Capa da publicação O caso Chevron no STJ: homologação de sentença estrangeira negada por ofensa à ordem pública
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O caso Chevron no Superior Tribunal de Justiça: homologação de sentença estrangeira e ofensa à ordem pública

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14/08/2019 às 13:25
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5. O PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em 2013, demandou-se perante o Superior Tribunal de Justiça a homologação da sentença de Lago Agrio, Equador. Seu código de identificação: SEC 8.542 / EC.

Os demandantes, representados pela organização não-governamental Frente de Defesa da Amazônia, afirmam que cinco tribos indígenas (Cofán, Secoya, Siona, Kichwa e Huaorani) e outras comunidades não-indígenas teriam sido gravemente prejudicados pelo despejo de materiais nocivos[16] pela petroleira.

A Chevron, por sua vez, alega que reparou os impactos ambientais por ela ocasionados no ecossistema amazônico, anteriores a 1992 (data do encerramento de suas atividades na região). Ademais, sustenta a ocorrência de uma série de irregularidades e arbitrariedades que tornariam o julgamento equatoriano extremamente suspeito. Assim, em sede de contestação, a empresa aduz que a validação da sentença minaria as garantias constitucionais de um julgamento justo e imparcial, e que os tribunais brasileiros não teriam jurisdição para reconhecer a decisão pelo fato de não ser definitiva no país andino; defende, ainda, que há interesse econômico do governo do Equador por trás da decisão e pede a não homologação do decisum. Em sua contestação, dizem os advogados da Chevron:

Por um lado, a condenação unicamente daquela empresa a reparar os alegados danos ambientais afastaria a responsabilidade da estatal Petroecuador; de outro, declarações de membros do governo equatoriano indicam que aquele país esperava que a maior parte da indenização que viesse a ser paga pela Chevron Corporation fosse revertida para o próprio governo do Equador.[17]

Em 20 de setembro de 2017, alguns anos depois, o ministro relator Luis Felipe Salomão depara-se com um surpreendente pedido, por parte dos requerentes, pela desistência do e pela renúncia ao pedido de homologação, de alguma maneira confundindo os dois termos.

Optando por não decidir monocraticamente, o ministro relator leva à apreciação da Corte Especial do STJ uma questão preliminar. Primeiramente, destaca que o procurador signatário (da petição em comento) não possuiria poderes expressos para tanto. Ademais, em sua visão, deparar-se-ia com o primeiro precedente no STJ a tratar de desistência ou renúncia em homologação de sentença estrangeira contestada (SEC). Por fim, que o caso mereceria certa urgência, dada, principalmente, a gravíssima seriedade das alegações de fraude e de corrupção.

Sobre a questão da renúncia, assim se manifesta o ministro Herman Benjamin:

[...] não é renúncia ao direito de fundo e sim ao direito processual de homologação. Os beneficiados pela decisão equatoriana continuam com seu direito íntegro para exercê-lo onde quiserem, não mais no Brasil.

Acompanhando o relator, o ministro João Otávio de Noronha se manifesta no sentido de que a desistência da ação em pauta necessitaria da aquiescência da parte adversa, o que não tinha ocorrido.

Em 04 de outubro de 2017, retornando do pedido de vista da ministra Nancy Andrighi, a Corte Especial decide por maioria pelo indeferimento do pedido de renúncia requerido. Ainda assim, asseverou, em sentido diverso ao ministro relator, a ministra Andrighi:

Inadmitir a renúncia dizendo que seria incompatível com ação de conhecimento de feição muito particular contraria a nova legislação processual na sua essência. Não há motivo para não se admitir, ao menos em tese, a renúncia à pretensão homologatória de decisão estrangeira, advertindo-se que, diferentemente da desistência, a homologação da renúncia acarretará a impossibilidade de ajuizamento de nova ação de homologação desta mesma decisão estrangeira.

Reforçando sua posição em sentido contrário ao deferimento do pedido de renúncia, nos termos pelos quais foi seguido pela maioria dos demais julgadores, diz o ministro relator:

Neste momento a Corte só analisa pressupostos processuais válidos para trazer para dentro de nosso Direito uma sentença estrangeira. Este mérito é absolutamente imbrincado com o mérito da sentença estrangeira. Não é possível essa renúncia. Pode haver desistência no momento próprio com anuência da outra parte, renúncia jamais.

Em relação à possibilidade de desistência da ação homologatória, cravou-se o entendimento de que a anuência da parte contrária seria necessária.

Duas semanas mais tarde, em 18 de outubro de 2017, decide o ministro relator votar contra a homologação. Mas, antes, valem algumas ressalvas quanto ao mérito, como trazido pelas partes - dado que ao STJ cabe unicamente um juízo de delibação.

A parte autora (equatoriana) ressalta então que não caberia ao STJ atuar como instância revisora, uma vez que alegou que a Chevron queria discutir o mérito do processo que se desenrolou no Equador, como na discussão acerca da ocorrência ou não de fraude processual, o que não caberia no âmbito de SEC.

A Chevron, por sua vez, defendeu que a ação julgada no Equador teria sido arquitetada por advogados americanos e equatorianos com fito fraudulento, havendo farta documentação probatória nesse sentido, e que tal fato, por si, seria suficiente para demonstrar a existência de grave ameaça à ordem pública. Adiante, o ministro aposentado Carlos Velloso, um dos defensores da Chevron, abordou a questão relativa à moralidade administrativa, afirmando que a sentença estrangeira contrariaria ato jurídico perfeito e seria contrária ao princípio da segurança jurídica, na medida em que aplicaria retroativamente a lei equatoriana que concedeu legitimidade às pessoas físicas para pleitearem direitos difusos. Disse Velloso:

A sentença baseia-se em laudos forjados, obtida mediante fraude e corrupção. Os verdadeiros interessados na homologação não são os autores, mas os fundos abutres, investidores internacionais e advogados norte-americanos.[18]

Por fim, lembrando que a Justiça federal norte-americana afirmou que a sentença foi obtida por meios corruptos e que os representantes dos autores violaram a lei anticorrupção daquele país, além de terem cometido uma série de outros crimes.

De volta à decisão da Corte Especial, destacam-se a seguir os pontos abordados pelo ministro relator Luis Felipe Salomão, em seu voto. Em primeiro lugar, a falta de interesse processual dos demandantes:

É incontroverso que o caso em julgamento não envolve partes brasileiras ou domiciliadas no país ou fatos ocorridos aqui ou que a sentença impôs qualquer obrigação a ser cumprida aqui. O ordenamento jurídico brasileiro não autoriza ajuizamento de ação executória contra quem não integrou o polo passivo da ação ou quem não é responsável pela execução, sob pena de violação à coisa julgada, ao contraditório e devido processo legal. Causa estranheza que os requerentes não instauraram processo homologatório nos EUA, onde a Chevron é sediada, preferindo fazê-lo em outros países, como Argentina e Canadá. Se a sentença viesse a ser homologada, seria pertinente indagar: qual o juízo competente para execução, já que não há sede aqui e nem obrigação aqui a ser cumprida?[19]

Dessa forma, o ministro concluiu pela falta de interesse processual dos requerentes no pedido de homologação da sentença condenatória equatoriana. Vale destacar o questionamento do ministro relator acerca da ausência de sede da empresa no Brasil, e de certa maneira a impossibilidade de promover a cobrança de eventual obrigação, bem como proceder à execução dos valores atinentes, uma vez que a empresa não possui ativos no país[20].

O segundo ponto tratado pelo ministro relator em sua fundamentação foi acerca da impossibilidade de homologação, com destaque justamente para a ofensa à ordem pública. Ressalvando que ao STJ incumbe apenas o preenchimento de requisitos pelo pleito (à homologação), em seu juízo de delibação, o ministro relator Salomão considerou impossível a validação do referido julgamento, não só pela Justiça brasileira, mas por qualquer outra jurisdição, diante do farto conjunto probatório que indica a grande probabilidade de que a decisão foi alvo de uma série de fraudes e ilegalidades[21], como extorsão, falsificação de assinaturas, infundadas estimativas bilionárias, corrupção, coação de juízes e oficiais de justiça, fatos esses reconhecidos pela Justiça federal estadunidense. O ministro relator entendeu inviável a homologação da sentença estrangeira, considerando o risco aos bons costumes e à ordem pública, e afirmando que se deferido o pedido, colocaria o Poder Judiciário brasileiro em rota de colisão de convenções internacionais de que é signatária nossa República[22].

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A seguir, o ministro Noronha o acompanhou pelo fundamento da carência de jurisdição - dito suficiente, pois que a sentença não viria a ser aqui executada.

Posteriormente, retornando de um segundo pedido de vista, a ministra Nancy Andrighi acompanha o ministro relator em parte, com base na falta de jurisdição nacional para a homologação, dado que a Chevron não tem sede no país,

[...] não sendo suficiente mera existência de subsidiária indireta de nome Chevron Petróleo Brasil Ltda., que não foi parte da ação.

Permitir que a Chevron Brasil Ltda. venha a sofrer os efeitos da sentença condenatória de processo que não participou seria injustificada ampliação da lide e grave violação ao devido processo legal; uma afronta à ordem pública que impede a homologação da sentença estrangeira.[23]

Após o voto-vista, em 29 de novembro de 2017, os demais ministros acompanharam o ministro relator nessa menor extensão, e o julgamento pela não homologação da sentença equatoriana foi unânime.


6. CONCLUSÃO

O presente texto procurou, em linhas bem objetivas, apresentar o caso da Chevron no Equador, com foco no pedido de homologação feito junto ao Superior Tribunal de Justiça brasileiro, bem como a decisão da Corte Especial desse tribunal de não homologar a sentença oriunda de Lago Agrio, em território equatoriano.

A escolha por se estender no histórico do caso, apresentando procedimentos judiciais e até arbitrais fora do eixo Equador-Brasil, além de detalhar ações e declarações dos envolvidos, foi considerado de extrema importância para que se pudesse ter uma noção viva da complexidade dos acontecimentos - inclusive em termos da simultaneidade desses acontecimentos. Isso, pois a gravidade dos indícios de fraude e corrupção, tanto de documentos apresentados, quanto de procedimentos propriamente ditos, pôde levar a Corte Especial do STJ a apreciar o pedido com muito mais profundidade. Tudo, obviamente, respeitando sua competência dentro dos limites de seu juízo de delibação.

Rejeitar o pedido com fundamento em ofensa à ordem pública certamente é um precedente importantíssimo em casos de homologação de sentença estrangeira. E explica-se. Ofensa à ordem pública, mesmo que um tema nem sempre muito pacífico, naturalmente se mostra em muito aplicável a um caso como o em questão. Tantos indícios de irregularidades não poderiam deixar de ofender a uma estabilidade política, social, econômica e jurídica, que o país certamente defende. Mas a corte foi além. Destacou, dada sua importância enquanto competente para homologar sentenças estrangeiras, que proceder à homologação no caso em pauta acarretaria consequências severas além-fronteiras. Aqui, se está falando em uma ofensa também à ordem pública internacional, como bem disse o ministro relator Luis Felipe Salomão, quando de seu voto, de que a homologação não poderia fazer-se não apenas no Brasil, mas em qualquer outra jurisdição. Talvez um elemento comprovador seja fato de que, em cada qual conforme seus próprios fundamentos, os pedidos de homologação por parte dos equatorianos na Argentina e no Canadá também não prosperaram.

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Sobre o autor
Raphael Molina

mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), sócio de Molina & Reis Sociedade de Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, Raphael. O caso Chevron no Superior Tribunal de Justiça: homologação de sentença estrangeira e ofensa à ordem pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5887, 14 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75648. Acesso em: 23 abr. 2024.

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