No ano de 2015, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 545, que prevê o seguinte: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal” (Terceira Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015).
Nada mais justo!
Mas, o juiz pode, a seu bel-prazer, prestigiar outros elementos probatórios e desconsiderar a confissão realizada em juízo como fundamento para a condenação e, em razão disso, deixar de aplicar a atenuante prevista no art. 65, III, ‘d’, do Código Penal?
De acordo com o art. 155, caput, do Código de Processo Penal, “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
O dispositivo legal é claro e dele podemos extrair que o julgador toma suas decisões com base no princípio do livre convencimento motivado. O que quero dizer, em suma, é que o magistrado pode desconsiderar a confissão do réu e condená-lo, desde que de maneira fundamentada, com alicerce em outras provas.
Isso, no entanto, não autoriza o juízo a quo a negar o benefício da atenuante ao acusado sob o argumento de que a confissão não foi utilizada como fundamento da sentença condenatória.
O art. 8º, item 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n. 678/1992, dispõe que “a confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza”.
Inobstante, o Código Penal, ao dispor sobre a atenuante da confissão, estabelece:
“Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
[...]
III - ter o agente:
[...]
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;”.
Importa anotar que Cleber Masson explica que “para servir como atenuante genérica, a confissão há de ser espontânea, é dizer, deve surgir como fruto da sinceridade do íntimo do agente. Entretanto, o STJ já decidiu ser prescindível a espontaneidade, bastando que haja apenas a voluntariedade. Para o STF, a simples postura de reconhecimento da prática do delito enseja o reconhecimento desta atenuante genérica, pois o CP não faz qualquer ressalva no tocante à maneira como o agente pronuncia a confissão, e essa circunstância possui natureza objetiva, razão pela qual independe do subjetivismo do julgador.” (Código penal comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. p. 382).
Continuando, o renomado autor acrescenta que “o fundamento dessa atenuante é a lealdade processual” (Código penal comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. p. 382).
Então, se o acusado confessou a autoria do delito e contribuiu para a busca da verdade real, um dos princípios do processo penal, não há razão para negar a redução da reprimenda na segunda fase da dosimetria. Do contrário, haverá afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena (art. 1º, III e art. 5º, XLVI, da CF/1988).
Penso, ainda, que se a regra do art. 65, III, ‘d’, do CP, não condiciona o reconhecimento da atenuante à sua utilização na sentença, a negativa da benesse causa violação ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/1988).
Assim, a partir do momento que o acusado confessa a prática do crime em juízo, deverá ter direito à redução da pena por conta da atenuante da confissão, ainda que a sua versão dos fatos não tenha sido utilizada para fundamentar a condenação, desde que não seja a hipótese da Súmula nº 231 do Superior Tribunal (“a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”).