Inconstitucionalidade do inquérito do Supremo Tribunal Federal

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07/05/2019 às 17:37
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VII – DA REPERCUSSÃO NEGATIVA DO INQUÉRITO

Após a precitada decisão de revogar a censura aos sites “O Antagonista” e da revista “Crusoé”, os próprios ministros do STF, chegaram à conclusão da necessidade de levar para o plenário da Corte a análise do inquérito instaurado para apurar as notitias criminis contra o Tribunal. Ademais, há o entendimento majoritário no âmbito do STF que o ato de censura desgastou em muito o Tribunal, inclusive pela manifestação do decano, ministro Celso de Mello que, falando em nome dos demais ministros, com duras críticas à censura. Aliás, houve a cogitação por parte de um dos ministros de que caso não houvesse o recuo, vários ministros iriam se manifestar sobre o tema em julgamento nas turmas, ou até mesmo em palestras, em torno dos casos envolvendo a imprensa.

Nesse sentido, mesmo diante do desgaste da Corte, os ministros se conscientizaram de que o debate público em torno da censura obteve um efeito positivo, ou seja, o fortalecimento da liberdade de imprensa, um pilar da democracia, acrescentando um dos ministros que “a sociedade ficou vigilante”.

No pertinente as críticas sobre a instauração do inquérito, estas foram manifestadas por procuradores da República, que atuam na Operação Lava Jato, juristas brasileiros e até mesmo integrantes do STF, como no caso do ministro Marco Aurélio, considerado uma das vozes mais críticas em torno da decisão do presidente do STF, ao ponto de sugerir que o MPF recorra ao Tribunal, a fim de que o plenário da Corte possa julgar os substratos fáticos.

Aliás, em entrevista à Rádio Gaúcha, o ministro Marco Aurélio classificou de “mordaça” a decisão do colega de tribunal, enquanto que o ministro Celso de Mello, embora não tenha feito referência ao episódio do site e da revista, afirmou que a censura, “mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário”, é ilegítima, autocrática e incompatível com liberdades fundamentais, defendendo a liberdade de expressão e imprensa.

Embora o ministro relator, Alexandre de Moraes, tenha revogado a sua Decisum, manteve a pertinência da constitucionalidade e da importância do inquérito instaurado para investigar as notícias fraudulentas  e demais infrações contra o STF, nos termos seguintes: “Os atos investigados são práticas de condutas criminosas, que desvirtuando a liberdade de expressão, pretendem utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo para a consumação de atividades ilícitas contra os membros da Corte e a própria estabilidade institucional do Supremo Tribunal Federal.” Ademais, o ministro relator repudiou do modo seguinte: “As infundadas alegações de que se pretende restringir à liberdade de expressão e o sagrado direito de crítica, essencial à Democracia e ao fortalecimento institucional brasileiro, pois a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, em seu sentido amplo, abrangendo as liberdades de comunicação e imprensa”.


VIII - INCONSTITUCIONALIDADE DA POLÍCIA LEGISLATIVA E JUDICIÁRIA

É cediço que há muito tempo vem se cogitando no sentido da criação das policias legislativa e judiciária, como no caso da PEC nº 117/2003, já devidamente arquivada pela Câmara Federal, que visava acrescentar o inciso Vi e o § 10 ao artigo 144 da Constituição Federal, criando, dessa forma, as polícias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

No pertinente ao Senado Federal, a nossa Carta Fundamental prevê em seu artigo 52, inciso XIII, a sua competência privativa de “dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção de cargos, empregos e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.”

No que diz respeito à Câmara dos Deputados, essa previsibilidade encontra respaldo no artigo 51, inciso IV, da Constituição Federal vigente, infra:

“Art. 51. (...).”

“(...).”  

“IV – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”.

Nesse sentido, observar-se-á que o termo “polícia” precitado nos dois artigos, há de ser acolhido em conjunto com os demais textos constitucionais, com ênfase o artigo 144 da Carta Fundamental. Vislumbrando-se, portanto, que as policias do Senado e da Câmara dos Deputados não estão inseridas tipicamentes como Órgãos de Segurança Pública, seja como polícia de segurança ou como polícia judiciária. Por conseguinte, observa-se da leitura do artigo 144 da Carta Magna de 1988, que incumbe somente a Polícia Federal atuar, com exclusividade, como Polícia Judiciária da União. Assim sendo, conclusa é a interpretação de que o vocábulo “polícia” inserido nos contextos dos precitados artigos 51 e 52 da Constituição, diz respeito à “polícia administrativa ou de manutenção da ordem”, a ser exercida, com exclusividade nas dependências das aludidas casas legislativas. Esse é o sentido literal da Lei Maior, prevendo a exclusividade da Polícia Federal de atuação como Polícia Judiciária da União e na mesma inteligência confere as duas casas do Congresso Nacional a autonomia para criar e dispor sobre suas policias de atuando na preservação da ordem nas dependências do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

No concernente as atribuições mencionadas nos artigos 51, inciso IV e 52, inciso XII e do artigo 144, todos da Constituição Federal de 1988, compila-se a opinião doutrinária do Professor catedrático da Universidade de Coimbra, José Joaquim Gomes Canotilho, in verbis:

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“As Policias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, portanto, têm poderes para preservar a ordem pública nas dependências das Casas Legislativas, mas não têm poderes de investigação”.

No pertinente ao ato normativo que criou a Polícia do Senado Federal, verifica-se que foi através da Resolução nº 59/2002, e atualmente em vigor a Resolução nº 11/2017, dispondo sobre as atividades típicas de Polícia do Senado Federal, inclusive de investigação e de instauração de inquérito.

Com relação à Polícia da Câmara dos Deputados, criada através da Resolução nº 18/2003, prevista no Regimento Interno de 2019, pág. 86, dispondo sobre suas atividades típicas de Polícia da Câmara dos Deputados, também, com a incumbência investigatória e de formação de inquérito.

Embora tais resoluções internas das duas casas legislativas concedem o poder de polícia judiciária, no concernente a investigação e a instauração de inquérito, discrepa do preceito do artigo 144 da Constituição Federal vigente, por não estar inserida neste contexto legal. Portanto, conclusa a interpretação de que tais Resoluções, provenientes da Carta Magna de 1988, podem ser consideradas constitucionais desde que obedeçam as regras pertinentes ao poder de polícia de segurança ou de preservação da ordem pública, com atuações exclusivas nas dependências das Casas Legislativas.

Ademais, diante do silêncio constitucional, as policias das Casas Legislativas não possuem o poder investigatório expresso, tampouco em lei infraconstitucional, não lhes competindo praticar atos pertinentes a Polícia Judiciária. Incumbindo, tão somente a Polícia Federal, por exclusividade, exercer os atos de Polícia Judiciária da União.

É sabido que tentativas pretéritas foram executadas no sentido de estabelecer o Poder de Polícia nas Casas Legislativas, como na criação da Súmula 397 do Supremo Tribunal Federal, nos termos seguintes: “O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.

Contudo, não há pertinência nesse texto sumular do STF, uma vez que esta foi editada no ano de 1964, sob a égide da Constituição Federal de 1964. Por outro lado, esta súmula foi originada do julgamento do Habeas Corpus nº 40.400, falando da possibilidade de a Mesa do Senado ou da Câmara dos Deputados lavrar auto de prisão em flagrante de crime ocorrido nas dependências das Casas Legislativas. Por conseguinte, vislumbra-se que a referida súmula não faz referência, tampouco impõe competência atributiva às polícias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

Cumpre anotar, que tramita na Câmara dos Deputados o projeto do novo Código de Processo Penal, inicialmente através do PL do Senado nº 256/2009 e atualmente o PL nº 8045/2010, da Câmara dos Deputados, já aprovado em plenário, com movimentação em 29/04/2019, com a Mesa Diretora. Segundo o estabelecido no texto do projeto, com o escopo de modernizar a persecução penal no Brasil. Contudo, o grande interesse volta aflorar, ou seja, a criação das polícias legislativas judiciárias das Casas Legislativas, já prevista no seu artigo 753, in verbis:

“Art. 753. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, no exercício do seu poder de polícia, que abrange a apuração de crimes praticados nas dependências de responsabilidade da respectiva instituição, poderão instaurar inquérito policial a ser presidido por servidor no desempenho de atividade típica de polícia, bacharel em Direito, conforme os regulamentos expedidos no âmbito de cada Casa legislativa, observando-se, ainda, subsidiariamente, as disposições deste Código”.

Consequentemente, diante da previsão constitucional inserida no Título V, Capítulo III, do artigo 144, verifica-se a listagem dos órgãos apontados e de suas peculiares competências constitucionais. 

Por outra monta, é cediço que outras autoridades administrativas, embora não inseridas no contexto do artigo 144 da Constituição Federal vigente, possam atuar em investigações, conforme delineado no parágrafo único do artigo 4º do Código de Processo Penal, infra:

“Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrição e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.

“Parágrafo único. A competência definida este artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a que por lei seja cometida a mesma função”.

Nessa inteligência, conclui-se que o exercício de policia judiciária poderá ser desempenhado por autoridades administrativas, desde que autorizada por lei e que esta esteja inserida no contexto do artigo 144 da Carta Magna de 1988.

Destarte, releva dizer que a Polícia Administrativa é exercida por órgãos da administração pública, em contrapartida, a Polícia Judiciária, é exercida através de órgãos especializados no âmbito da segurança Pública, dentre os previstos no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, isto é, basicamente Policiais Federais e Civis.    

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Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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