a medida cautelar na necessidade de resguardar a conveniência da instrução criminal, em razão da incidência do requisito da contemporaneidade dos fatos legitimadores da custódia preventiva, conforme abaixo transcrito:
“...Um exemplo de como outras medidas podem ser ineficazes, no caso, é o resultado de diligências na sede da ARGEPLAN, determinadas pelo STF, no âmbito da Operação Patmos (maio/2017). Como assinalado no Relatório do IPL 4621, alguns escritórios da empresa passavam por limpeza diária, sendo os funcionários orientados a manter os ambientes vazios; além disso, o sistema de registro de imagens (CFTV) da empresa ARGEPLAN também não gravava a movimentação diária (ou eram apagadas). Este fato parece indicar que os investigados estão agindo para ocultar ou destruir provas de condutas ilícitas, o que reforça a contemporaneidade dos fatos, bem como a necessidade da medida mais gravosa...” (excerto extraído da decisão judicial do Juízo da 7ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro)
Com efeito, referida circunstância, por si só, fundamenta a decretação e manutenção da custódia cautelar, para fins de assegurar a conveniência da instrução criminal, conforme se nota do seguinte aresto:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUCEDÂNEO DO RECURSO APROPRIADO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. TENTATIVA DE DESTRUIÇÃO DE PROVAS DO CRIME. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A jurisprudência deste Superior Tribunal firmou-se no sentido de que não ocorre ilegalidade ou abuso de poder na decisão que, fundamentadamente, descreve a gravidade dos fatos delituosos imputados ao acusado e indica a necessidade da sua custódia cautelar. Na espécie, o paciente, em concurso de agentes, teria agredido a vítima com pedaços de madeira e bloco de concreto, causando-lhe a morte, segundo a narrativa constante da denúncia e do decreto prisional. 4. Consta dos autos que o acusado e seus comparsas haveriam tentado destruir provas do crime, de modo que a segregação preventiva apresenta-se necessária à conveniência da instrução criminal. 5. Habeas corpus não conhecido ( STJ, HC 345525, 5ª Turma, Rel. Ribeito Dantas, j. 15/08/2016) .
Ainda em relação ao requisito da contemporaneidade para justificar a prisão preventiva, não se pode olvidar que a Constituição Federal veda a decretação da prisão preventiva, temporária, e flagrante, do Presidente da República durante o exercício do mandato, nos termos do art. 86, §3º, in verbis:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão
Desta forma, a prisão cautelar foi decretada em período subsequente à perda do foro por prerrogativa de função, incidindo fatos atuais em continuidade a delitos gravíssimos perpetrados há muito tempo, conforme preleciona FISCHER (in "Nada a Comemorar"):
" Alguns criticam que os fatos 'mais recentes' teriam ocorrido em 2017, não sendo contemporâneos para justificar a prisão preventiva em 2019. Esquecem, porém, que, pelo art.86, §3º, da Constituição, enquanto estivesse no cargo, o presidente não poderia ser preso preventivamente. Logo, esse argumento não se sustenta, e a prisão se deu na sequência da perda do foro privilegiado (...) Reconhece ainda elementos seguros de que houve destruição de provas. Há, portanto, fatos atuais, que seriam continuação dos crimes gravíssimos praticados há muito tempo"
CONCLUSÃO
O decreto de prisão preventiva pode ser efetivado para fins de resguardar a credibilidade das instituições e evitar a reiteração da atividade criminosa, em casos de vultosos valores, envolvendo a repetição de atos de corrupção de forma continuada no âmbito da administração pública.
Além disso, a destruição, ocultação e obstrução de produção das provas são fundamentos, por si sós, suficientes para decretar a prisão preventiva, visando a resguardar a conveniência da instrução criminal.
Saliente-se que a sociedade não mais admite que a corrupção no setor público continue de forma exacerbada, sem adoção de medidas concretas de repressão e punição aos agentes, devendo incidir medidas rigorosas de efeito simbólico, assim como concretas decisões judiciais, que tenham o condão de demonstrar que a extrema gravidade dos fatos não poderão “passar em branco” perante os órgãos públicos estatais de controle e fiscalização.
Urge, portanto, a imediata releitura dos preceitos "hipergarantistas" constantes da Constituição e das Leis, em razão do contexto atual (resultante do quadro nefasto de corrupção sistêmica no Brasil), o qual tem ocasionado efeitos danosos à economia nacional (restrições orçamentárias, queda do PIB, desemprego "em massa"), demandando a incidência, conforme defendido pelo doutrinador FISCHER, de um "garantismo penal integral", que vise a tutelar direitos, não só do acusado, mas também da sociedade (direitos sociais e difusos).
Por derradeiro, a visão moderna doutrinária e jurisprudencial tem entendido que o garantismo se revela não só na proteção de direitos dos indivíduos contra eventuais arbítrios Estatais, e sim na tutela de direitos difusos (de toda uma sociedade) derivados de valores relacionados a determinado contexto histórico e social (vedação da proteção deficiente).
REFERÊNCIAS
FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico monocular) e o princípio da proporcionalidade: breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais. Disponível em http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edic.... Acesso em 22 de março/2019.
FISCHER, Douglas. Nada a Comemorar. Jornal Zero Hora. Rio Grande do Sul, 25/03/2019.
NUNES, Leandro Bastos. Evasão de Divisas( atualizado com a lava jato), Salvador: Juspodivm, 2017.