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Contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

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15/01/2020 às 16:10
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Examinam-se súmulas e julgados do STJ, especialmente os submetidos a sistemática de julgamento de demandas repetitivas, que envolvam temas controvertidos em matéria de contratos bancários.

Sumário: 1. Vedação de reconhecimento pelo juiz de ofício de eventual abusividade em cláusula contratual; 2. Concessão de tutela de urgência e cadastro de inadimplentes; 3. (Des)Caracterização da mora; 4. Confissão de dívida, renegociação e pagamento; 5. Comissão de permanência; 6. Juros remuneratórios; 7. Juros moratórios; 8. Juros Remuneratórios cumulados com Juros Moratórios e Anatocismo; 9. Capitalização de juros; 10. Exibição de Documentos e inércia da instituição financeira; 11. Capitalização e Tabela Price; 12. Tarifas Bancária e outros ressarcimentos cobrados do consumidor; 13. Desconto em conta bancária; 14. Capitalização nos contratos do Sistema Financeiro de Habitação; 15. SFH e Tabela Price; 16. Capitalização e Cédula de Crédito Rural, Comercial e Industrial; 17. Multa Moratória; Referências.


INTROITO

Almeja-se a organização com a exposição objetiva dos principais julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mormente àqueles submetidos a sistemática de julgamento de demandas repetitivas, e das Súmulas por ele editadas, que envolvam a temática de contratos bancários.

1. Vedação de reconhecimento pelo Juiz de ofício de abusividade em cláusula contratual

Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas (Súmula 381). Entendimento originário do julgamento em sede de recurso repetitivo (tema 36).

O STJ chegou a afetar novamente o assunto (Tema 940) para vedar o conhecimento de ofício em segundo grau de jurisdição, contudo houve cancelamento da afetação.

Já o Código de Processo Civil traz exigência no sentido de que nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar, na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito (art. 330, §2º).


2. Concessão de tutela de urgência e cadastro de inadimplentes

Ainda na vigência do CPC/73, fixou o STJ as seguintes teses (Temas 31, 32, 33, 34 e 35):

A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente:

i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito;

ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ;

iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.

A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção.


3. (Des)Caracterização da mora

A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor. Cuida-se de entendimento firmado em sede de recurso repetitivo (Tema 29) e sumulado (Súmula 380).

Desta feita, como visto acima, para descaracterização da mora, pontua o STJ a necessidade de: (i) contestação, total ou parcial, do débito, (ii) plausibilidade jurídica do direito invocado estribada em jurisprudência desta Corte ou do STF e (iii) depósito de parte incontroversa do débito ou prestação de caução idônea. Cuidam-se de requisitos cumulativos (Recurso Especial Repetitivo 1.061.530/RS).

Atentar-se, ainda, para a tese firmada pelo STJ, no sentido de que “O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora” (Tema 28).

Uma vez afastada a mora: i) é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência; ii) deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente e iii) não se admite o protesto do título representativo da dívida (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Ressalvou-se no julgado, entretanto, que a tese se aplica apenas aos contratos bancários que se submetem à legislação consumerista, afastando-se de sua incidência: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado.

Já no julgamento do tema 972, definiu o STJ que a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.

Assim, se a abusividade reconhecida disser respeito a juros remuneratórios e a capitalização haverá a descaracterização da mora; mas não se a abusividade recair apenas tarifas ou despesas acessórias.

Por fim, deliberado sobre o cabimento ou não da incidência de juros remuneratórios na repetição de indébito apurado em favor do mutuário de contrato de mútuo feneratício, bem assim de eventual taxa que seria aplicável, entendeu o STJ pelo “Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato” (Tema 968).


4. Confissão de dívida, renegociação e pagamento

A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores (Súmula 286).

O STJ estende, ainda, o entendimento para os casos de extinção contratual decorrente de quitação e novação. Nesse sentido, colaciona-se a ementa do seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA FUNDADA EM CONTRATOS BANCÁRIOS - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO APENAS PARA AFASTAR A COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA NA DÍVIDA ORIUNDA DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA.

1. De acordo com o firme entendimento desta Corte Superior, não se mostra possível a incidência de comissão de permanência nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial, na medida em que o Decreto-lei n. 167/1967 é expresso em só autorizar, no caso de mora, a cobrança de juros remuneratórios e moratórios (parágrafo único do art. 5º) e de multa de 10% sobre o montante devido (art. 71).

2. A possibilidade de revisão de contratos bancários prevista na Súmula n. 286/STJ estende-se a situações de extinção contratual decorrente de quitação, novação e renegociação.

3. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp 857.008/SE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 13/12/2017) (s.g.)


5. Comissão de permanência

Constitui-se em encargo cobrado pela instituição financeira no caso de inadimplemento contratual, incidindo sobre os dias de atraso, até a quitação da obrigação (CAVALCANTE, 2019).

Por meio da Resolução 4.558/2017, o Conselho Monetário Nacional (CMN) acabou por revogar a Resolução nº 1.129/86 que autorizava a cobrança da comissão de permanência, de modo que, nos contratos posteriores, veda-se a cobrança do referido encargo pelas instituições financeiras. Confira-se:

RESOLUÇÃO Nº 4.558, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2017

Disciplina a cobrança de encargos por parte das instituições financeiras e das sociedades de arrendamento mercantil nas situações de atraso de pagamentos de obrigações por clientes.

O Banco Central do Brasil, na forma do art. 9º da Lei nº4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o Conselho Monetário Nacional, em sessão realizada em 23 de fevereiro de 2017, com base nos arts. 4º, incisos VI e VIII, da referida Lei, 7º e 23 da Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, resolveu:

Art. 1º As instituições financeiras e as sociedades de arrendamento mercantil podem cobrar de seus clientes, no caso de atraso no pagamento ou na liquidação de obrigações, exclusivamente os seguintes encargos:

I - juros remuneratórios, por dia de atraso, sobre a parcela vencida;

II - multa, nos termos da legislação em vigor; e

III - juros de mora, nos termos da legislação em vigor.

Art. 2º A taxa dos juros remuneratórios previstos no inciso Ido art. 1º deve ser a mesma taxa pactuada no contrato para o período de adimplência da operação.

Art. 3º É vedada a cobrança de quaisquer outros valores além dos encargos previstos nesta Resolução pelo atraso no pagamento ou na liquidação de obrigações vencidas, sem prejuízo do disposto no art. 395 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Código Civil.

Art. 4º A cobrança dos encargos por atraso de pagamento de obrigações nos termos desta Resolução deve constar dos contratos firmados entre as instituições mencionadas no art. 1º e seus clientes.

Art.5º Esta Resolução entra em vigor em 1º de setembro de 2017, aplicando-se aos contratos firmados a partir dessa data.

Art. 6º Fica revogada, a partir de 1º de setembro de 2017, a Resolução nº 1.129, de 15 de maio de 1986. (s.g.)

Todavia, para os casos em que ainda há cobrança da comissão de permanência, deve-se observar:

  • Súmula 30 - A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.
  • Súmula 296 - Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
  • Repetitivo Tema 52: A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato - exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual.

6. Juros remuneratórios

Consoante anota a doutrina “os juros correspondem à renda do dinheiro, podendo ser compensatórios, se compensarem a indisponibilidade do bem pelo mutuante, ou moratórios, se decorrentes de atraso no adimplemento das obrigações ajustadas” (FUJITA, et al, 2014).

Assim, juros remuneratórios são aqueles que representam o preço da disponibilidade monetária, pago pelo mutuário ao mutuante, em decorrência do negócio jurídico celebrado entre eles.

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. Cuida-se de entendimento firmado em sede de recurso repetitivo (Tema 25) e posteriormente sumulado (Súmula 382).

Nesses termos, a súmula 596 do Supremo Tribunal Federal já assentava que: “As disposições do Decreto 22.626/33 [Lei da Usura] não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

Ademais, o STJ já sedimentara que “As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33)” (Tema 24).

Acresça-se que limitação também não se aplica às administradoras de cartão de crédito (Súmula 283).

Lado outro, se o contrato não for expresso quanto à taxa cobrada, é possível a fixação pelo Juiz da taxa média de mercado (STJ, repetitivos temas 233 e 234):

  • TEMA 233 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.
  • TEMA 234 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente. Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados.

O entendimento encontra-se consolidado no enunciado da Súmula 530:

Súmula 530 - Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.

Entendeu o STJ (Repetitivo, Tema 26) que “São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02”, estes, ao seu turno, estatuem:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

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Noutro giro, no caso de estar prevista a taxa, eventual revisão deverá ocorrer de forma excepcional, somente se demonstrada vantagem exagerada. Nesse sentido, confira-se a tese firmada em recurso repetitivo (Tema 27):

É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

Persiste, nesse sentido, a jurisprudência do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA.

1. A jurisprudência deste STJ é assente no sentido de que os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), a teor do disposto na Súmula 596/STF (cf. REsp n. 1.061.530 de 22.10.2008, julgado pela Segunda Seção segundo o rito dos recursos repetitivos).

Para que se reconheça abusividade no percentual de juros, não basta o fato de a taxa contratada suplantar a média de mercado, devendo- se observar uma tolerância a partir daquele patamar, de modo que a vantagem exagerada, justificadora da limitação judicial, deve ficar cabalmente demonstrada em cada caso, circunstância inocorrente na hipótese dos autos.

2. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp 1454960/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/2019, DJe 07/11/2019) (s.g.)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. MORA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. AÇÃO REVISIONAL. SÚMULA N. 83/STJ. JUROS REMUNERATÓRIOS. TAXA MÉDIA. ABUSIVIDADE NÃO CONSTATADA. DECISÃO MANTIDA.

1. Nos pedidos de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, a demonstração da mora pode ser feita mediante protesto, por carta registrada expedida por cartório de títulos ou documentos ou por simples carta registrada, não se exigindo que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário. Precedentes.

2. Conforme o entendimento consolidado na Súmula n. 380/STJ, "a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor", necessitando-se, para esse fim, de comprovada abusividade dos encargos exigidos no período de normalidade contratual.

3. A taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para operações similares, na mesma época do empréstimo, pode ser usada como referência no exame da abusividade dos juros remuneratórios, mas não constitui valor absoluto a ser adotado em todos os casos. No caso concreto, não foi demonstrada significativa discrepância entre a taxa média de mercado e o índice pactuado entre as partes.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1230673/MS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019) (s.g.)

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Sobre o autor
Julian Baião

Bacharel em Direito e Servidor Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Julian Baião. Contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6041, 15 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78904. Acesso em: 26 abr. 2024.

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