XVII – JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA PARA INSTAURAÇAO DO IPL
É sabido que a especial regra de competência outorga a presidência do inquérito policial à Autoridade Policial, na figura do Delegado de Polícia de Carreira (Delegado da Polícia Federal e Civil). Trata-se da Polícia Judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas jurisdições respectivas, com o escopo de apurar as infrações penais e da sua autoria, e a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função (CPP, art. 4º e parágrafo único), ou seja, nada impede que a autoridade policial de uma circunscrição proceda à investigação em outra, desde que sua competência seja revestida de repercussão, conforme Decisum do STF afirmando que: “os atos de investigação por serem inquisitórios, não se acham abrangidos pela regra do artigo 5º, inciso LIII, CF/88, rezando que só a autoridade competente pode processar e julgar o réu (RTJ 82/118). Portanto, a inobservância da competência ratione loci, nesse caso é relativa, impedindo assim a anulação do inquérito policial (RT 522/359).
Segundo a previsão do artigo 5º, inciso II, do CPP, o inquérito será iniciado, nos crimes de ação pública, mediante requisição da autoridade judiciária ou do ministério público. A contrario sensu da precitada previsão de que a autoridade judiciária possa requisitar a instauração de inquérito, não há tal possibilidade, uma vez que não se harmoniza com a adoção do sistema acusatório nos termos constitucionais. Na realidade, a precitada previsão foi revogada (CPP, art. 531), pois estava prevista antes da promulgação da Carta Magna de 1988, e que permitia aos magistrados até mesmo a iniciativa da ação penal, nos casos dos crimes de homicídio e lesões corporais culposas.
Por outra monta, nada obsta que o Ministério Publico, por ter ele o dominus litis, possa indicar os fundamentos jurídicos que legitimam suas manifestações (CF, art. 129, VIII), determinar a abertura de inquéritos policias ou requisitar diligências e informações complementares, inclusive acompanhar, em conjunto com os agentes policiais, os atos investigatórios, no sentido de prover a investigação penal, quando deflagrada pela Polícia Judiciária, com todos os elementos probatórios reais e necessários a formação da opinio delictf por parte do Parquet.
Essa precitada possibilidade permanece reconhecida em nossa Constituição Federal e acatada, quando do julgamento do RHC 66.178-SC, pelo Supremo Tribunal Federal. Contudo, o Parquet está impedido de “intervir nos atos do inquérito, tampouco dirigi-lo, quando o inquérito é presidido por autoridade policial competente”. (RTJ 130/1053).
Cumpre anotar que, embora a nossa Constituição Federal vigente seja, ainda, alvo de hesitação em sua tradução, induvidosamente dispõe corretamente a competência de cada entidade estatal.
No pertinente à matéria processual penal, diante das normas constitucionais, impõe-se o sistema acusatório, cujo texto legal há definição cristalina de quem deve formular o ato acusatório, do profissional que deverá atuar na defesa do réu e da autoridade judicial que deverá prolatar a posteriori o julgamento do feito.
Em suma, na ação penal pública, o papel inicial é o do representante do Ministério Público, com base na atuação de investigação das polícias judiciárias; em segundo lugar a representatividade do advogado devidamente constituído ou com apoio do defensor público e por último o Juízo da causa.
Contudo, tem-se observado que está havendo certo desentendimento por parte de alguns integrantes desses segmentos, no pertinente a divisão da atribuição de cada um, por desconhecimento do teor constitucional ou meramente não a respeita, invadindo a seara alheia, em detrimento do adotado sistema acusatório.
Diante desse fato reprovável, vislumbra-se o presente questionamento, ora analisado, concernente à hipótese de usurpação de atribuições públicas, por parte do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, ou seja, com a determinação de instauração de inquérito policial, com fulcro no artigo 43 da Resolução nº 564/2015-STF, para apurar a notitia criminis apontadas como fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingiram a honorabilidade do Presidente do Supremo Tribunal Federal, a seguranças de seus membros e familiares, em decorrências de publicações em sites do “O Antagonista” e da Revista “Crusoé”.
Tratando-se, portanto, do princípio basilar do sistema acusatório, verifica-se que “quem acusa não julga”, porquanto quem julga pode determinar a instauração de inquérito policia? Acredita-se piamente que não!
Porém, rebuscando a previsão do artigo 5º, inciso II, do Código de Processo Penal de 1941, observa-se que essa é a precitada previsão adotada. Mas, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 sobreveio à adoção do sistema acusatório, excluindo a aludida previsão.
Assim sendo, verifica-se, a um exame perfunctório constitucional do processo penal é cristalina, no que diz respeito à tramitação da notitia criminis que é comunicada a autoridade policial, por qualquer pessoa, incumbindo-se de examinar se é um caso de instauração do procedimento policial, ou é informada ao ministério público, que também deverá analisar os fatos para, em seguida, determinar a instauração de inquérito, sob a presidência da autoridade policial.
De efeito, na hipótese de um Juiz de Direito ou de um Ministro de qualquer de um dos tribunais superiores tomar conhecimento de uma notícia, que eventualmente possa conter indícios veementes da pratica de uma infração penal, não deve se arvorar, determinando a instauração de inquérito policial, sob pena de ferir a não mais poder o sistema acusatório processual sob a ótica constitucional, no sentido de quem julga não pode acusar. Portanto, a Constituição Federal vigente, incumbiu ao Magistrado a função de julgar e, jamais de investigar, de acusar ou de diligenciar como se fosse autoridade policial, membro do ministério público ou advogado, no âmbito do procedimento processual penal.
É sabido que, a participação do Magistrado, durante a persecutio criminis, cinge-se à garantia das liberdades individuais e dos demais direitos fundamentais. Quando da fase tipicamente processual penal, mesmo que lhe seja atribuído papel inerte e lhe sejam deferidas certas diligências, essas derivam de provas já produzidas pela defesa e/ou acusação. Portanto, quanto à iniciativa do Magistrado, esta é sempre derivada e delimitada.
Nesse sentido, coerente com tais critérios, ratifica-se que não cabe ao Juiz determinar a instauração de inquérito policial. E, na hipótese dele assim proceder, estará excedendo o limiar previsto pelo sistema acusatório no pertinente a sua atuação de Magistrado no processo penal.
Assim sendo, como deveria o Magistrado proceder, diante de uma notitia criminis? Na condição de um particular, este deverá agir como um particular comunicando o fático à autoridade policial, enquanto na condição de Magistrado, determinar o encaminhamento da notícia ao Ministério Público que, no uso de suas atribuições legais, poderá oferecer denúncia, determinar a instauração de inquérito policial ou promover o arquivamento da notitia criminis.
Destarte, quem detém o múnus público de formalizar a opinião em torno do fato delituoso é a autoridade policial e o Ministério Público, no pertinente a investigação e a possível acusação, respectivamente. E constitucionalmente, mais ninguém!
No eito da doutrina, buscar-se-á a opinião doutrinária do professor Aury Lopes Jr, ensinando que: “o processo acusatório impõe um repensar a construção do saber jurisdicional, delimitando, portanto, o campo de exercício do poder.” (LOPES JR., 2010, p. 545).
Assim sendo, o sistema acusatório constitucional, como tem que ser o brasileiro, caracteriza-se não só pela separação dos misteres de acusar e julgar, mas, também, pelo respeito e garantia do direito de defesa, da ampla produção probatória e â formação da convicção do órgão judicante, sendo este um ente despido de iniciativa da persecutio criminis, cuja titularidade é do Ministério Público, nos termos do artigo 120, inciso I, da CF/88.
Nesse toar, copila-se da Carta Fundamental vigente, a imposição do sistema acusatório, principalmente pela previsão do grande elenco de garantias em prol do réu, a saber: o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), o contraditório e a ampla defesa (CF, art. 5º, LV), o princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII) e a presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII). A contrario sensu, denota-se que alguns magistrados e tribunais pátrios permanecem fazendo uso das normas inseridas no Código de Processo Penal de 1941, vigente anteriormente a promulgação da Constituição da República de 1988, sem precisarem de qualquer tipo de exame com relação à conformidade das normas pretéritas com o texto atual da Carta Magna vigente. Contudo, embora o CPP seja na sua essência inquisitorial, deve prevalecer o modelo do sistema processual almejado pelo Poder Constituinte Originário, diante da superioridade das normas constitucionais perante as infraconstitucionais, motivo pelo qual há o entendimento de que vigora no Brasil, ainda, o sistema acusatório.
O exemplo dessa separação das funções de acusar e julgar vem o Supremo Tribunal Federal esclarecer que tal separação marca o sistema acusatório no âmbito do processo penal brasileiro, sendo este fundamental para garantir a imparcialidade dos juízes, conforme Decisum concedendo medida cautelar, deferida pelo Ministro Luiz Roberto Barroso na ADI 5104/DF.
A precitada decisão é oportuna, diante da notícia de que no Estado do Mato Grosso, de que escutas clandestinas estavam sendo determinadas por autoridades civis e militares daquele Estado. Assim sendo, um desembargador do TJMT resolveu tomar para si as funções de investigador e de julgador, em detrimento do sistema processual acusatório, além de desviar-se da função dos juízes. Diante desse fato, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) avocou os autos do inquérito que tramitava em Cuiabá/MT, em face da ofensa aos artigos 105 e 129, inciso I, da Carta Magna vigente.
De efeito, é cediço que no ano de 2004, o Superior Tribunal Federal (STF), excluiu do nosso sistema processual a função do juiz investigador ou inquisidor, quando do julgamento da ADIN 1570-2/DF, relatada pelo Ministro Maurício Corrêa, declarando a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 9.034/1995, in verbis:
“Art. 3º. Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça”. (Grifei).