4. DA RELATIVIZAÇÃO DA HABILITAÇÃO
O art. 4º-F, da Lei nº 13.939/2020 permite, ainda, que, excepcionalmente, a autoridade pública competente, dispense, da contratada, documentação de habilitação. Será, possível, portanto, a dispensa de “apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição”.
Assim, nas licitações ou contratações diretas para enfretamento da situação calamitosa, a Administração poderá, excepcionalmente – o que exige, portanto, justificativa – relativizar as exigências de habilitação daquele ou daqueles que irá contratar. A Lei busca, portanto, permitir que, diante do caso concreto, não sejam restritas as opções da Administração.
É possível imaginar uma série de situações práticas nas quais a permissividade do dispositivo em comento pode ser útil. Primeiramente, em uma situação em que a Administração tem interesse em contratar com todos os particulares possíveis. Poderá ocorrer, por exemplo, para obtenção de insumos médicos escassos no mercado que sejam de suma importância para tratamento de pacientes infectados pela covid-19. Em situação tal é extremamente útil que a contratação pública possa efetivar-se mesmo com particulares que não conseguiriam adimplir com todos os requisitos legais de habilitação.
Igualmente na situação em que se busca contratar serviço de expertise extremamente específico, que não facilmente se encontre no mercado. Para satisfação do interesse público, e mesmo para se permitir o alcance da melhor oferta, poderá ser conveniente a dispensa de parte da documentação de habilitação.
5. DA PERMISSÃO PARA CONTRATAÇÃO COM PARTICULARES IMPEDIDOS
No mesmo espírito da permissão anteriormente tratada – de relativização da documentação de habilitação – as alterações formuladas pela MPv nº 926/2020 tornaram possíveis, na dispensa de licitação prevista na Lei 13.979/2020, contratações de “bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso”.
Aqui, o Legislador exigiu que o particular em questão seja o único fornecedor do bem ou serviço a ser adquirido. Assim, ainda que a empresa se encontre impedida, no momento da contratação, de licitar ou contratar com o Estado, para fins obter soluções ao enfretamento da situação de emergência, será possível realizar sua contratação.
6. NOTAS FINAIS
A situação emergencial e de calamidade pública que tem sido causada pela covid-19, como se pôde ver, tem trazido ao Direito Administrativo o desafio de se preparar para permitir que a Administração Pública possa, da melhor forma, e dentro da legalidade, realizar as contratações necessárias para o seu enfretamento, evitando, portanto, maiores danos à saúde e à vida dos administrados.
Nesse sentido, o presente estudo tratou de impressões iniciais sobre a Lei nº 13.979/2020, abarcando as alterações provocadas pela Medida Provisória nº 926/2020. Apresentaram-se, portanto, opiniões e interpretações, a fim de oferecer ao leitor inteirar-se sobre o novo diploma, com o foco na dispensa de licitação, bem como oferecer àqueles que também se dedicam ao estudo do Direito Administrativo um posicionamento para a formulações de suas próprias reflexões e escritos.
REFERÊNCIAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
FERRAZ, Sérgio. Instrumentos de Defesa do Administrado. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 165, jul/set 1986. p. 18.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012.
______. Um novo modelo de licitações e contratações públicas? A MP 926 pode funcionar como experimento para a reforma das licitações públicas. Disponível em: <https://www.justen.com.br/pdfs/IE157/IE%20-%20MJF%20-%20200323_MP926.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2020.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Parecer Referencial nº 00011/2020/CONJUR-MS/CGU/AGU.
MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Melhoramentos, 2012.
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 58.
Notas
[1] Número retirado dos dados periódicos da Universidade John Hopkins (Baltimore, EUA). Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51718755 Acesso em: 29 de março de 2020.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 371.
[2] MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Melhoramentos, 2012. p. 405.
[3] SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 58.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 339.
[5] Parecer Referencial nº 00011/2020/CONJUR-MS/CGU/AGU
[6] MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Op. cit. p. 446.
[7] MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Op. cit. p. 450.
[8] Em sentido contrário, Marçal Justen Filho afirma que a presunção do art. 4º-B é absoluta, e “é juridicamente imunizada quanto a questionamento ou impugnação” (Um novo modelo de licitações e contratações públicas? A MP 926 pode funcionar como experimento para a reforma das licitações públicas. Disponível em: <https://www.justen.com.br/pdfs/IE157/IE%20-%20MJF%20-%20200323_MP926.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2020.
[9] FERRAZ, Sérgio. Instrumentos de Defesa do Administrado. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 165, jul/set 1986. p. 18.
[10] Em sentido semelhante, leciona Marçal Justen Filho que: “O administrador está obrigado a seguir um procedimento administrativo determinado, destinado a assegurar (ainda nesses casos) a prevalência dos princípios jurídicos fundamentais. Permanece o dever de realizar a melhor contratação possível, dando tratamento igualitário a todos os possíveis concorrentes.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 328-329).