A mulher perante o sistema prisional brasileiro e a importância de medidas alternativas as prisões provisórias

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2 REFLEXOS DE UM CÁRCERE INCONSTITUCIONAL NA VIDA DE MULHERES GESTANTES, MÃES E CRIANÇAS NO CONTATO COM O SISTEMA E A UTILIZAÇÃO DE MEDIDAS ALTERNATIVAS A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

Devido à situação atual do sistema prisional brasileiro as prisões provisórias não são muito distintas da pena restritiva de liberdade, no qual os presos provisórios, sejam eles preventivos ou temporários, acabam passando pelas mesmas situações que os presos já condenados. Inclusive, de acordo com o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público):

Sabe-se que a superlotação de presídios é a regra em nosso país. Infelizmente, temos que constatar, diuturnamente, que presos provisórios e condenados estão confinados em espaços indignos, insalubres e sem condições mínimas de higiene. [...] São constantes os relatos de agressões, estupros e homicídios de presos, eis que não há separação de presos provisórios e presos definitivos; não há separação de regimes de cumprimento de pena, além de diversos problemas decorrentes da superlotação carcerária (BRASIL, 2018b, p. 38 e 192).

Entre a relação de punir uma mulher por meio da pena restritiva de liberdade, mesmo que de forma provisória como o que acontece com as prisões preventivas, e o seu direito de convivência materna com o filho há um impasse. Deve-se ter uma preocupação maior com a criança envolvida. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) tem o dever de visar o melhor interesse da criança, desde o seu direito de convivência com a mãe, principalmente nos primeiros anos de vida como durante a amamentação que é considerada essencial, até o dever de preservar a sua qualidade de vida, analisando o ambiente em que essa criança está sendo exposta.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, alçou o direito à convivência familiar e comunitária ao status de verdadeiro direito fundamental, garantindo-lhe, por conseguinte, toda a proteção jurídica daí decorrente. Sua fundamentalidade material, aliás, pode ser extraída justamente do art. 5º, §2º, da Constituição Federal, que expressamente admite a existência de direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios constitucionais, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa o Brasil seja parte. Em virtude da natureza jurídica que lhe foi emprestada pelo Constituinte Originário, podemos analisar o direito à convivência familiar e comunitária à luz da teoria geral dos direitos fundamentais, passando a compreender que, como tal, possui tanto âmbito de proteção definido prima facie como é passível de restrições realizadas pelo legislador ordinário, observando-se, contudo, os limites das intervenções (SÃO PAULO, 2019, p. 125 e 126).

A utilização de medidas alternativas, como a prisão domiciliar, é uma forma de pensar no futuro das crianças que são geradas no sistema ou abandonadas logo após a prisão da sua genitora, não estendendo a pena da mãe à criança (QUEIROZ, 2105). É importante para a criança o convívio materno, porém a opção mais viável para sua saúde e crescimento saudável é de ser criada juntamente com a genitora em um ambiente familiar e livre e não em um sistema prisional.

Um sistema prisional marcado pela falta de dignidade humana[2] e pelo descaso social e Estatal aos indivíduos detidos não está apto a receber gestantes e crianças. A situação caótica do sistema se enquadra a teoria do Estado de Coisas Inconstitucional, que se refere com um quadro insuportável e permanente de violação de direitos fundamentais (BRASIL, 2015), sendo contraditório ao expresso na Constituição Federal. Essa teoria inclusive foi reconhecida no Brasil, em relação ao sistema, em 2015 pelo STF com a ADPF 347.

No contexto do julgamento da liminar da ADPF, o Ministro Edson Fachin (2015) afirmou que:

[...] no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se ‘lixo digno do pior tratamento possível’, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as ‘masmorras medievais (BRASIL, 2015).

Condições que refletem tanto no físico quando psicológico da mulher, com riscos de contaminação por doenças que podem facilmente serem transmitidas a seus filhos e maior probabilidade de depressão pós-parto. Além disso, a maioria das mulheres gestantes no sistema, que inclusive já chegaram ali grávidas, não consegue realizar um pré-natal digno e são tratadas com descaso e preconceito quando levadas a hospitais, além de serem taxadas como incapazes de criarem seus filhos.

A maioria das detentas grávidas já chega grávida na cadeia. Algumas, já no fim da gestação, nunca passaram por um obstetra pois eram pobres e desinformadas demais. Como em todo o país só existem 39 unidades de saúde e 288 leitos para gestantes e lactantes 2 privadas de liberdade, na maioria dos presídios e cadeias públicas, elas ficam misturadas com a população carcerária e, quando chega a hora do parto, geralmente alguém leva para o hospital. Já nasceu muita criança dentro do presídio porque a viatura não chegou a tempo, ou porque a polícia se recusou a levar a gestante ao hospital, já que provavelmente não acreditou — ou não se importou — que ela estava com as dores de parto. Aconteceu, em alguns casos, conta Heidi, de as próprias presas fazerem o parto, ou a enfermeira do presídio (QUEIROZ, 2015, p.44).

Em relação ao trabalho, se as mulheres em um contexto geral já possuem dificuldade para retornar ao mercado de trabalho após licença-maternidade, ou quando retornam 35% são demitidas logo após a sua volta (MACHADO, NETO, 2016), na condição de ex-detenta as dificuldades são ainda maiores. É um processo árduo no qual além de enfrentarem os desafios na criação de seus filhos, ainda têm que lidar com o preconceito da sociedade.

A maioria dos cidadãos teme o convívio com ex-criminosos. Os egressos de presídios são geralmente vistos como pessoas não confiáveis. Muitos realmente continuam perigosos depois da libertação. Outros, não. A resistência dos empregadores e da sociedade para reabsorver criminosos é enorme. As pessoas têm dificuldade para dar uma segunda chance a quem cometeu um delito. Do seu lado, os egressos dos presídios, na maioria dos casos, estão pouco preparados para entrar em uma empresa e se comportar de acordo com as regras (PASTORE, 2011, p.11).

Os desafios das mulheres para criarem seus filhos nos dias de hoje se tornam ainda maiores na condição de uma ex-detenta, enfrentando o preconceito e as diversidades para não retornarem ao mundo do crime. “O tratamento desumano conferido aos presos não é um problema apenas dos presos: a sociedade livre recebe os reflexos dessa política sob a forma de mais violência” (BARCELLOS, 2010). Tudo que acontece dentro da prisão influencia diretamente a sociedade, no qual detentas não ressocializadas e discriminadas serão liberadas ainda piores.

2.1 Um Sistema Prisional Inconstitucional - Adpf 347 E O Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP

A ADPF 347 do STF fortalece ainda mais as pesquisas e notícias que demonstram a realidade cruel dos sistemas prisionais, com violação de diversos direitos e princípios fundamentais e o aumento da criminalidade, resultante de ações e omissões dos Poderes Públicos da União, além dos Estados e do Distrito Federal (BRASIL, 2015). Uma ação no intuito de alertar as autoridades competentes da urgência na busca por soluções, garantindo direitos e não violando a Constituição Federal e seus preceitos.

Diante das mazelas do sistema prisional é consequentemente ineficaz a função ressocializadora da pena. Deste modo, a aplicação de medidas alternativas aos presos funcionaria como uma melhoria para todo o cárcere. Possibilitando ao condenado continuar trabalhando e se mantendo em meio ao convívio familiar. Sendo necessária a análise do nível de periculosidade das detentas à sociedade de acordo com o crime cometido, sem apoio a impunidade e conforme retrata a legislação.

A ideia minimalista aliviaria o problema da ressocialização. Sabemos que quanto maior o número de condenações que conduzam ao efetivo cumprimento da pena de privação de liberdade, maiores serão os problemas posteriores. Como vimos anteriormente, o ideal seria afastar, o máximo possível, o condenado do convívio carcerário, facilitando, dessa forma, a sua ressocialização. Na verdade, já o dissemos, com a aplicação de medidas alternativas a privação de liberdade, o processo de ressocialização ocorreria de forma natural, tendo em vista a manutenção do condenado em seu meio social. Ressocializar retirando o preso do seu meio social é uma verdadeira contradição (GRECO, 2015, p. 335).

A ADPF 347 também se mostra a favor da prática de penas alternativas dos presos como uma melhoria de todo o cárcere.

Em outras palavras, ao postular a realização de audiências de apresentação de flagrados ou a especial consideração da situação carcerária na avaliação da necessidade das prisões processuais ou cabimento da aplicação das penas alternativas, não se está buscando melhorar a situação de um preso em particular, mas reduzir a população prisional e, com isso, melhorar o respeito à coletividade dos presos (BRASIL, 2015, p. 138).

Perante esse contexto de um sistema prisional desumano o Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP de 2018 decidido pelo STF entende que mulheres presas provisoriamente na condição de “gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda” (BRASIL, 2018c) também tem direito a prisão domiciliar, como já relatam os artigos 318, incisos IV e V, e 318 – A do Código de Processo Penal, que foi acrescido pela Lei 13.769/18, em relação à prisão preventiva. Ocorre que a decisão não consegue atender todas as mulheres devido ao déficit de assistência jurídica e ao uso em excesso de prisões provisórias.

Inclusive, um dos motivos para a concessão da ordem do HC coletivo foi o fato de uma ex-primeira dama ter conseguido com facilidade a concessão desse benefício, ao passo que inúmeras outras mulheres presas continuam sendo expostas e expondo seus filhos a um cárcere inconstitucional gerando controvérsias no judiciário e uma insegurança jurídica, com algumas pessoas sendo beneficiadas e outras não, aguardando ao menos ter assistência jurídica fornecida pelo Estado.

O impacto do caso de Adriana Ancelmo, ex-primeira dama do Estado do Rio de Janeiro, em que a prisão preventiva foi decretada no plano da operação Calicute do Ministério Público Federal e, logo em seguida, foi substituída por prisão domiciliar, foi determinante para o Coletivo impetrar a ação no STF. Segundo o CADHu, “o episódio, que poderia simplesmente indicar a correta aplicação da lei, expôs a enorme seletividade do sistema de Justiça, que mantém as demais mulheres gestantes, puérperas ou mães de crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade no encarceramento” (SILVA, 2018, p.33).

Características diretas de discriminação e seletividade, sendo que hoje no Brasil 45% das mulheres presas são provisórias (BRASIL, 2018a). Mulheres pobres que não tem assistência jurídica e que aguardam sua condenação abandonadas pelo Estado e pela própria família, privando não apenas a liberdade da mulher, mas também, os direitos da criança de ter um atendimento médico adequado e um crescimento saudável durante a gestação e a infância. A população brasileira sofre com as dificuldades do acesso a saúde, todavia, a mulher encarcerada é ainda mais prejudicada.

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[...] a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à individualização da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à integridade física e moral da presa. Asseveraram que a política criminal responsável pelo expressivo encarceramento feminino é discriminatória e seletiva, impactando de forma desproporcional as mulheres pobres e suas famílias (BRASIL, 2018c, p. 4).

A prisão preventiva é uma modalidade de prisão provisória que deveria ser utilizada excepcionalmente, de acordo com o artigo 312 do Código de Processo Penal, nas situações em que houver fortes indícios da autoria do crime pelo acusado. Em casos que o acusado apresentar elevado grau de periculosidade, risco ao andamento processual, possibilidade de prejudicar a coleta de provas, fuga ou intimidar testemunhas, por exemplo, e se o crime supostamente praticado fora perpetrado mediante violência e/ou grave ameaça.

Entretanto, no Brasil cerca de 33,29% das prisões são provisórios (BRASIL, 2019a), assim muitos presos acabam passando anos nas prisões sem julgamento. A utilização irregular das prisões provisórias é uma das maiores causas da superlotação dos presídios brasileiros, mitigando diariamente princípios como o da dignidade da pessoa humana[3], da presunção de inocência[4] e da intranscendência[5]. As medidas alternativas colaboram não apenas com os detentos, mas com toda a população, como na possibilidade de diminuição do número de reincidentes e de organizações criminosas. Nesse sentido, conforme o CIDH (Comissão Interamericana De Direitos Humanos):

A utilização de medidas alternativas tem as seguintes vantagens, se comparada com a aplicação das medidas privativas de liberdade: — É ferramenta essencial para a redução da superlotação carcerária. — Evita a desintegração e estigmatização com a comunidade derivadas das consequências pessoais, familiares e sociais ocasionadas pela prisão preventiva. — Diminui os índices de reincidência. — Utiliza os recursos públicos de forma mais eficiente. — Constitui um meio para aperfeiçoar a utilidade social do sistema de justiça criminal e os recursos disponíveis. [...] A ruptura de laços de proteção causada pelo encarceramento de mulheres resulta em que as pessoas sob seu cuidado fiquem expostas a situações de pobreza, marginalidade, abandono, as quais, por sua vez, podem provocar consequências a longo prazo, tais como seu envolvimento em organizações criminais ou, inclusive, institucionalização (CIDH, 2016, p. 22 e 46).

Medidas alternativas, como a prisão domiciliar, dariam direito à liberdade provisória de mulheres que poderiam cuidar dos seus filhos ou dependentes de forma mais digna enquanto não fossem condenadas de forma definitiva.

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Sobre os autores
Thaís Batalha Moutinho

Graduada em Direito; Pós-Graduação em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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