um olhar necessário da judicialização da saúde no panorama atual da jurisprudência brasileira

13/11/2019 às 08:45
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O presente artigo tem como meta avaliar a judicialização das políticas públicas de saúde no panorama atual da jurisprudência tanto do Superior Tribunal Federal como do Supremo Tribunal de Justiça.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a judicialização das políticas públicas de saúde no cenário atual da jurisprudência tanto do Superior Tribunal de Justiça, como do Supremo Tribunal Federal. Nessa análise se avaliará o conflito entre os princípios do mínimo existencial e da reserva do possível, discorrendo sobre se existirá a preponderância de algum ou, em caso de resposta negativa, como conciliar e harmonizar princípios tão diametralmente opostos.

Serão ainda analisados os aspectos históricos do Direito a Saúde, sua discriminação no texto constitucional de 1988, com o estudo das normas ali dispostas, o estudo doutrinário sobre o tema e os desafios à consolidação desse direito fundamental.

O tema foi escolhido devido à decisões recentes de nossos tribunais superiores que regulamentam de  certa forma a efetivação desse direito, principalmente quando se requer medicamentos não fornecidos pelo Sistema Única de Saúde - SUS.

Para alcançar o objetivo do presente trabalho foi utilizado para o desenvolvimento da pesquisa o método hipotético-dedutivo. Desta feita, a pesquisa doutrinária, com coleta de doutrina nacional na área de Constitucional, bem como o estudo criterioso da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF e do Superior Tribunal de Justiça - STJ  acerca do fornecimento de medicamentos pelo poder judiciário permeia o presente artigo.

NOÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO À SAÚDE EM APERTADA SÍNTESE

O direito à saúde está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo considerado pela doutrina como um direito fundamental de segunda geração, ou seja, um direito que deve ser efetivado pelo Estado mediante prestações positivas. Esse caráter prestacional conferido ao direito à saúde, sendo dever do Estado efetivá-lo, também foi previsto pelo legislador constituinte na carta magna de 1988 como um direito social, estando inserido no rol de direito sociais contido no art. 6º da Constituição Federal  de 1988 - CF/88, vejamos: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Ao longo do texto da Constituição Federal é possível perceber a importância dada ao tema pelo constituinte originário, pois o mesmo é assegurado expressamente nos artigos 196 e 197 da CF/88:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (BRASIL, 1988)

Ademais, na visão doutrinária e jurisprudencial a saúde deve ser entendida com um direito universal, assegurado a todas as pessoas, e igualitário. Para assegurar tal direito, a Constituição Federal de 1988 (art. 198, II, da CF/88) determinou a criação de um Sistema Único de Saúde - SUS), que tenha como uma de suas diretrizes o “atendimento integral” da população.

O SUS constitui-se em uma rede regionalizada e hierarquizada, que irá assegurar a quem precise as garantias básicas de acesso à saúde. Dirley da Cunha aduz a esse respeito que se deve obedecer as seguintes diretrizes: descentralização, com direção única em cada esfera do governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e participação da comunidade (art. 198). (CUNHA, 2008, p. 704).

Nesse compasso, cabe ao Estado efetivar o referido direito mediante políticas públicas, sociais e econômicas, reduzindo o número de doenças, agravos e adotando medidas de proteção e recuperação da saúde. É esse o posicionamento de José Afonso da Silva, que destaca a saúde como direito de todos e dever do Estado, regendo-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam. O mencionado autor destaca ainda que o Estado deve garantir a sua efetivação mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos. (SILVA, 2006, p. 308-309).

Vale frisar, que o direito à saúde também é reconhecido internacionalmente, e não poderia deixar de ser. Normas internacionais destacam a importância de sua concretização, podendo-se mencionar o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que fora ratificado pelo Brasil. Esse pacto destaca, por exemplo, em alguns de seus artigos o seguinte:

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Artigo 12. 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados- partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias de assegurar:

d) A criação de condições que assegurem a todos, assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade”.

“Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

Artigo 4º - Direito à vida.

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção.”

Entretanto, nem sempre é possível que a concretização do direito à saúde seja feita mediante políticas públicas estatais, notadamente do SUS, pois a escassez de recursos acaba por inviabilizar as crescentes demandas de saúde.

É certo que o direito à saúde não deveria ser relativizado, pois é direito fundamental e está relacionado à dignidade da pessoa humana, mas não se pode, em um Estado prestacional desconsiderar as limitações orçamentárias. Se as demandas de saúde crescem e passam a ser sempre julgadas procedentes é certo haverá um engessamento orçamentário ou até mesmo um colapso das contas públicas, pois estará havendo a alocação de verbas públicas pelo poder judiciário.

Nesse sentido, haveria até mesmo o prejuízo de outros direito sociais e fundamentais que seriam privados de seus recursos para o atendimento de demandas judiciais, É sob essa ótica que a doutrina e a jurisprudência passaram a analisar o conflito entre dois princípios, quais sejam: mínimo existencial e reserva do possível. Pela hermenêutica constitucional da harmonização constitucional buscou-se viabilizar o respeito a ambos os princípios dentro de padrões razoáveis e proporcionais.

O direito à saúde como já fora dito é direito fundamental social que compõem o chamado mínimo existencial de cada cidadão, sendo dever do Estado. Ana Paula de Barcelos, no que se refere ao mínimo existencial, pondera que ele é formado pelas condições materiais básicas para a existência, corresponde a uma fração nuclear da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer a eficácia jurídica positiva ou simétrica. (BARCELLOS, 2011, p. 292).

O mínimo existencial, portanto, seria aquele núcleo intangível de cada indivíduo que deve ser assegurado para que ele possa viver em condições dignas e suficientes a sua sobrevivência como ser vivo.

A referida autora, acerca do tema, destaca ainda:

Na linha do que se identificou no exame sistemático da própria carta de 1988, o mínimo existencial que ora se concebe é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça. Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário. (BARCELLOS, 2011, p. 302).

Do lado diametralmente oposto ao princípio do mínimo existencial surgiu o princípio da reserva do possível, que tem alicerçado a defesa das fazendas públicas federais, estaduais e municipais em demandas de saúde ou de outros direitos sociais. Pelo referido princípio, a distributividade dos recursos, o número de cidadãos atingidos e a efetividade do serviço a ser fornecido deveriam ser observados quando da análise de decisões judiciais.

Ademais, existe até mesmo o questionamento de que decisões judiciais que desconsideram a reserva do possível estariam ultrapassando a separação dos poderes, o  STJ e o STF, em determinados casos, vêm proferindo decisões favoráveis à efetivação das políticas públicas de saúde e a concessão de medicamentos quando restar comprovado o comprometimento desse núcleo intangível do mínimo existencial.

 Na atualidade vem se falando na juristocracia em que certas demanda vem sendo resguardada por outros poderes e passam a ser seguradas pelo analise do judiciário brasileiro. Nesse compasso, o judiciário se torna cada vez mais numa figura representante do acesso a garantia de direitos fundamentais, com seu ativismo.

  Realmente vem resolvendo, mas pode causar grandes problemas nacionais por haver essa necessidade de intervenção judicial, podendo ocasionar um efeito perverso, porque deixe de ser uma democracia em certas demandas passam a ser sanada pelo judiciário.

É com base nesse posicionamento dos tribunais superiores que o próximo tópico analisará as recentes decisões acerca do tema.

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE, NOTADAMENTE O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO PODER JUDICIÁRIO

Recentes julgados do STJ e do STF definiram parâmetros para o fornecimento de medicamentos pelo poder judiciário, o presente tópico tem por objetivo sintetizar tais julgados, dando destaque à análise de quais entes devem garantir o direito à saúde e o fornecimento de medicamentos, quais os critérios necessários para a aquisição de remédios, se tais critérios podem ser relativizados e como, numa perspectiva jurisprudencial, está sendo compatibilizado a ideia do mínimo existencial e da reserva do possível.

De entrada, como regra, nossos tribunais superiores têm definido que a garantia das políticas públicas de saúde mediante atividade jurisdicional é dever solidário dos entes federativos, ou seja, a legitimidade passiva nas ações de obrigação de fazer para o fornecimento de medicamentos, por exemplo, seria da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, podendo o autor do pedido ajuizar a ação contra todos ou qualquer um dos legitimados.

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Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal se posicionaram:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. TUTELA PROVISÓRIA DEFERIDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. 1. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde. 2. A decisão agravada que determinou, alternativamente, que a União, o Estado do Rio Grande do Norte e o Município de Natal realizem o depósito da quantia necessária para a aquisição do medicamento pleiteado pela demandante, merece subsistir à luz do mencionado entendimento desta Corte. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1654716 RN 2017/0034214-3, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 28/08/2018, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/09/2018).

“PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - UNIÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA - TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE.- SÚMULA 729/STF E PRECEDENTES DESTA CORTE.

- "É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de qualquer deles no pólo passivo da demanda" (RESP 719716/SC, Min. Relator Castro Meira).

- É possível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, Súmula 729/STF e jurisprudência deste eg. Tribunal.

- Recurso especial não conhecido.” (STJ, Segunda Turma, Resp 516359, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, j. 08/11/2005, DJ 19/12/2005, pág. 312)

“MANDADO DE SEGURANÇA - ADEQUAÇÃO - INCISO LXIX, DO ARTIGO 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Uma vez assentado no acórdão proferido o concurso da primeira condição da ação mandamental - direito líquido e certo - descabe concluir pela transgressão ao inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal. SAÚDE - AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.” (STF, Segunda Turma, RE 195192, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 22/02/2000, DJ 31.03.2000 pág. 60)

A Jurisprudência, portanto, é firme no sentido da solidariedade entre os entes. Com visto acima, o funcionamento do SUS é de responsabilidade solidária da união, dos estados e dos municípios, de forma que às pessoas desprovidas de recursos financeiros podem buscar, diante da inafastabilidade da jurisdição, prevista no artigo 5º, inciso XXXV, o acesso a medicamentos, principalmente aqueles de alto custo, através de demandas judiciais e no polo passivo da ação inserir todos os entes federados.

Vale destacar que essa solidariedade não pode ser imposta pelo magistrado, ou seja, em que pese à solidariedade, não haveria formação de litisconsórcio passivo necessário entre os entes, mas sim facultativo, a critério do autor da demanda. Nesse sentido, o TRF da 4ª região, por exemplo, ementou:

“ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. UNIÃO E ESTADO-MEMBRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. CÂNCER. FÁRMACO NÃO PREVISTO EM PROTOCOLO CLÍNICO DO MS. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE.

1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos.

2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais.

3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a sua atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto.

A responsabilidade solidária da União, dos estados e dos municípios pode ser observada nas diretrizes do sistema único de saúde previstas no art. 197 da Constituição de 1988, vejamos:

Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

Esse dever do estado comporta até mesmo meios de coerção indireta como as multas que tentariam compelir o poder público a efetivar o direito pleiteado. Alguns tribunais, inclusive, possibilitam o uso das astreintes em face do próprio agente público que descumpre determinada decisão judicial. Acerca da utilização de astreintes, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
ART. 543-C DO CPC/1973. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DE MOLÉSTIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) COMO MEIO DE COMPELIR O DEVEDOR A ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO NORMATIVO INSERTO NO § 5º DO ART. 461 DO CPC/1973.
DIREITO À SAÚDE E À VIDA. 1. Para os fins de aplicação do art. 543-C do CPC/1973, é mister delimitar o âmbito da tese a ser sufragada neste recurso especial representativo de controvérsia: possibilidade de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros.

2. A função das astreintes é justamente no sentido de superar a recalcitrância do devedor em cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer que lhe foi imposta, incidindo esse ônus a partir da ciência do obrigado e da sua negativa de adimplir a obrigação voluntariamente.

3. A particularidade de impor obrigação de fazer ou de não fazer à Fazenda Pública não ostenta a propriedade de mitigar, em caso de descumprimento, a sanção de pagar multa diária, conforme prescreve o § 5º do art. 461 do CPC/1973. E, em se tratando do direito à saúde, com maior razão deve ser aplicado, em desfavor do ente público devedor, o preceito cominatório, sob pena de ser subvertida garantia fundamental. Em outras palavras, é o direito-meio que assegura o bem maior: a vida. Precedentes: AgRg no AREsp 283.130/MS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 8/4/2014; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro  Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.063.902/SC, Relator Ministro  Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 1/9/2008; e AgRg no REsp 963.416/RS, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 11/6/2008.

4. À luz do § 5º do art. 461 do CPC/1973, a recalcitrância do devedor permite ao juiz que, diante do caso concreto, adote qualquer medida que se revele necessária à satisfação do bem da vida almejado pelo jurisdicionado. Trata-se do "poder geral de efetivação", concedido ao juiz para dotar de efetividade as suas decisões.

5. A eventual exorbitância na fixação do valor das astreintes aciona mecanismo de proteção ao devedor: como a cominação de multa para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer tão somente constitui método de coerção, obviamente não faz coisa julgada material, e pode, a requerimento da parte ou ex officio pelo magistrado, ser reduzida ou até mesmo suprimida, nesta última hipótese, caso a sua imposição não se mostrar mais necessária. Precedentes: AgRg no AgRg no AREsp 596.562/RJ, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 24/8/2015; e AgRg no REsp 1.491.088/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 12/5/2015.

6. No caso em foco, autora, ora recorrente, requer a condenação do Estado do Rio Grande do Sul na obrigação de fornecer (fazer) o medicamento Lumigan, 0,03%, de uso contínuo, para o tratamento de glaucoma primário de ângulo aberto (C.I.D. H 40.1). Logo, é mister acolher a pretensão recursal, a fim de restabelecer a multa imposta pelo Juízo de primeiro grau (fls. 51-53).

7. Recurso especial conhecido e provido, para declarar a possibilidade de imposição de multa diária à Fazenda Pública. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973 e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n.08/2008. (REsp 1474665/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 22/06/2017)

Entrementes, esse dever solidário não é amplo e irrestrito, o fornecimento de medicamentos pelo poder público passou a observar alguns critérios e condicionantes,  é preciso ver se o medicamento pleiteado está previsto nas listas de medicamentos do SUS e se existe, dessa forma, políticas públicas que o garantam, seja através de farmácias populares, seja mediante o acesso a postos de saúde.

Caso o medicamento esteja previsto na lista de fármacos do Sistema Único de Saúde e o particular ingresse diretamente com uma ação judicial pleiteando-o não haverá viabilidade para o pedido, a demanda deverá ser julgada extinta sem resolução do mérito por falta de interesse de agir, nos termos do art. 485, inciso VI do Código de Processo Civil.

Todavia, se existir o pedido administrativo de medicamento previsto na lista do SUS e o poder público negar o pleito ou for inerte quanto à resposta, haverá a possibilidade de demanda judicial, uma vez que existirá, em tese, violação a direito subjetivo da parte.

Situação totalmente diversa e que é estudo do presente artigo é quando o fármaco não está inserido na listagem do SUS. Não havendo essa disponibilização, em tese, não haveria outra alternativa senão o pleito judicial. Esse pleito de medicamentos não listados pelo SUS, no entanto, deve observar requisitos que foram fixados tanto pelo STJ como pelo STF.

Em 25/04/2018, o STJ decidiu sem sede de recurso repetitivo (REsp 1.657.156-RJ) que o Poder Judiciário pode determinar que os entes federativos fornecessem medicamentos que não estão  incorporados em atos normativos do SUS, para isso seriam necessários o preenchimento de três requisitos, quais sejam:  1) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2) Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e 3) Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). (SARLET, 2018)

Com relação ao item 2, o Ministro Benedito Gonçalves, relator da decisão acima mencionada, que não se exige a comprovação de pobreza ou miserabilidade, mas, tão somente, a demonstração da incapacidade de arcar com os custos referentes à aquisição do medicamento prescrito.

Sendo assim, uma pessoa que esteja inserida na classe média, por exemplo, poderá se beneficiar da decisão, para tanto será necessária à demonstração da incapacidade de arcar com os valores dos fármacos prescritos, bem como o preenchimento dos outros dois requisitos.

Vale ressaltar, que, no que se refere ao item 3, o Tribunal em sede de embargos de declaração definiu que devem ser observados ainda os usos autorizados pela agência, em outras palavras, permitiu o uso off label que é o medicamento off-label é aquele que precisa ser utilizado para finalidade diversa daquela que contas expressamente na sua bula, ou seja, o médico prescreve para fora da bula.

Desta feita, preenchidos os requisitos acima, haveria, a princípio, a possibilidade de fornecimento de medicamentos pelo poder judiciário. O Supremo Tribunal de Justiça entende que nesse caso não haveria que se falar em violação a separação dos poderes ou a reserva do possível. Haveria, por conseguinte, razoabilidade na judicialização quando observado, repita-se, os três requisitos acima mencionados.

Complementando o tema acima, o Supremo Tribunal Federal entende que é possível até mesmo o fornecimento de medicamentos não registrados na ANVISA, inclusive o STF destaca que como regra geral o judiciário não pode compelir o Poder Público a fornecer medicamentos que não estejam registrados na ANVISA, entretanto, a demora irrazoável da agência em para apreciar o pedido de registro conjugada a outros requisitos poderia viabilizar a demanda.

Na visão do STF, fixada em repercussão geral no informativo 941, é possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro na agência em caso de não apreciação do pedido de registro dentro de lapso temporal razoável e quando preenchidos três requisitos cumulativos, quais sejam: a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Nesse sentido, colaciona-se abaixo a jurisprudência  do STF que fixou tal entendimento:

A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:

a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);

b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e

c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral).

A título de complemento, este mesmo tribunal, firmou entendimento de que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, pois nesse caso o risco à saúde não permitiria seu fornecimento, uma vez que sua eficácia não fora comprovada por nenhuma agência ou órgão técnico, ou seja, ele ainda se encontra em fase de testes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lentamente a população brasileira de um modo em geral vem conquistando, com muita labuta e desgaste, o direito ao acesso a medicamentos de alto custo junto ao poder judiciário e com base nos entendimentos do STJ e o STF, que por sua vez determinam que os entes federativos venham a custear inclusive medicamentos não previstos no rol da Anvisa.

Os supramencionados STJ e o STF entendem que a dignidade da pessoa humana está em primeiro lugar e que se outros países dão a sua população acesso a certos medicamentos até então não apreciados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa essa ausência de apreciação por parte da agência não pode ser enquadrada como obstáculo intransponível, pois o que importa é a intenção de dar um certo conforto e até mesmo a cura àqueles que necessitam, indiscutivelmente, de determinado medicamento.

Vale ressaltar que mesmo com o progresso do judiciário exercendo grande influência nas políticas públicas de saúde, isso por si só, não o isenta de contradições e desafios, visto que com a evolução do tempo e da sociedade haverá sempre debates no que se refere aos limites de responsabilidade e possibilidades do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em contribuir para a efetivação de tais direitos.

Consequentemente, sabe-se que a saúde é um fato que comporta critérios sociais, políticos, jurídicos e, até mesmo, psicológicos. De fato, a saúde não se reduz à mera ausência de doença, pois envolve aspectos que se encontram relacionados ao bemestar físico, mental e social. Isto traz um desafio ainda mais complexo para as instituições jurídicas, pois se torna fundamental promover uma visão desmedicalizada da saúde, que deve considerar o paciente como ser humano inserido em um contexto social específico e com subjetividades singulares.

Ao situar como saberes privilegiados para a decisão judicial o médico e o farmacêutico, deve-se entender que a reprodução de uma visão medicalizada da saúde também pode ocorrer pela sobrevalorização do saber desses profissionais no processo decisório judicial. Isto pode contribuir para uma visão restrita do problema de saúde por parte de magistrados. Em verdade, é fundamental o desenvolvimento de uma ótica multiprofissional e interdisciplinar dos problemas de saúde, sob risco de forte reducionismo decisório, o que implica, inclusive, ir além do saber médico e sopesar os laudos técnicos.

Saliente-se que abandonar a ideia de cidadania e de sujeito de direitos para colocar um cidadão contra o outro de maneira fortemente egoística, implica dizer que a “luta entre cidadãos” afasta o verdadeiro foco: o dever do Estado de efetivar direitos e promover políticas públicas ao máximo. Outro equívoco referese à inexistência de ônus da prova de quem utiliza o argumento da reserva do possível. Ao ser reproduzida como um dogma, isto é, como um ponto de partida inquestionável, desaparece o dever do Estado de provar que realmente não possui recursos financeiros para determinada política. De fato, este argumento econômico de restrição de direitos tem sido amplamente utilizado com forte dose de senso comum e sem versar de maneira cuidadosa sobre seus efeitos.

O princípio da reserva do possível tem sido equivocadamente propagado para causar um cenário de desobrigação do Estado sem qualquer dado concreto sobre a escassez de recursos ou sobre como são alocados. De modo algum se pretende negar a existência de municípios ou estados com sérios problemas de recursos financeiros, principalmente quando se trata de direitos sociais, mas isso deve ser visto e apreciado com bastante seriedade e cautela pelas instituições jurídicas incluindo as maiores instituições jurídicas deste pais como o STJ e o STF.

É fundamental reconhecer o direito à saúde como atributo de relevância pública, que extrapola um mandato eleitoral e, em virtude desta peculiaridade, apresenta caracteres de perenidade. Com isso, a saúde exige o compromisso explícito, por parte dos governos, em tratála como política de Estado, cabendo às instituições jurídicas analisar respeito a isso. Tratase de postura fundamental do Judiciário esta ênfase da saúde como a política de Estado, reforçando o dever dos gestores de garantir a saúde de forma integral.

Entretanto, são grandes os desafios referentes às mudanças de governos que devem ser seriamente enfrentados pelas instituições jurídicas, inclusive pensando em estratégias supra governamentais de responsabilização de gestores. Tais estratégias são diversas, pois variam desde pactuações com governos sucessores para que seja mantida alguma política de saúde até responsabilizações pela manutenção da continuidade das políticas. Nesse sentido, cabe também ao Judiciário atuar na criação de um sistema de controle e efetivação, de modo a permitir que as políticas públicas de saúde se tornem cada vez mais estatais e cada vez menos governamentais.

Nesse contexto, torna-se importante e salutar por parte das instituições jurídicas aprimorar e intensificar, além de suas atribuições, de atuar na efetivação do direito à saúde, responsabilizando e dialogando com os diversos atores sociais envolvidos em sua concretização. Em algumas experiências brasileiras, observase que tais instituições têm a capacidade institucional de criar um espaço de diálogo, pois possibilitam a comunicação entre os principais atores que compõem o processo de formulação, gestão e fiscalização das políticas públicas em saúde em um foro comum. Isso permite pensar a ideia de juridicização das relações sociais, pois os conflitos são discutidos sob o ponto de vista jurídico, sem ocorrer necessariamente uma judicialização, o que evidentemente se evita levar os conflitos ao Judiciário.

Esse espaço de diálogo preconiza que formas de resolução de conflitos devam envolver uma atuação conjunta e integrada, de modo a estabelecer mecanismos permanentes e transparentes de diálogo institucional.

Além disso, caminhar na área da saúde enseja a necessidade de mútua capacitação de todos os atores políticos, jurídicos e participativos para a efetivação deste direito. A capacitação ainda deve ser promovida em termos institucionais, inclusive a partir da atuação dos Comitês estaduais, mas ela não pode ser meramente transmissão de conteúdo sobre direito ou sobre saúde; deve também englobar competências e habilidades práticas de mediação, construção de consenso e diálogo institucional focados em saúde. Além disso, é preciso que haja uma política de capacitação permanente, plural e cotidiana que promova o diálogo no próprio ambiente de aprendizado.

Como já observado neste trabalho o protagonismo das instituições jurídicas e, em especial, do Judiciário - não esteve isento de contradições no Brasil, mas isso é um processo compreensível. Independentemente dos diversos desafios relacionados, o fato é que a judicialização da saúde no Brasil tem reconfigurado drasticamente as responsabilidades dos Poderes para o estabelecimento de políticas públicas que atendam aos critérios de universalidade, integralidade e descentralização. Em muitos casos, tratase de uma verdadeira política judiciária de saúde, com destaque para o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo CNJ.

Afinal, o que se observa é que esses desafios incidem sobre a relação entre Estado, sociedade e instituições jurídicas no processo de efetivação do direito à saúde e de consolidação da saúde pública e suplementar. Cresce a cada dia a importância de se estabelecer uma política judiciária nacional e simultaneamente local para a saúde.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Enio Afonso Ferreira Silva

Mestre em Direito pela Universidade Tiradentes UNIT/SE, 2017. Com área de concentração em Direitos Humanos, tendo como linha de pesquisa Direitos Humanos na Sociedade. Especialista em Direito Constitucional, Universidade Anhanguera-UNIDERP/MS, 2015. Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Centro Universitário CESMAC, 2010. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário CESMAC, 2008. Docente nos cursos de pós-graduação em Nível de Especialização (Lato Sensu), na Faculdade Maurício de Nassau em Maceió/ AL em parceria com a Central de Ensino e Aprendizado de Alagoas - CEAP em Maceió/AL e também no próprio CEAP cursos. Professor no ensino superior, Ciências Jurídicas, na Faculdade Raimundo Marinho em Maceió-Alagoas, Tendo experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direitos Humanos. Orientador de trabalhos de Conclusão de Curso. Membro do Colegiado e do Núcleo de Desenvolvimento Estruturante (NDE) no curso de Direito. Integrante do curso de extensão ?Introdução Crítica à justiça de Transição na América Latina&quot; - O Direito Achado na Rua, realizada pelo Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília (NEP/Ceam/UnB).

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