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Direito fundamental ao parto humanizado à luz da bioética feminista

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O profissional da saúde não pode impor sua vontade à parturiente sem o prévio consentimento sobre os procedimentos adotados, salvo em hipóteses de proteção à vida da paciente.

RESUMO: Este artigo se põe a analisar o direito fundamental ao parto humanizado à luz da bioética feminista, com o objetivo de compreender o fenômeno da violência obstétrica no ambiente hospitalar. Foram utilizados métodos e técnicas da pesquisa bibliográfica, levantando-se fontes que abordam a temática em diversas áreas do conhecimento, especialmente a bioética feminista. O texto apresenta uma discussão teórica sobre a prática da violência de gênero em atenção à parturiente, expondo os posicionamentos da Organização Mundial de Saúde sobre os índices de cesáreas e o modelo de assistência humanizada, da Organização das Nações Unidas sobre a erradicação de todas as formas de discriminação à mulher e do Estado brasileiro no que se refere à proteção jurídica das mulheres. Após a realização da pesquisa, conclui-se que, diante da minimização da autonomia da mulher frente ao controle do corpo feminino e das técnicas de assistência no parto, é necessário reconhecer o parto humanizado como expressão do direito fundamental à saúde da mulher, garantindo, assim, o seu direito de parir com dignidade.

Palavras Chave: Violência Obstétrica. Parturiente. Direitos das mulheres. Parto humanizado. Bioética feminista.

SUMÁRIO: Introdução; 1.0 Direitos Humanos das mulheres; 1.1 Direitos fundamentais das mulheres; 2.0 Direito à saúde e assistência à parturiente; 2.1 Assistência no parto; 2.2 Problemática da cesariana versus parto humanizado; 2.3 Normatização da assistência a parturiente; 3.0 Fenômeno da violência obstétrica no Brasil; 3.1 Conceito, característica e tipificação; 4.0 Análise da violência obstétrica à luz da bioética feminista; Considerações Finais; Referências.


INTRODUÇÃO

Após a segunda guerra mundial, o emprego de novas tecnologias e técnicas médicas, fez com que o ser humano, nesse processo de socialização, passasse a se questionar sobre a problemática ética e jurídica de temas decorrentes das relações médico-paciente, a exemplo a violações da autonomia da mulher parturiente. O emprego dessas técnicas na assistência reprodutiva trouxe o processo de mecanização do parto, e por consequência, problemas como a violência obstétrica.

Não há discussão quanto aos benefícios da medicina obstétrica, mas o emprego das melhorias técnicas propiciou a desumanização no processo do parto, haja vista o descontrole da prática indiscriminada de cesarianas como questão crucial aos índices de violência sofrida pelas parturientes. Nesta feita, a mulher passou de sujeito ativo no parto, para um simples objeto, destituída de autonomia.

Em razão desse novo evento, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a discutir sobre a violência de gênero, visto que a atuação política da sociedade civil, especificamente os movimentos feministas na luta por direitos igualitários, proporcionaram uma visibilidade do problema a toda a sociedade. Tal postura possibilitou aos Países uma maior notoriedade do índice de mulheres vítimas de violência em ambiente institucional/hospitalar.

Dessa forma, o presente artigo tem como foco apontar o direito ao parto humanizado à luz da bioética feminista, podendo em relação a sua abrangência, apresentar respostas ao fenômeno da violência obstétrica no ambiente hospitalar. A pesquisa buscará, ainda, identificar, por meio do aporte teórico desenvolvido pelos estudos sobre o tema da Bioética Feminista e os Direitos fundamentais inerentes à mulher, quais são os princípios éticos e jurídicos que devem orientar a relação entre a equipe médica e as parturientes desde o pré-natal até o pós-parto.

A construção dessa pesquisa deu-se, originalmente, em virtude de uma aproximação pessoal com a temática. Foi após o projeto “Barreiras sob enfoque criminológico[3]”, que compreendi a emergência da violência obstétrica no contexto local, pois o índice de mulheres que sofreram uma violação de seus Direitos no parto ultrapassava e muito o esperado, de maneira que dentro de minha família pude perceber casos dessa violação. Por tal fato, busquei aprofundar-me no saber técnico e jurídico sobre esse fenômeno, tornando minha experiência pessoal uma mola propulsora em busca de respostas.

Depreende-se que, a problemática encontra-se em virtude da minimização da autonomia da mulher em parir, ocasionada pela intervenção mecanizada no processo do parto.  Dessa forma, busca-se compreender de que maneira o fenômeno da violência obstétrica deve ser analisado, tendo em vista as normas jurídicas que regulamentam a assistência médica às parturientes, bem como os princípios bioéticos que devem norteá-la. Nesse sentido, em face do desrespeito aos Direitos da mulher em ambiente hospitalar, o parto humanizado apresenta-se como um direito fundamental dessas em parir com dignidade.

Assim, esse artigo busca apontar de forma objetiva para o Direito da mulher à luz da bioética feminista, propiciando a aplicação da norma e o levantamento de discussões sob a análise dos princípios desenvolvidos pela bioética sobre a tutela da dignidade humana. Serão analisadas as normas que regulamentam o parto no Brasil, desde os direitos humanos até as leis e portarias que estabelecem mecanismos de proteção à parturiente; o fenômeno da violência obstétrica e a problemática sobre os índices de cesáreas versus o parto humanizado; como também, a visão da bioética feminista sobre as questões voltadas para a violência de gênero em ambiente hospitalar. 


DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES 

Ao longo da história humana, a visão sobre o papel das mulheres na sociedade foi se moldando a partir do discurso de igualdade. A desenvoltura feminina na busca por seus direitos ganhou força e atualmente a construção da temática de igualdade dos gêneros tem sido consistente em todas as esferas da sociedade (FRANÇA; BAUNER, 2017). Nessa linha de pensamento, Tarrafa (2016, p.18) assevera que “[...] No séc. XX passou acreditar-se que os conhecimentos adquiridos como naturais, da mulher, estavam incorretos e que esta deveria ter formação profissional, registando-se assim uma mudança de prestígio da figura de mãe e de esposa”.

Tal mudança foi sendo arraigada ao longo da história moderna, tornado a visibilidade da mulher no seio social cada vez mais influente. Ainda nesse sentido, Luigi Ferrajoli (apud Gonçalves, 2011, p.60) afirma que:

Historicamente, nota-se que homens e mulheres assumiram espaços diferenciados na sociedade e que isso lhes proporcionou atuações e vivências também distintas, que foram aos poucos se traduzindo em direitos garantidos, definidos de acordo com violências que já foram anteriormente experimentadas.

A luta das mulheres por seus direitos tem sido uma trajetória incessante. Algumas conquistas foram significativas nesse percurso, quais sejam: o direito de voto, de educação, à saúde, a possibilidade de equiparação salarial e as garantias de inserçãono mercado de trabalho, contudo, não se pode afirmar que existe igualdade dos gêneros, no contexto da atualidade. Bobbio (2004, p.13) em seu discurso afirma que “O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos [...]”.

No desenvolvimento da história da humanidade a preocupação em construir um sistema que trouxesse proteção aos direitos humanos sempre ocorreu a partir de uma tragédia, haja vista o holocausto e tudo que a segunda guerra deixou de recordação. Mesmo com a Liga das Nações, que foi criada posterior à primeira guerra não houve uma proteção efetiva de tais garantias, somente após 1945 que os Direitos do homem passaram a ser almejados por todos com maior empenho (GONÇALVES, 2011). Foi o nazismo, mediante seus feitos, que incentivou a institucionalização dos direitos humanos, pois as rupturas das ações violadoras do Estado quanto ao direito, possibilitou uma reconstrução sob a valoração do sujeito enquanto detentor de direitos mínimos à sua existência.

A proposta que deu origem aos direitos humanos internacionais foi a de estabelecer limites ao homem em suas relações e principalmente ao Estado, haja vista que as violações de direitos que ocorreram em regimes ditatoriais e totalitaristas banalizaram o valor da vida humana e o seu real significado.Assim, como resposta ao momento histórico, eclodia uma transformação da visão sobre a proteção da vida humana e o seu valor.

A definição que Bobbio (2004, p.13) aponta é que, os “Direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização [...].” Já Henkin (apud Piovesan, 2013) expõe que os direitos humanos não devem ter apenas uma visão romântica de um sistema que age mediante caridade a todos que necessitam de proteção, mas deve ser uma garantia positivada e reconhecida pelo Estado como um direito, sendo respaldado pela sociedade como um todo.

Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, a propagação dos direitos humanos, bem como a manutenção da paz mundial e o desenvolvimento econômico e social, tornaram-se o principal objetivo dos Estados que integram o órgão. Santos e Pereira (2017, p.158) afirmam que “A estrutura dos Direitos Humanos no âmbito internacional abrange todas as áreas da vida do indivíduo, incluindo, desse modo, direitos civis, políticos, culturais, econômicos e sociais”.

Nesse aspecto, a ONU através de conferências, convenções, pactos, entre outros, possibilitou uma maior ampliação do compromisso internacional de garantir que esses direitos fossem respeitados por todos. Porém, tais direitos não se estendiam a todos de maneira isonômica, ou seja, as mulheres ainda estavam à margem desses.

Com a evolução dos debates internacionais ligados aos direitos das mulheres, a ONU passou a se preocupar em expandir as conferências que viessem possibilitar uma notoriedade maior dos Estados soberanos em proteger esse grupo social. 

A CEDAW surge com a proposta de combater intensamente as várias faces da discriminação social contra as mulheres, por vezes mascaradas pelo Estado, a fim de proteger seus agentes e crenças ou mitigar a desigualdade entre os Direitos.

A Convenção fornece fundamentos para estabelecer a igualdade entre mulheres e homens, assegurando ao segmento feminino igual acesso e oportunidades na vida política e pública, assim como em educação, saúde e emprego, com ênfase na situação das mulheres rurais. [...] Os Estados participantes concordam em adotar as medidas apropriadas, incluindo legislação específica e ações especiais, de caráter temporário, destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher, possibilitando à última o exercício e gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. (PRÁ; EPPING, 2012, p.39)

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Com os movimentos de luta feminina e a ONU assumindo o centro das discussões sobre a discriminação à mulher, foi inevitável a visibilidade internacional dos problemas ligados à violência de gênero, o que dessa maneira passou a ser combatida com mais intensidade. O termo Gênero substituindo a palavra sexo foi adotado pela ONU por compreender a relevância da mulher no contexto social, e não apenas no sentido biológico, atendendo assim o seu melhor significado à realidade contemporânea (GONÇALVES, 2011).

Com a CEDAW, iniciou-se uma corrida para que os Estados soberanos pudessem dentro do seu ordenamento jurídico estabelecer normas de proteção aos direitos das mulheres. Foram realizadas várias conferências com a iniciativa da promoção da igualdade de gênero ao longo dos anos. Segundo a ONU-BR essas foram cruciais para haver um empenho dos Estados-membros em relação aos direitos em atenção às mulheres, quais sejam:

A Conferência da Cidade do México, a Segunda Conferência Mundial sobre a Mulher foi realizada em Copenhague (Dinamarca), em 1980[...] pediu mais medidas nacionais para assegurar o domínio e o controle de propriedade das mulheres [...] herança, à guarda dos filhos, e à perda da nacionalidade [...]; Em 1985, a “Conferência Mundial para a Revisão e Avaliação das Realizações da Década das Nações Unidas para a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz” foi realizada em Nairóbi (Quênia).[...] O evento foi descrito por muitos como o “nascimento do feminismo global”.[...]A Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Pequim (China), em 1995[...]definiu os direitos das mulheres como direitos humanos e se comprometeu com ações específicas para garantir o respeito desses direitos (ONU-BR, 2018, online).

Após esses eventos internacionais, os Estados que se comprometeram em ratificar as convenções, passam a ter a obrigação de cumprir as medidas elencadas ao longo do documento, sendo necessário o envio de relatórios ao Comitê no tocante a matéria expressa na convenção. “Conforme informações do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, fazem parte, como Estados-membros da CEDAW, 177 países e 6 como signatários, sendo que 14 países não aderiram ao tratado” (SANTOS; PEREIRA, 2017, p. 159).

Foi somente no ano de 2010 que foi criado um órgão da ONU com objetivo “alcançar a igualdade de gênero e fortalecer a autonomia das mulheres” sendo este a ONU-MULHERES. Este órgão se divide em quatro grandes agências, quais sejam: o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), a Divisão para o Avanço das Mulheres (DAW), o Instituto Internacional de Treinamento e Pesquisa para a Promoção da Mulher (INSTRAW) e o Escritório de Assessoria Especial em Questões de Gênero (ONU-BR, 2018).

No Brasil, a convenção contra todas as formas de discriminação contra a mulher foi promulgada pelo Decreto n.º 89.406 em 1984 [4]. Segundo Montebello (2000, p.161) “ao ratificar a Convenção, o Brasil assumiu o compromisso de adotar medidas para a eliminação da discriminação de gênero não somente no espaço público, mas também na esfera privada”. Nesse processo de adaptação, foram feitas mudanças em relação às políticas públicas voltadas para as mulheres, entretanto, a capacidade de fiscalização do país e a efetividade legislativa ainda encontram dificuldades.

Mesmo com a Constituição brasileira (BRASIL, 1988) possuindo um manto de garantias fundamentais do direito internacional, no qual consagrou internamente os princípios e direitos: a igualdade, autonomia, a liberdade, o direito à saúde, à educação, entre outros; o Brasil, em consequência a não observância das imposições descritas na convenção, sofreu uma condenação internacional, nascendo assim a lei Maria da Penha (BRASIL, 2006); e através disso, a União buscou romper com as politicas discriminatórias de gênero latentes no âmbito nacional.

Apesar das divergências nos movimentos feministas, em várias partes do mundo, eles foram responsáveis por colocar nos espaços públicos as temáticas relacionadas aos problemas enfrentados pelas mulheres, como campanhas pelos direitos legais das mulheres, pelo direito da mulher à sua autonomia e à integridade de seu corpo, pelo direito ao aborto e direitos reprodutivos, direito à proteção contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro (MIRANDA, 2009, p.4).

Dessa maneira, o movimento feminista não se limitou em voltar-se apenas para a notoriedade política, mas trouxe uma mudança quanto às garantias relacionadas com a liberdade no plano internacional, transformando o direito e possibilitando inúmeros avanços na proteção dos direitos humanos das mulheres, no cenário nacional (CLÈVE Apud PIOVESAN, 2013).

1.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS MULHERES

Os direitos fundamentais são aqueles tidos como básicos a todos indiscriminadamente, pois fazem parte de um rol que possui um núcleo essencial de proteção da ordem jurídica, ao ser humano. Para Ramos (2014), à medida que a sociedade organizada evolui, nascem novas demandas e com isso a necessidade de adequação desses direitos, pois o contexto histórico no qual o ser humano está inserido faz com que os direitos fundamentais do homem surjam de acordo às peculiaridades do momento. Existe uma grande variação nas doutrinas sobre qual é a utilização adequada da terminologia de tais direitos. Na Constituição Federal os direitos humanos e fundamentais são tratados como sinônimos, sendo apresentados ao longo dos artigos com diversas nomenclaturas.

Inicialmente, o art. 4º, II, menciona “direitos humanos”. Em seguida, o Título II intitula-se “direitos e garantias fundamentais”. Nesse título, o art. 5º, XLI, usa a expressão “direitos e liberdades fundamentais” e o inciso LXXI adota a locução “direitos e liberdades constitucionais”. [...] O art. 34, ao disciplinar a intervenção federal, insere uma nova terminologia: “direitos da pessoa humana” (art. 34, VII, b). Quando trata das cláusulas pétreas, a Constituição ainda faz menção à expressão “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º). (RAMOS, 2014, p.46. Grifos nossos).

Assim, nesse ponto é preciso adequar a terminologia ao presente estudo. Os direitos humanos são aqueles diretamente ligados ao direito internacional, ou seja, são estabelecidos por tratados ou declarações no âmbito externo. Contudo, os direitos fundamentais são aqueles previstos no ordenamento jurídico interno do país, com força vinculante no âmbito nacional. A semelhança quanto ao conteúdo é proposital, pois ambos derivam do anseio de proteção aos direitos do homem.

O sistema jurídico brasileiro passou ao longo dos anos por uma construção sólida sobre as garantias fundamentais. Segundo Dimoulos e Martins (2013) desde a Constituição de 1934, que inseriu em seu texto os direitos sociais, precisamente o direito a subsistência, até a Constituição vigente, ampliou-se de forma notória as garantias e direitos fundamentais na Carta Magna de 1988. “O Brasil desta análise histórica corresponde assim a um modelo de país constitucional que até aos nossos dias se busca construir, numa longa travessia de obstáculos” (BONAVIDES, 2000, p.3). Após a segunda guerra mundial, com a declaração universal dos Direitos humanos (ONU, 1948), muitos países passaram a adotar o princípio da dignidade humana em seus ordenamentos internos.

Os direitos fundamentais buscam atingir a dignidade humana como direito essencial a todos, pois deste modo garante-se a proteção contra o arbítrio do poder estatal e, por conseguinte o estabelecimento de condições mínimas de vida e do seu desenvolvimento, com a positivação no âmbito interno. Toda a construção histórica do constitucionalismo no Brasil obteve o seu ápice de proteção jurídica aos direitos fundamentais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pois conforme Bonavides (2000, p.174), ela fez a “defesa do corpo social e tutela dos direitos subjetivos, [...] nesse prisma judicial do regime significativo avanço”.

Nesta feita, os direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico, segundo Alexandre Moraes (2013, p. 46), previstos na Constituição trouxe em seu Título II os direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos:

Direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos. Assim, a classificação adotada pelo legislador constituinte estabeleceu cinco espécies ao gênero, direitos e garantias fundamentais: direitos e garantias individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos.

Até que se chegasse à construção de uma Constituição brasileira ampla em garantias, as mulheres tiveram que atravessar inúmeros desafios à sua participação na sociedade. No século XIX, por meio da imprensa como instrumento de manifestação dos discursos em busca de direitos sociais, as feministas Maria Amélia de Queiroz, Amélia Carolina da Silva Couto, Francisca Senhorinha da Motta Diniz, entre outras, lutaram primeiramente na causa da abolição. “A imprensa feminina produzida por mulheres traçava um paralelo entre a emancipação do país e a emancipação da mulher, que deveria acontecer para que o país acessasse definitivamente o rol das grandes nações” (OLIVEIRA; PILATTI, 2012, p.96).

Superado o desafio de haver por parte da Federação brasileira o reconhecimento da atuação da mulher na sociedade, o cenário normativo atual passou a ter uma atenção maior sobre as peculiaridades do corpo feminino, uma vez que ratificada a CEDAW, as garantias nela prevista, estão dispostas no ordenamento jurídico brasileiro. As discussões sobre a erradicação da discriminação de gênero, sobre a violação da intimidade da mulher, a sua autonomia, e seu direito de ser respeitada enquanto sujeito, estabelecem previsões sobre um tratamento digno à mulher, também relacionado à saúde desta.

Nesse sentido, Carmen S.G. Diniz (2001, p. 185; 194) demonstra que:

O direito ao acesso ao leito obstétrico para todas as parturientes está inscrito na Constituição Brasileira e na legislação do Sistema Único de Saúde, que definem saúde como direito de todos e dever do Estado. [...] O direito à segurança e à integridade corporal está inscrito nos instrumentos de direitos humanos, entre os direitos relacionados à vida, à liberdade e à segurança da pessoa; os direitos relacionados ao cuidado com a saúde e aos benefícios do progresso da ciência incluindo o direito à informação e educação em saúde, e os direitos relacionados à equidade e à não-discriminação.

Nossa Constituição no parágrafo primeiro do artigo 5º, de forma expressa define que essas normas têm aplicação imediata, ou seja, o direito fundamental deve ser priorizado, não que seja absoluto por si mesmo, mas o núcleo que o envolve é absoluto, tendo, portanto, força constitucional no seu cumprimento. Por serem essenciais, e imprescindíveis ao ser humano, esses direitos possuem características próprias.

Existem aqueles que são expressos no texto constitucional, e aqueles que não são formalmente tipificados, contudo ambos têm como especificidades: a historicidade, relatividade, imprescritibilidade, inalienabilidade, indisponibilidade, indivisibilidade, aplicabilidade imediata, entre outras. Essas características tornam de maneira especial a aplicação desses direitos em face de outros, pois o seu núcleo de proteção essencial é maior que os demais.

As relações em sociedade por serem complexas, necessitam de uma observação tanto de direitos quanto de deveres, pois, para evitar a violação dos direitos fundamentais é preciso que o indivíduo observe os limites do seu dever e assim, haja a concretização destes (LENZA, 2012). Ainda há muito que se fazer para que a igualdade entre os gêneros seja real.

Mesmo o Brasil tendo aderido a tratados internacionais, instituindo normas jurídicas de proteção às mulheres, há muito a ser conquistado na política interna e no cenário social, tendo em vista que, a violação dos direitos das mulheres ainda é parte da cultura brasileira, sendo uma visão pautada em uma ideologia sexista (MONTEBELLO, 2000).

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Sobre os autores
Marcos Silva Marinho

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Adna ; MARINHO, Marcos Silva. Direito fundamental ao parto humanizado à luz da bioética feminista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5797, 16 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73377. Acesso em: 22 dez. 2024.

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