Capa da publicação Suposta aproximação do MPF com o Executivo Federal é preocupante
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Um quadro preocupante

03/10/2020 às 15:00
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O procurador-geral da República, Augusto Aras, arquivou uma apuração preliminar sobre a conduta do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). Será que a necessária independência entre o MPF, por sua chefia, e o Executivo Federal, está sendo observada?

I – O FATO

Segundo o site Poder 360, o procurador-geral da República, Augusto Aras, arquivou uma apuração preliminar sobre a conduta do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). A investigação se baseava na declaração do ministro, que disse, em reunião ministerial, que o governo federal deveria “ir passando a boiada” na legislação ambiental, enquanto o foco do país fosse o enfrentamento à pandemia.

Aras comunicou o arquivamento ao STF (Supremo Tribunal Federal), no dia 29 de setembro de 2020, mesma data em que a Justiça Federal derrubou a revogação de medidas de proteção ambiental pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), presidido por Salles.

Ao arquivar o inquérito, Aras afirmou ao STF que Ricardo Salles já responde a uma ação por improbidade administrativa pela mesma declaração na Justiça Federal do Distrito Federal.

II – CONDUTAS QUE PODERIAM SER INVESTGADAS

Com o devido respeito, a decisão pelo arquivamento da representação feita pelo titular da ação penal pública incondicionada é reflexo de uma análise superficial sobre os fatos e o direito.

Não houve interesse de aprofundar as investigações para averiguar dois crimes que podem desbordar daquelas declarações: o de prevaricação e o de advocacia administrativa.

É evidente que as atitudes do então ministro do Meio Ambiente são voltadas para os grandes interesses do mercado imobiliário, especialmente quanto à especulação imobiliária e, ainda, do mercado de produção, como se evidencia na decisão do CONAMA, que recentemente liberou os mananciais de manguezal à própria sorte, com danos irreparáveis ao meio ambiente.

Prevaricar é a infidelidade ao dever de oficio. É o descumprimento de obrigações atinentes à função exercida.

Na forma do artigo 319 do Código Penal, de 3 (três) maneiras o agente poderá realizar o delito. Duas delas de natureza omissiva (retardando ou omitindo o oficio). Outra, de feição comissiva, praticando ato contrário a disposição expressa de lei.

O fato pode ser objeto, por certo, além de responsabilidade no âmbito penal, de condenação no campo civil da improbidade, à luz dos artigos 11(violação de lei ou de princípio) e 12, III, da Lei n. 8.429/92.

O elemento subjetivo é o dolo genérico ou especifico. O primeiro consiste na vontade livremente endereçada à realização de qualquer das condutas referenciadas na norma. O dolo específico consiste na finalidade de o funcionário satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Se há interesse pecuniário, o crime é de corrupção passiva.

Na forma comissiva pode ocorrer tentativa.

O crime é de menor potencial ofensivo.

Destaco aqui que a jurisprudência é no sentido de que não se pode reconhecer o crime de prevaricação na conduta de quem omite os próprios deveres por indolência ou simples desleixo, se inexistente a intenção de satisfazer interesse ou sentimento pessoal (JUTACRIM 71/320) e ainda outro entendimento no sentido de que ninguém tem a obrigação, mesmo o policial, de comunicar à autoridade competente fato típico a que tenha dado causa, porque nosso ordenamento jurídico garante ao imputado o silêncio e, até mesmo, a negativa de autoria (RT 526/395).

Fala-se em advocacia administrativa.

O núcleo do tipo previsto no artigo 321 do Código Penal é patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.

A conduta envolve advogar, facilitar, tutelar, proteger. É o caso de patrocinar interesse privado junto a qualquer setor da Administração Pública, e não somente aquela repartição onde esteja lotado, valendo-se de sua qualidade de servidor público.

Há um interesse privado em confronto com a Administração Pública.

O patrocínio não exige, em contrapartida, a obtenção de qualquer ganho ou vantagem econômica. Pode significar um simples favor, o que é, por si só, um fato típico.

Poderá fazer-se o patrocínio de forma direta, quando o agente realizar ele mesmo a defesa dos interesses ou ainda indireta, quando ele se valer de ¨testa de ferro¨. .

Costuma-se dizer que o patrocínio poderá ser formal ou explicito, mediante petição, requerimentos e arrazoados. Poderá ser dissimulado e implícito quando o agente público acompanhar o andamento de processos, procurando acelerá-los, formulando pedidos a colegas, tomando conhecimento de despachos. Assim, aceita-se a hipótese de coautoria. Isso porque não é lícito o ato desse terceiro.

Pode ocorrer a tentativa quando já praticados atos inequívocos de patrocínio ou advocacia.

O crime consuma-se com a prática de qualquer ato através do qual se manifeste o patrocínio que a lei incrimina, sendo irrelevante o resultado. O crime consuma-se com o simples fato de solicitar. É crime formal.

III – O SISTEMA DA SEPARAÇÃO

De outra sorte, o fato de o atual ministro do Meio Ambiente ser investigado por eventual conduta de improbidade administrativa, não elimina a possibilidade de ser investigado na saara criminal.

Isso porque a improbidade administrativa é delito civil com repercussões administrativas.

No Brasil, é adotado o sistema de separação ou independência para o qual é possível desenvolver um pleito indenizatório diante de julgamento no juízo criminal.

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Neste contexto, prevê o artigo 935 do Código Civil:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Percebem-se pontos de aproximação, com interferências da justiça penal na civil e vice-versa, mesmo com a adoção do nosso sistema separatista.

Aguiar Dias (Da responsabilidade civil, 8ª edição, 2ª volume, Rio de Janeiro, Forense, 1987, pág. 954), comentando o artigo 1525 do Código Civil de 1916, que corresponde ao disposto no artigo 935 do atual diploma civil, diz que o injusto criminal nem sempre coincide em seus elementos com o injusto civil. Assim, quando reconhecidos, na instância penal, o fato e a autoria, ainda assim for o acusado declarado não delinquente, por faltar a seu ato algumas das circunstâncias que o qualificam criminalmente(por não estar completo o tipo penal), o julgado não condiciona o civil, para o fim de excluir a indenização, porque não são idênticos num e noutro os princípios que são determinantes da responsabilidade.

Intercomunicam-se as jurisdições civil e criminal. A segunda, repercute na primeira quando reconhece o fato e sua autoria. Nesse caso, a sentença criminal transitada em julgado, se constitui em título executório no civil(artigo 63 do Código de Processo Penal). Se negar o fato ou a autoria, também de modo categórico, impede, no juízo civil, questionar-se o fato. Se a sentença absolutória apoiar-se em ausência ou insuficiência de provas, remanesce o ilícito civil, como se lê de decisão do Superior Tribunal de Justiça, no RSTJ 7/400.

Fernando Capez (Curso de processo penal, 13ª edição, São Paulo, Saraiva, 2006) alertou, ao comentar o artigo 386 do Código de Processo Penal, em suas 6 (seis) hipóteses de absolvição, que os incisos II, IV e VI dizem respeito a hipóteses de falta de provas e que ensejam o ajuizamento de ação de reparação de dano, na esfera civil. Não é, portanto, a sentença condenatória transitada em julgado, a única que se reflete no civil, obedecido o que reza o artigo 63 do Código de Processo Penal, no sentido de que, transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo civil, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros, uma vez que a sentença condenatória criminal constitui título executório no civil.

IV – CONCLUSÕES

Preocupa a sociedade, cada vez mais, a possível aproximação do atual PGR com o governo federal. Isso é péssimo para a sociedade.

Segundo o site da Folha de São Paulo, em 27 de setembro do corrente ano, “entre manifestações encaminhadas ao STF e medidas adotadas pela própria PGR, a Procuradoria se alinhou ao governo em mais de 30 vezes. Na contramão desse número, em apenas uma oportunidade Aras apresentou uma ação constitucional contra ato do presidente Jair Bolsonaro.”

Diante da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público está consagrado, com liberdade, autonomia e independência funcional de seus órgãos, à defesa dos interesses indisponíveis do indivíduo e da sociedade, à defesa da ordem jurídica e do próprio regime democrático, como defina o artigo 127 da Constituição.

Tem-se, portanto, o membro do Parquet, que, como agente público, a teor do artigo 127, § 1º e 128 e parágrafos, possui autonomia funcional.

Preocupam os acenos do governo à Procuradoria Geral da República que tem sido, infelizmente, sistemáticos.

Não parece haver a necessária independência entre o MPF, por sua chefia, e o Executivo Federal.

Esse é o pior momento porque a Instituição permanente, MPF, vive desde a redemocratização, que, com a Constituição redentora de 1988, deu ao Parquet o papel de defensor da sociedade sem qualquer vinculação aos poderes de Estado. 

Tempos difíceis.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um quadro preocupante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6303, 3 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85755. Acesso em: 22 dez. 2024.

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