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Água, tributos e tarifas:

Uma análise dos regimes tributário e tarifário desse bem econômico indispensável à saúde, a partir de julgados do STF

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O STF, ao excluir o ICMS das cobranças dos serviços públicos de água encanada, sob a justificativa de que água não é mercadoria, mas bem público essencial de valor econômico, estaria a invadir a competência política do Poder Legislativo?

RESUMO: Neste texto será feita uma breve análise sobre o regime tributário e tarifário da água a partir de julgados do Supremo Tribunal Federal. Serão visitadas decisões do Tribunal que apreciaram a questão da incidência do ICMS sobre os serviços públicos de fornecimento de água potável para consumo humano, decisões que apreciaram o tema da imunidade tributária recíproca das companhias de águas e saneamento básico, e decisões que analisaram se a remuneração dos serviços públicos de água e de saneamento básico deve ser realizada por meio do tributo taxa ou por tarifas públicas.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Direito Tributário. Direito Regulatório. Água. Supremo Tribunal Federal.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A tributação do serviço de fornecimento de água; 3. A imunidade tributária das companhias de água e de saneamento básico; 3. As taxas e as tarifas da água e do saneamento básico; 4. Conclusões; 5. Referências.


1. INTRODUÇÃO           

O presente artigo tem como objeto analisar o regime tributário e tarifário da água a partir de julgados do Supremo Tribunal Federal. Neste texto serão visitadas decisões do Tribunal que apreciaram a questão da incidência do ICMS sobre os serviços públicos de fornecimento de água potável para consumo humano, decisões que apreciaram o tema da imunidade tributária recíproca das companhias de águas e saneamento básico, nada obstante sejam essas companhias pessoas jurídicas de direito privado, e as decisões que analisaram se a remuneração dos serviços públicos de água e de saneamento básico deve ser realizada por meio de taxas ou por tarifas públicas.

No plano normativo, nos termos da Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, são relevantes os seguintes aspectos jurídicos da água: é um bem de domínio público; é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; em situações de escassez, o uso prioritário é o consumo humano e a dessedentação de animais; a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o seu uso múltiplo; deve ser assegurada à atual e às futuras gerações a sua necessária disponibilidade, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; e a cobrança pelo uso de recursos hídricos.

Do ponto de vista dos interesses vitais humanos, a água é elemento indispensável e inegociável, sendo o seu consumo mais do que um direito, uma inquestionável necessidade natural, que faz da água uma “commodity” ou bem essencial, que é escasso, limitado e que tem um preço econômico de negociação para o seu acesso e consumo, o que atrai as normas jurídicas relativas às situações fáticas excepcionais [1]. É despiciendo tracejar o significado histórico da água para todos os povos desde tempos imemoriais, e a importância dela para o presente e futuro da humanidade, na linha preconizada, inclusive, pela Organização das Nações Unidas (ONU), que declarou ser o acesso à água potável, e ao saneamento básico, um direito humano fundamental. [2]

Com efeito, há estimativas no sentido de que 97,5% da quantidade de água existente no mundo é inadequada para o consumo e que os 2,5% de água doce são, em sua maioria, de difícil acesso. Em relação à água potável mundial, o Brasil é detentor do invejável percentual de 12% das suas reservas. Todavia, isso não exonera os brasileiros de dificuldades de acesso e exige esforços conjuntos, de indivíduos, empresas e do Estado, ou seja da integralidade das pessoas e instituições de uma sociedade, para que esse bem indispensável, limitado e valioso seja acessível a todos neste país continental, segundo vários estudos e pesquisas da Agência Nacional de Águas (ANA).[3]

De posse desses dados, é possível analisar os julgados do STF que enfrentaram alguns temas relativos à questão da água ou das companhias de águas e esgotos, tangenciando a questão do saneamento básico, como sucedeu, por exemplo, com a questão da incidência do ICMS sobre o valor cobrado nas faturas de água dos usuários (consumidores) desse serviço público, visto que se pode vislumbrar a água como uma mercadoria tributável e negociável.  Ou mesmo a velha questão de saber se a cobrança pelo acesso aos serviços públicos de água e de saneamento básico deve ser feito por meio de taxa, que é um tributo, ou se por meio de tarifa, que é um preço público, e quais as diferenças e consequências pela escolha de um ou de outro modelo. E, também, a questão da imunidade tributária recíproca das empresas estatais de água e de saneamento básico.

Com efeito, nada obstante a letra da Constituição no sentido de que a imunidade seja para as pessoas jurídicas de direito público interno, o STF construiu uma jurisprudência autorizadora da imunidade tributária recíproca que alcançaria empresas privadas estatais, que são pessoas jurídicas de direito privado e, nos termos do § 2º do art. 173, CF, não poderiam gozar de privilégios fiscais não extensíveis às do setor privado.

Analisar os argumentos jurídicos e os fundamentos normativos desses julgados é o objetivo principal deste texto, a fim de demonstrar se essas decisões estão em harmonia com o ordenamento jurídico e com a realidade contextualizada.


2. A TRIBUTAÇÃO DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA           

Em 1991, o Procurador-Geral da República[4] ajuizou a ADI 567[5] postulando a decretação da inconstitucionalidade dos arts. 546, 547 e 548 do Decreto n. 32.535, de 18 de fevereiro de 1991, do Governador do Estado de Minas Gerais[6], que previam a incidência do ICMS sobre o abastecimento de água de água potável. O PGR esclareceu que a impugnação voltava-se para o imposto sobre a água canalizada, ou seja, sobre o fornecimento de água potável à população do Estado, realizado pelo poder público, não alcançando, portanto, o fornecimento de água mineral, gaseificada ou aromatizada.

O pleito descansava a sua fundamentação nos seguintes preceitos normativos:

a) infringência dos arts. 150, I, da Constituição Federal, e art. 97 do Código Tributário Nacional, uma vez que a instituição do tributo sobre água tratada não está prevista em lei, decorrendo apenas do Decreto impugnado;

b) afronta ao art. 155, I, letra ‘b’, da Constituição Federal, porque a água tratada não constitui mercadoria, mas sim bem fora do comércio, insuscetível de circulação econômica;

c) violação do art. 150, VI, § 2º, da Constituição Federal, porque o imposto incide, na realidade, sobre o serviço público municipal de fornecimento de água potável.

O plenário do STF, apreciando a medida cautelar, deferiu, por unanimidade, a pretensão requestada. Da ementa do acórdão[7] extrai-se:

Relevância do direito, caracterizada pela circunstância de haver-se definido, por decreto, fato gerador e base de cálculo de tributo; e, ainda, por ter-se pretendido modificar, pela mesma via, a natureza jurídica do fornecimento de água potável, encanada, as populações urbanas, transmudando-a de serviço público essencial em circulação de mercadoria.

O ministro Ilmar Galvão[8], relator do feito, assinalou:

Tenho por presentes os pressupostos autorizadores da medida cautelar pleiteada.

Com efeito, a relevância do direito se acha caracterizada não somente pelas circunstância de ter-se instituído fato gerador e base de cálculo de tributo por decreto, mas também por haver-se modificado, pela mesma via, o tratamento jurídico tradicionalmente dispensado ao fornecimento de água potável, encanada, às populações de nossas cidades e vilas, que outro não era senão o de serviço público essencial, divergindo-se, até aqui, tão-somente acerca da natureza jurídica da contraprestação, que uns sustentam tratar-se de taxa, enquanto outros, de tarifa ou de preço público.

O mérito da aludida ADI 567 não foi apreciado porquanto houve revogação dos preceitos normativos impugnados e a consequente perda de objeto da referida ação.  Dez anos depois, o STF apreciou a ADI 2.224[9] também proposta pelo PGR[10] em face do Convênio ICMS 77[11], de 26 de outubro de 1995, do Ministério da Fazenda, que autorizava os Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul a revogarem a isenção do ICMS para água canalizada. O pleito se louvava no referido julgamento da ADI 567 e dispunha que a incidência do ICMS sobre a água potável para o consumo da população gera uma situação eivada de inconstitucionalidade, mormente a tributação, via ICMS, do fornecimento de água, atividade que não constitui fato gerador desse imposto. Segundo o PGR:

Observa-se, entretanto, que foi conferida interpretação inadequada ao conceito de mercadoria, conduzindo, erroneamente, à classificação de água canalizada como bem dentro do comércio. A água canalizada, ao contrário do que acontece com a água envasada, não é objeto de comercialização, e sim de prestação de serviço público. Não há, portanto, uma operação relativa à circulação de água, bem natural fora do comércio, insuscetível de circulação econômica, à população metropolitana.

Ademais, o fornecimento de água potável é exercício regular de serviço público específico posto à disposição da população, por interesse da saúde pública, e, sem razão disso, enquadra-se na hipótese de incidência de outro tributo previsto no art. 145, inciso II, da Constituição Federal – a taxa – que tem como um dos fatos geradores a ‘utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição’.

O plenário do STF não conheceu da ação proposta pelo PGR por força de vício na petição inicial que deveria ter impugnado tanto o Convênio ICMS 77/1995 e os Convênios anteriores, haja vista a possibilidade de repristinação normativa que manteria a situação de inconstitucionalidade. Nada obstante, da ementa do acórdão[12] retira-se o seguinte excerto: “Jurisprudência deste Tribunal que entende que não ser a água canalizada mercadoria sujeita a tributação pelo ICMS, por tratar-se de serviço público”. Portanto, a Corte não enfrentou o mérito da controvérsia, conquanto tenha feito menção a julgado seu.

Somente no ano de 2013 o STF, nos autos do RE 607.056[13], apreciou o mérito dessa controvérsia: saber se a Constituição autorizaria a incidência do ICMS sobre o fornecimento de água tratada. Eis, da ementa do acórdão[14], as teses vencedoras:

1. O fornecimento de água potável por empresas concessionárias desse serviço público não é tributável por meio do ICMS.

2. As águas em estado natural são bens públicos e só podem ser exploradas por particulares mediante concessão, permissão ou autorização.

3. O fornecimento de água tratada à população por empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas não caracteriza uma operação de circulação de mercadoria.

O feito nasceu de ação[15] proposta em face do Estado do Rio de Janeiro perante a Justiça desse Estado fundada nos citados julgados do STF (ADI’s 567 e 2.224) e em julgados de outros tribunais, como o mineiro, o paulista e o fluminense, que assentaram a não incidência do ICMS sobre o fornecimento de água potável às populações urbanas, na linha de que não se cuidava de circulação de mercadoria.

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A sentença[16] não acolheu o pleito, sob o fundamento de que o fornecimento de água tem natureza mercantil, visto que se trata de processo industrial, de sorte que há um custo para o fornecimento de água canalizada, que é absorvido pela venda do produto (água tratada), mediante a circulação de mercadoria. E que no caso específico tem-se a incidência do ICMS porque se cuida de prestação de serviços com operação de venda de mercadoria. A sentença recordou julgados que confortariam o seu entendimento.

                                                     

Irresignada, a parte que não teve o seu pleito acolhido apelou[17]  para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ) repisando os argumentos jurídicos e os fundamentos normativos deduzidos na petição inicial. Esse recurso foi impugnado[18] pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE/RJ) que fundou suas razões em três argumentos:

(a) a água fornecida aos consumidores pelas concessionárias de serviços públicos não é bem público inalienável;

(b) o fornecimento, pelas concessionárias de serviços públicos, de água limpa e potável aos consumidores não é serviço público propriamente dito, o que equivale dizer que não é serviço público essencial; e

(c) a água fornecida aos consumidores pelas concessionárias de serviços públicos é mercadoria.

Em sua argumentação, a PGE/RJ tratou de demonstrar que o serviço de água encanada não é serviço público essencial, diferentemente da coleta do lixo, que seria essencial, pelo fato de que o essencial é inescapável para o usuário e somente pode ser remunerado via taxas, enquanto que o não essencial é facultativo para o usuário e pode ser remunerado via tarifas.  Também a PGE/RJ rebateu a tese segundo a qual a “água canalizada” seria bem público inalienável, portanto, bem fora do comércio, tendo em vista que para ser consumida pelos usuários necessita da intervenção industrial de uma corporação, pública ou privada, na qual a há uma contraprestação pelo seu consumo, o que faz dela uma mercadoria. A PGE/RJ recordou outros serviços públicos sobre os quais incidiam o ICMS, como o fornecimento de energia elétrica, o de gás e de telefonia, por exemplo.

A Promotoria de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (MP/RJ) opinou[19] pelo desprovimento da apelação forte na tese segundo a qual a legislação pode considerar a água canalizada como mercadoria que o seu fornecimento pode ser objeto de incidência do ICMS, tendo em vista os aspectos econômicos dessa atividade. Já a Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (PGJ/RJ) opinou[20] em sentido diametralmente oposto e defendeu que o fornecimento de água canalizada é serviço público essencial e de necessidade pública específica e divisível, não sujeito à alienação e que não pode ser a respectiva prestação ser erigida como fato gerador de imposto.

A desembargadora relatora[21] do acórdão do TJ/RJ votou no sentido da exoneração tributária, louvando-se em julgados do próprio TJ, do STJ e do STF, no que foi acompanhada pelos demais desembargadores integrantes do colegiado. Dessa decisão merece ser transcrita o que se segue:

A água, recurso natural e essencial à vida, ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, constitui bem público inalienável, e o fornecimento de água potável, disponibilizado à população como serviço público, de obrigação do Estado, não enseja a perda de sua natureza, mesmo sendo delegado mediante concessão.

É cediço que, para se tornar própria ao consumo e sem riscos à saúde pública, a água passa por um processo industrial. Entretanto, os trabalhos exigidos e os serviços de manutenção não a transmudam de bem essencial à vida em mercadoria, de competência do Poder Público, nos termos dos artigos 23, inciso II e IX, e 175 da Constituição Federal.

A água encanada, colocada à disposição da população, não deve ser, assim, considerada como uma mercadoria, capaz de atrair a incidência do ICMS, porque seu fornecimento é um serviço público essencial à coletividade, conforme definido no artigo 10, inciso I da Lei Federal 7.783/89, e de prestação obrigatória pelo Estado, que o delegou, mediante concessão, à CEDAE, não se admitindo outro encargo para o cidadão, senão a tarifa arbitrada com base em critérios técnicos.

Em face desse acórdão estadual, a PGE/RJ manejou o analisado recurso extraordinário para o STF a fim de que esse Tribunal pacificasse de vez essa controvérsia, que restou ocorrida no referido julgamento do Plenário.  O ministro Dias Toffoli[22], relator do feito, louvando-se nos atávicos julgados da Corte e em respeitável magistério doutrinário, assinalou:

Observe-se que, embora o fato gerador do ICMS seja descrito na lei que o institui, como ocorre com todos os demais tributos, sujeita-se o legislador infraconstitucional aos limites da hipótese de incidência estabelecida na Carta Magna. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias ou à prestação de serviços taxativamente previstos no dispositivo constitucional.

....

Assim, analisar a extensão da hipótese de incidência prevista no art. 155, inciso II, da Constituição Federal é indispensável para a identifica

Nessa perspectiva, Toffoli assentou que a fornecedora do serviço não é a titular de sua propriedade, que permanece bem público, que não há, por consequencia, “circulação”, visto que não há alteração dessa titularidade, e, como tal também não pode ser vislumbrada como “mercadoria”, nada obstante seja bem móvel de valor econômico, pois há obstáculo legal a alienação jurídica desse bem água (Lei 9.433/1997, art. 18; Decreto 24.643/1934, art. 46). Ademais, segundo Dias Toffoli, a incidência do ICMS conduziria a tributação do saneamento básico, que não encontraria autorização constitucional.

O ministro Luiz Fux[23] acompanhou o voto do relator Dias Toffoli e assinalou  que a condição jurídica da água não muda radicalmente de figura com a mera distribuição domiciliar de água potável por empresas aos cidadãos, razão pela qual não pode ser qualificada como mercadoria, visto não poder ser objeto de alienação, haja vista os aludidos vetos legais. Também, segundo Luiz Fux, a Constituição previu expressamente a tributação de prestação de serviços públicos como transporte, comunicação, energia elétrica, mas não autorizou a tributação do serviço de fornecimento de água. Inclusive, Luiz Fux recordou o veto presidencial ao projeto de lei que resultou na Lei Complementar n. 116/2003, e que incluiu o saneamento, o tratamento e a purificação da água como serviço a ser tributado por ISSQN. E, ainda segundo Luiz Fux, a tributação da água canalizada seria um obstáculo à universalização desse serviço público essencial para todos os brasileiros de todas as regiões.

A divergência foi inaugurada pelo ministro Marco Aurélio[24] e secundada pelo ministro Ricardo Lewandowski[25]. Segundo Marco Aurélio:

Quando se tem, junto com o fornecimento da mercadoria – e, para mim, água é mercadoria -, a prestação de serviços, adota-se a teoria do preponderante. Reconheço que as empresas de água que se dedicam, em linhas gerais, ao saneamento – e a CEDAE, no caso, é uma empresa de água – prestam serviços. Recebo em minha residência um medidor, que vai conferir o hidrômetro, o relógio que marca a chegada dessa mercadoria canalizada – e o fato de a mercadoria ser canalizada não implica a sua descaracterização.

Indago: ainda que coloquemos a água como indispensável, como englobar esse gênero – não espécie – serviço essencial, porque vejo nele também apanhadas certas mercadorias, esse fato descaracteriza o que fornecido como mercadoria? A meu ver, não, Presidente. Repito que, até aqui, pelo que me consta – teria que fazer pesquisa um pouco mais aprofundada -, o ICMS vem sendo cobrado em todas as contas apresentadas, não sendo, no caso do fornecimento de água, primazia do Estado do Rio de Janeiro.

Ricardo Lewandowski pontuou:

Refletindo sobre as ponderações do ministro Marco Aurélio, imaginando que não se trata de água in natura, e não se trata de um simples transporte de algo que vem de fontes naturais, mas é uma água tratada, a qual, não raro, é adicionado flúor, algicidas e outros produtos químicos...

Pois é, é algo que se adiciona à natureza. E tendo em conta, também, senhor presidente, que a água não só em nosso país, mas em escala mundial, vem se transformando num bem cada vez mais escasso, eu gostaria de exteriorizar um pensamento em voz alta, no sentido de que, talvez, a tributação sobre esse bem escasso seja uma forma de se, pedagogicamente, indicar um uso mais adequado desse importante bem...

Nada obstante a divergência, os demais julgadores acompanharam o entendimento externado por Dias Toffoli. Sem embargo da respeitabilidade desse entendimento vencedor, entendemos que a Constituição não veda ao legislador o direito de instituir a incidência do ICMS sobre o fornecimento de água potável, que passa por um processo de industrialização e deixa de ser um produto exclusivamente natural e se convola em bem de uso mediante uma complexa operação de serviços. Essa complexa cadeia de operações não foi exonerada pela Constituição da incidência do ICMS.

Daí que, em nossa avaliação, a decisão de exonerar o serviço de fornecimento de água canalizada deveria ser da autoridade política, no seu juízo de conveniência e oportunidade, no processo das escolhas públicas e arcando com os ônus de suas decisões políticas que impactam a sociedade, mormente nos aspectos financeiros e econômicos. Não cabe à autoridade judicial, no seu juízo de licitude ou de legalidade constitucional, avançar nesses aspectos. Ao Poder Judiciário, nos termos prescritos pela Constituição Federal, cabe apreciar se há (ou houve) lesão ou ameaça a direito, ou seja, verificar o exercício regular e autorizado de possibilidades fáticas, de modo mais específico, apreciar se houve alguma ilegalidade ou abusividade. Qualquer coisa além disso, é usurpação inconstitucional de competências.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Água, tributos e tarifas:: Uma análise dos regimes tributário e tarifário desse bem econômico indispensável à saúde, a partir de julgados do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6209, 1 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83593. Acesso em: 21 nov. 2024.

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