No mês de abril, uma alteração normativa que envolve terras indígenas trouxe segurança jurídica para os processos que envolvem produtores rurais e comunidades indígenas em áreas com discussão de demarcações.
A Instrução Normativa da Funai nº 09/2020, de 16 de abril, fez modificações no processo de certificação dos limites de imóveis, alterando a emissão de um documento chamado Declaração de Reconhecimento de Limites, que serve para fornecer aos proprietários, ou possuidores de imóveis privados, a certificação de que os limites do seu imóvel respeitam os limites das terras indígenas homologadas; ou seja, aquelas em que o Presidente da República emitiu o respectivo decreto, o que antes, para fins de certificação de limites, se considerava, até mesmo, as terras indígenas em fase de estudo antropológico, sem demarcação homologada - as chamadas áreas “identificadas” - e, também, as “delimitadas” pela legislação.
É necessário lembrar que a certificação de que trata a instrução normativa é aquela que já comentamos no quadro sobre os cadastros da propriedade rural ao falar do SIGEF – Sistema de Gestão Fundiária, ferramenta criada em 2013 e utilizada pelo INCRA nos processos de certificação e georreferenciamento de imóveis rurais, sendo que, por determinação da lei, todos devem ser certificados.
Buscando esta facilitação e transparência nos atos dos órgãos públicos, o SIGEF trouxe, como novidade na época, a integração de dados fundiários de outros órgãos, como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Cartórios de Registro de Imóveis
O problema nesta “facilitação”, então, foi a sobreposição de áreas causada pela permissão de que fossem declaradas informações ainda sem validação oficial, como no caso das terras indígenas para as áreas chamadas de “identificadas” e as “delimitadas”, apenas uma pretensão de demarcação, problema até semelhante ao que acontece no Cadastro Ambiental Rural, que também já apontou sobreposições com terras indígenas por permitir à Funai o cadastro de terras destas terras “identificadas” e “delimitadas”, ainda não homologadas por decreto presidencial.
As sobreposições trazem um problema ainda maior: não é possível praticar qualquer ato registral imobiliário, tais como o registro de compra e venda, os desmembramentos de matrícula, as unificações de matrícula, averbação de condomínios, sistemas de multipropriedade que também comentamos, além do acesso às políticas públicas agrícolas como de crédito rural, cédulas rurais, garantias, dentre outras.
Veja então que estes impedimentos são verdadeiramente uma afronta aos direitos do proprietário de usar e dispor do imóvel, pois está deixando de praticar atos decorrentes do seu direito de propriedade, afinal, certificação de um imóvel ou delimitação dele por memorial descritivo, jamais será considerado domínio ou direito de propriedade deste imóvel para os finais legais, já que é proprietário aquele que devidamente está registrado na matrícula como tal.
Portanto, apesar das facilidades na gestão de dados, é evidente que a má gestão destas ferramentas gera abuso de poder de órgãos públicos, excesso de burocracia, insegurança jurídica e vulnerabilidade do produtor rural sujeito a estes procedimentos.
Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas apenas se encerram após três principais atos administrativos, em respeito ao princípio constitucional do devido processo legal, que são: a assinatura de portaria pelo Ministério da Justiça, o decreto de homologação do presidente da República, e a transferência do imóvel em matrícula, do antigo proprietário para o patrimônio da União, o que normalmente é feito pela Funai em posse dos documentos anteriores.
Temos agora a expectativa de que com a novidade, haverá aumento na segurança jurídica, através da certificação dos limites imobiliários que respeitem as regras tanto para o direito de propriedade, quanto para as terras indígenas, a expectativa de que a FUNAI não irá mais produzir documentos que restrinjam a posse de imóveis ainda não homologados como terras indígenas e que, consequentemente, impediam a continuação das atividades produtivas até transferência do domínio destas matrículas.
Há também maior expectativa de aumento na segurança jurídica já que os critérios passam a ser mais claros e definidos na emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites, pois os imóveis enquadrados nestas exceções receberão a declaração, comprovando atendimento aos requisitos da norma e, finalmente, dando continuidade a tantos processos de certificação bloqueados até então por estas situações de sobreposição de áreas.
É possível perceber, com estas novidades, que, certamente, haverá enorme avanço para os trabalhos de consultoria jurídica na orientação de negócios imobiliários que envolvam terras em discussão de demarcação. Sobretudo um avanço ainda maior nos trabalhos topográficos e de georreferenciamento que hoje já se utilizam de tecnologia com técnicas de sensoriamento remoto para obtenção das informações de reconhecimento de limites, com agilidade e redução de custos para a certificação do INCRA.
É fundamental esclarecer que não foram tirados quaisquer direitos de ambos os lados, sejam indígenas ou produtores, já que as regras são claras, os requisitos e documentos precisam ser apresentados e, além disso, os relatórios de visita precisam ser assinados tanto pelos proprietários/possuidores, quanto os indígenas, não mais apenas por indígenas e pelo servidor responsável como era antes.
O Decreto Federal nº 4.449/2002 afirma que a certificação do memorial descritivo pelo INCRA apenas certifica que a poligonal objeto do memorial descritivo não sobrepõe outras poligonais que a certificação do memorial descritivo “não implicará reconhecimento do domínio”, o que serve, por óbvio, para regularização de divisas para ambos os envolvidos.
Além disso, os processos de identificação, delimitação, demarcação de áreas indígenas, encaminhando laudo antropológico ao Ministro da Justiça, que publicará portaria, encaminhará ao Presidente da República para emissão de decreto, pode continuar normalmente sem qualquer prejuízo pela instrução normativa.
Enfim, havendo certificações bloqueadas por sobreposição de áreas, cabe ao técnico responsável pelo requerimento de certificação abrir um pedido de análise com base nas novas regras e na nova declaração de reconhecimento de limites, enviando eletronicamente a solicitação, cabendo ao técnico e ao proprietário agilizar a certificação, se necessário enviando requerimento às unidades da Funai e INCRA, no caso da Funai, direcionados ao DPT, Departamento de Proteção Territorial.