Capa da publicação Equidade de gênero: direitos sociais das trabalhadoras na jurisprudência do STF
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Equidade de sexo (gênero): Uma breve análise acerca dos direitos sociais das mulheres trabalhadoras na jurisprudência do STF

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3 A dinâmica jurisprudencial do STF

O ministro Edson Fachin, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.327[41],  em decisão cautelar e monocrática, determinou que seja considerado como termo inicial da licença-maternidade e do salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último (arts. 392, §§§ 1º, 2º e 3º, CLT). Algumas passagens da decisão merecem ser colacionadas:

A probabilidade do direito reside na proteção deficiente das crianças prematuras (e de suas mães), que, embora demandem mais atenção mesmo ao terem alta, tem esse período encurtado, uma vez que o período em que permanecem no hospital é descontado do período da licença.

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A interpretação literal, de fato, implica a conclusão de que o benefício inicia-se no período entre 28 dias antes do parto e a data da ocorrência deste, ainda que antecipado.

Apesar de ser possível a extensão desse período em 2 (semanas) antes e depois do parto, mediante atestado médico, e haver previsão expressa de pagamento no caso de parto antecipado, não há previsão de extensão no caso de necessidade de internações mais longas, como ocorrem especialmente com crianças nascidas prematuramente, antes das 37 semanas de gestação.

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No entanto, penso que ausência de previsão legal não é óbice legítimo. A ausência de lei não significa, afinal, ausência de norma.

Entre a autocontenção e a discricionariedade/ativismo judicial existe uma margem de normatividade a ser conformada pelo julgador dentro dos limites constitucionais. Essa margem ganha especial relevância no tocante à efetivação dos direitos sociais, que, como se sabe, exigem, para a concretização da igualdade, uma prestação positiva do Estado, material e normativa. Nestes casos, a efetividade dos direitos sociais não só não afasta, como depende da atuação jurisdicional até mesmo para enriquecer a deliberação pública (...)

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Trata-se, assim, de reconhecer uma omissão legislativa. O Min. Barroso defende que a omissão parcial comporta duas espécies: a chamada omissão legislativa e a omissão parcial propriamente dita. Nesta, o legislador atua de modo insuficiente ou deficiente em relação à obrigação que lhe cabia, o exemplo clássico é o salário mínimo (ADI n. 1458). Naquela, a lei exclui do seu âmbito de incidência determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-a de um benefício, em violação à isonomia, deixando o ato impugnado de prever o alcance do dispositivo a outras categorias (...)

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Em termos legislativos, o direito à licença-maternidade evoluiu de um direito de proteção ao ingresso das mulheres no mercado de trabalho, para um direito materno-infantil, de proteção às crianças (v. Lei n. 8.069/90, art. 8º) e do direito à convivência destas com suas mães (e pais) e vice-versa, passando a alcançar as adoções e incrementando, ao longo do tempo, o número de dias de afastamento remunerado.

Esse avanço legislativo vem acompanhado (e por vezes) precedido de discussões judiciais sobre a matéria, não sendo novidade decisões que, embora inicialmente controversas, acabam fomentando o diálogo institucional, sendo derradeiramente acolhidas pelo legislador, que se convence, então, que sua omissão não era eloquente, mas anti-isonômica. É o caso da decisão sobre a diferença entre os prazos de licença-maternidade entre os filhos biológicos e adotivos (RE 778.889...).

A questão sobre a prorrogação da licença nos casos de parto prematuro, aliás, encontra-se em debate no âmbito legislativo por meio da PEC n. 181/2015.

Subsiste, por ora, omissão legislativa quanto à proteção das mães e crianças internadas após o parto, a qual não encontra critério discriminatório racional e constitucional. Essa omissão pode ser conformada judicialmente.

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Partindo-se do princípio que a Constituição não traz palavras vazias, é dizer que algo absoluto não comporta relativização. A doutrina da proteção integral deve ser, assim, compreendida na sua máxima efetividade, assim como o direito da criança à convivência familiar, colocando-a a salvo de toda a forma de negligência, e o dever constitucional de que percentual de recursos da saúde seja destinado à assistência materno-infantil.

São essas as premissas que devem orientar a interpretação do art. 7º, XVIII, da Constituição, que prevê o direito das trabalhadoras à “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias”. Logo, os cento e vinte dias devem ser considerados com vistas a efetivar a convivência familiar, fundada especialmente na unidade do binômio materno-infantil.

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Assim, a partir do art. 6º e do art. 227 da CF, vê-se que há, sim, uma omissão inconstitucional relativa nos dispositivos impugnados, uma vez que as crianças ou suas mães que são internadas após o parto são desigualmente privadas do período destinado à sua convivência inicial.

E não se pode invocar o óbice do art. 195, § 5º: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

O benefício e sua fonte de custeio já existem. A Seguridade Social deve ser compreendida integralmente, como sistema de proteção social que “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

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Trata-se enfim de levar a sério e compreender integralmente os compromissos assumidos constitucional e convencionalmente em prol da proteção à infância e à maternidade.

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Diante do exposto, preliminarmente, conheço a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e, no mérito do pedido cautelar, depreendendo presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, defiro a liminar a fim de conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n. 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n. 3.048/99), e assim assentar (com fundamento no bloco de constitucionalidade e convencional de normas protetivas constante das razões sistemáticas antes explicitadas) a necessidade de prorrogar o benefício, bem como considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n. 3.048/99.

São inquestionáveis as boas intenções dessa decisão. Todavia, em linha de princípio, pode-se vislumbrar extensão de benefício previdenciário por força de ordem judicial, sem que houvesse a indicação da correspondente fonte de custeio, o que violaria o disposto no § 5º do art. 195, CF, na medida em que estende benefício da seguridade social. Essa preocupação com as possibilidades financeiras e orçamentárias da seguridade social restaram confirmadas no julgamento do Recurso Extraordinário n. 566.471[42], feito no qual o Tribunal decidiu que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente, quando não estiverem previstos na relação do “Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional do Sistema Único de Saúde”. Com efeito, a realidade financeira se impõe sobre a magia jurídica. E, por melhores e mais bem intencionadas que sejam as decisões judiciais, elas devam guardar sintonia com o ordenamento jurídico e com a realidade financeira do Estado e da sociedade.

Ademais, não há uma omissão legislativa inconstitucional, como alegado pelo requerente e justificado pelo ministro Edson Fachin, uma vez que não há um dever constitucional de legislar sobre o tema. E ainda que houvesse, nos termos do art. 103, § 2º, CF, caberia ao STF dar ciência ao legislador para que preenchesse a eventual lacuna normativa, ao invés de a própria Corte colmatá-la.

Com efeito, nos termos do art. 5º, XXXV, CF, o Poder Judiciário está autorizado a apreciar lesão ou ameaça a direito. Pois bem, direito é o exercício regular e autorizado de uma possibilidade fática. E o ordenamento jurídico é o conjunto de autorizações para o exercício regular de possibilidades fáticas. No ordenamento jurídico brasileiro não há a autorização para o regular exercício dessa possibilidade fática, que foi reivindicado pelo partido Solidariedade e restou concedida pelo ministro Edson Fachin. Sem embargo da indiscutível justiça e moralidade desse provimento judicial, ele não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro. Ativismo judicial não pode se transformar em absolutismo ou arbítrio judicial. O Estado (e o Poder Judiciário é Estado) é Democrático (legitimado pelo povo) de Direito (pautado pelo ordenamento jurídico).

E se acaso as decisões judiciais em vez de se fundarem no ordenamento jurídico, passarem a se fundar nos desejos de justiça ou nos sentimentos de moralidade, a própria Constituição, que integra o ordenamento jurídico, será objeto de desprezo, visto que nela há discriminações em relação às mulheres empregadas em face das demais mulheres trabalhadoras, mas que não têm um vínculo empregatício, ou que não contribuam para o sistema de seguridade social. Há tantas outras discriminações constitucionais que podem ferir as ideias de justiça ou de moralidade dos magistrados brasileiros, mas que ou estão amparadas no ordenamento jurídico ou que não foram absorvidas pelo ordenamento jurídico. Portanto, antes de criarem despesas ou obrigações para terceiros, mormente para o Poder Público, os magistrados deveriam verificar as condições financeiras, orçamentárias e operacionais de efetivo cumprimento de seus éditos: nem todos os provimentos judiciais são dotados de força normativa suficiente para alterar as realidades fáticas. Ou seja, há limites ao poder mágico das sentenças.

Continuando no tema de licença-maternidade, o STF, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.946[43], afastou a aplicação da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, no concernente ao limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral de previdência social para as licenças maternidades. O Tribunal entendeu que implicaria “retrocesso histórico” a limitação dos valores a serem pagos às mulheres em licença maternidade e que se acaso os empregadores tivessem de arcar com as diferenças dos valores previdenciários, seria um estímulo à contratação de homens e um incentivo ao desemprego de mulheres, o que contrariaria todo os espírito de igualdade sexual proclamado na Constituição Federal. Portanto, dois foram os principais fundamentos normativos manejados pela Corte: estímulo à contratação de mulheres e igualdade salarial entre homens e mulheres.

Nessa temática de igualdade sexual, o STF, nos autos do Recurso Extraordinário n. 204.193[44], decidiu de modo contrário aos interesses masculinos em acórdão cuja ementa restou vazada no seguinte sentido:

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO: EXTENSÃO AO VIÚVO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. C.F., art. 5º, I; art. 195 e seu § 5º; art. 201, V.

I – A extensão automática da pensão ao viúvo, em obséquio ao princípio da igualdade, em decorrência do falecimento da esposa-segurada, assim considerado aquele como dependente desta, exige lei específica, tendo em vista as disposições constitucionais inscritas no art. 195, caput, e seu § 5º, e art. 201, V, da Constituição Federal.

Nesse julgamento, o Tribunal reformou decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande de Sul que reconheceu o direito dos cônjuges varões de serem dependentes de suas esposas, em face do princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres em direitos e deveres.  A justificativa do STF para não reconhecer esse direito se fundou na ausência de lei específica concedendo ao marido esse direito e na proibição de concessão de qualquer benefício previdenciário sem prévia fonte de custeio. Vê-se que na aludida decisão liminar do ministro Edson Fachin (ADI 6.327) não houve esse mesmo rigor financeiro.

Essa orientação plasmada no citado RE 204.193 restou superada no julgamento do Recurso Extraordinário n. 385.397[45], feito no qual o STF chancelou entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais vazado no seguinte sentido:

A pensão por morte da esposa é direito reconhecido pelo art. 201, V, da CF/88, ao marido, não podendo prevalecer dispositivos legais anteriores à CF, que criem discriminação fundada no fato de ser homem, por não terem sido recepcionados pela nova ordem constitucional. A aplicabilidade do art. 201, § 5º, da CF não depende de indicação de qualquer específica fonte de custeio.

Nesse julgamento, o ministro Ayres Britto assinalou:

Esse tratamento desigual entre homem e mulher em matéria de pensão, às vezes, mal disfarça um ranço sociológico, histórico, para não dizer cultural mesmo, brasileiro, de demonizar a mulher, ou seja, de não reconhecer na mulher a condição de provedora.(...)

Com efeito, no voto que proferiu no referido RE 204.193, o ministro Carlos Velloso foi buscar o seguinte dado histórico-sociológico-cultural para justificar a discriminação legal e fundamentar o seu voto: “(...) o homem não depende, economicamente, da mulher; o contrário é o que ocorre, de regra” (...).

No plano das presunções em face das diferenças entre homens e mulheres, tenha-se o julgamento do Recurso Extraordinário n. 658.312[46] no qual o STF entendeu compatível com a Constituição o art. 384 da CLT, que tem a seguinte redação: “Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”. Da ementa do acórdão merecem destaque as seguintes passagens:

2. O princípio da igualdade não é absoluto, sendo mister a verificação da correlação lógica entre a situação de discriminação apresentada e a razão do tratamento desigual.

3. A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para um tratamento diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a história exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii) observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho – o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma.

4. Esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado desde que sirva, como na hipótese, para ampliar os direitos fundamentais sociais e que se observe a proporcionalidade na compensação das diferenças.

Essa fundamentação contida na referida ementa do citado acórdão merece alguns reparos. O único aspecto extrajurídico merecedor de destaque é a indiscutível inferioridade de força ou resistência física da mulher em face dos homens. Esse é um dado biológico que acompanha a espécie humana desde sempre, mormente a partir da adolescência e que somente com a eventual decrepitude da velhice volta a se igualar. Portanto, bastava esse aspecto extrajurídico para justificar a legitimidade do dispositivo legal. Os demais aspectos extrajurídicos invocados (histórica exclusão da mulher e dupla jornada de trabalho) há mais de 50 anos que não se prestam mais nem servem como justificativa convincente e aceitável.

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Com efeito, a industrialização e a expansão dos serviços abriu novas perspectivas para as mulheres, além das tradicionais atividades domésticas, de sorte que nenhuma mulher é alijada, por ser mulher, do mercado de trabalho, salvo para aquelas atividades nas quais a força física seja o elemento principal ou seja essencial para o desempenho de suas atividades. Quanto à dupla jornada de trabalho, isso parte de uma visão caricata e preconceituosa das relações domésticas que não encontra eco nas sociedades civilizadas e decentes deste século XXI. Primeiro porque muitos homens e mulheres vivem sozinhos. Segundo há muitas famílias apenas com um adulto responsável (ou homem ou mulher). Terceiro, há muitas famílias que têm ou apenas a mulher ou apenas o homem como principal fonte de renda e esta renda é obtida fora de casa, ficando os afazeres domésticos para aquele que fica mais tempo em casa. Quarto, na maioria das famílias os serviços domésticos são objeto de livre acordo do casal, não devendo o Estado se intrometer nessa seara. Quinto e último, ao “proteger” a mulher, a Lei justifica a sua situação de subalternidade doméstica, pois como ela tem “preferências/privilégios”, pode vir a ser sobrecarregada justamente por isso, assim, ao invés de equalizar, esse tipo de justificativa desequilibra para pior a situação feminina, sem embargo de suas boas intenções. [47]

Ainda no plano das presunções, recorde-se o julgamento do Recurso Extraordinário n. 778.889[48] no qual a Corte estendeu à licença adotante o mesmo prazo da licença gestante e fixou a seguinte tese constitucional:

Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada.

Da ementa do acórdão do referido recurso extraem-se as seguintes passagens explicativas:

1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias. Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior do menor.

2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente.

3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Violação ao princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente.

4. Tutela da dignidade e da autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever reforçado do Estado de assegurar-lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão, em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da adoção, possibilitando o resgate da convivência familiar em favor de menor carente. Dívida moral do Estado para com menores vítimas da inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus assumido pelas famílias adotantes, que devem ser encorajadas.

5. Mutação constitucional. Alteração da realidade social e nova compreensão do alcance dos direitos do menor adotado. Avanço significativo atribuído à licença parental e à igualdade entre filhos, previstas na Constituição. Superação de antigo entendimento do STF.

De efeito, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 197.807[49], decidiu que “não se estende à mãe adotiva o direito à licença, instituído em favor da empregada gestante pelo inciso XVIII do art. 7º, da Constituição Federal, ficando ao legislador ordinário o tratamento da matéria”.  No voto condutor do acórdão assinalou o ministro Octávio Gallotti:

A exegese gramatical certamente não merece as galas de um método definitivo ou conclusivo de interpretação, mas serve para marcar os limites quem se possa perquirir o resultado dos demais critérios de integração da norma jurídica.

No caso em exame, o direito à licença é vinculado ao fato jurídico gestação, que não permite, segundo penso, a extensão do benefício à hipótese do ato de adoção. Fosse a referência constitucional, por exemplo, simplesmente a ‘mãe’ ou a ‘maternidade’, poder-se-ia, ainda, cogitar da assimilação da adotante à gestante. Não porém, segundo penso, quando especificada a primeira na norma aplicável.

Não há falar, por outro lado, em analogia, ante a diversidade de uma e outra das situações acima enunciadas, sendo o caso de simples inexistência de direito social constitucionalmente assegurado e, dessa forma, relegado ao legislador ordinário, o tratamento da matéria, oportunidade em que seria útil, ademais, prover a fixação do prazo da licença e a limitação da idade de menor, suscetível de ensejar o benefício.

Vê-se que essa orientação prestigiou a liberdade de conformação do legislador infraconstitucional, tanto que posteriormente a esse julgado, houve inovação legislativa que criou a figura da “licença à adotante”, mas com prazos e requisitos diversos da “licença gestante”, por uma razão fática óbvia: adotar é diferente de parir.

Nada obstante a ação legislativa inovadora do ordenamento jurídico instituindo a “licença adotante”, no referido RE 778.889 o STF avançou na concessão de direitos. Novamente não se questionam as boas intenções, os desejos de justiça e os sentimentos de moralidade dos magistrados. Todavia, a Corte, vez mais, lança mão de argumentos extrajurídicos para inovar positivamente o ordenamento jurídico, em atividade típica do Poder Legislativo. A rigor, à luz dos argumentos justificadores da decisão, um homem que venha a adotar também terá direito à licença adotante de até 120 dias, podendo chegar até 180 dias, ainda que venha a adotar um adolescente de 16 anos. Ou seja, o Tribunal estendeu benefícios previdenciários sem identificar as fontes de custeio e usurpa atribuição típica do Poder Legislativo. Com essas decisões e posturas, o  Tribunal deixa de ser Supremo para se converter em Absoluto.

Essa atuação indiscutivelmente bem-intencionada da Corte, pautada por critérios extranormativos, se viu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.938[50] na qual o Tribunal proibiu às gestantes ou lactantes o exercício de atividades consideradas insalubres. O dispositivo legal impugnado nessa ADI 5.938 é o art. 394-A, incisos I e II, CLT, na redação introduzida pela Lei n. 13.467/2017:

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada:

I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;

II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;

III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.

Da ementa do acórdão da ADI 5.938 extraem-se as seguintes passagens:

1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.

2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e o direito à segurança no emprego, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei, e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

3. A proteção contra a exposição da gestante e lactante a atividades insalubres caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança, tratando-se de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando seu pleno desenvolvimento, de maneira harmônica, segura e sem riscos decorrentes da exposição a ambiente insalubre (CF, art. 227).

4. A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido.

Nesse julgamento, o Tribunal sacrificou a autonomia da vontade da mulher e a responsabilidade que ela deve ter em relação ao seu próprio bem-estar e o bem-estar de seu filho, seja no feto nascituro em seu ventre, seja a criança lactente.  A justificação da Corte, nesse caso, se fiou nos interesses e direitos da criança (nascitura ou lactente) que estariam em risco ante a possibilidade de a mulher, mesmo com autorização médica, exercer atividade insalubre. À luz dos argumentos deduzidos nesse julgamento, eventual postulação para descriminalizar o aborto, fora das atuais hipóteses legais (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 442[51]), deverá ser rechaçada, visto que para o Tribunal, os interesses e direitos da criança devem prevalecer sobre os interesses e direitos da mulher (mãe).

Por fim, recorde-se o julgamento do Recurso Extraordinário n. 629.053 no qual o STF fixou a seguinte tese constitucional: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa. Da ementa do acórdão podem ser colacionadas os seguintes excertos:

1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, se caracterizando como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.

2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e, nos termos do inciso I do artigo 7º, o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa da gestante.

3. A proteção constitucional somente exige a presença do requisito biológico: gravidez preexistente a dispensa arbitrária, independentemente de prévio conhecimento ou comprovação.

4. A proteção contra dispensa arbitrária da gestante caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurar-lhe o gozo de outros preceitos constitucionais – licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável –; quanto da criança, permitindo a efetiva e integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego –, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador).

Esse julgamento confirmou aturada jurisprudência dos tribunais pátrios, inclusive do STF, no sentido de que a imunidade da gestante tem como fundamento o fato gravidez, independentemente do conhecimento. Nada obstante, o ministro Marco Aurélio assinalou:

Verifico, a partir da leitura do verbete respectivo no Dicionário Houaiss, que confirmar significa “afirmar a verdade ou a exatidão” de determinado fato, sentido próximo ao dos verbos validar ou comprovar. Na mesma direção, constatei, em consulta ao Dicionário Aurélio, que a citada palavra diz respeito a “afirmar de modo absoluto a exatidão, a veracidade de” algo.

Surge impertinente o elastecimento do conteúdo da locução “confirmação da gravidez” para abarcar o instante da concepção. Encerra o momento da descoberta desta, ou seja, o conhecimento pelo empregador. Consoante ensina Carlos Maximiliano, na renomada obra “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, “não pode o intérprete alimentar a pretensão de melhorar a lei com desobedecer às suas prescrições explícitas.” Se ao Supremo cabe a guarda do Documento Básico, não é o dono do texto, fazendo ler aquilo que não está escrito.

Ao admitir a incidência da responsabilidade objetiva, o Tribunal de origem desbordou do fato gerador da estabilidade da gestante, observados os limites do texto constitucional, uma vez reconhecida a garantia ao emprego, independentemente da ciência, pelo empregador, da gravidez. Puniu-o, mediante as consequências financeiras decorrentes, sem a presença do elemento subjetivo revelador do descumprimento das normas de proteção da mulher e do nascituro. Em síntese, impôs o dever de indenizar, sem o concurso de culpa, muito menos de dolo.

Não há espaço, presente o texto do artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para ultrapassar o alcance próprio do verbo confirmar. A definição da estabilidade prevista deve ocorrer sob a óptica da responsabilidade subjetiva, no que indispensável a existência do elemento anímico a evidenciar a culpa ou o dolo do empregador. O direito à estabilidade pressupõe a prévia ciência deste quanto ao estado fisiológico da gravidez, o qual poderá ser objeto de comunicação pela prestadora de serviços e comprovado por qualquer meio idôneo, presentes as balizas da legislação ordinária. Surge em desarmonia com a previsão constitucional concluir pela estabilidade em situação em que a própria empregada, no momento da ruptura do vínculo empregatício, não sabia estar grávida, o que se dirá da falta de conhecimento pelo empregador. A prevalecer a óptica revelada no acórdão, em segundo plano ficará a exigência constitucional – a confirmação da gravidez no curso da relação de trabalho –, determinando-se a quem não praticou qualquer ato ilícito, com distanciamento da ordem jurídico-constitucional, o dever de indenizar.

Ante o quadro, provejo o extraordinário para assentar inexistente a estabilidade e, por via de consequência, a condenação imposta à recorrente. Proponho a seguinte tese: A gestante possui direito à estabilidade no emprego desde que o empregador tenha ciência do estado gravídico em momento anterior ao da despedida imotivada.

Ante esse voto, a divergência foi inaugurada pelo ministro Alexandre de Moraes e reafirmou o entendimento segundo o qual há responsabilidade objetiva do empregador, de sorte que não há direito potestativo a demitir, sem justa causa, a gestante desde a sua concepção, independentemente de prévia ciência. Eis passagem de seu voto:

O que a Constituição exige, a meu ver, termo inicial, com todo respeito a posição contrária eminente Ministro Marco Aurélio, o que o texto constitucional coloca como termo inicial é a gravidez. Constatado que houve gravidez antes da dispensa arbitrária, incide a estabilidade, não importa, a meu ver, que o timing da constatação ou da comunicação tenha sido posterior. O que importa é: Estava ou não grávida antes da dispensa? Para que incida essa proteção, para que incida a efetividade máxima do direito à maternidade, o que se exige é gravidez preexistente à dispensa arbitrária. O desconhecimento por parte da gestante, ou a ausência de comunicação - até porque os direitos sociais, e aqui a maternidade enquanto um direito também individual, são irrenunciáveis -, ou a própria negligência da gestante em juntar uma documentação e mostrar um atestado não pode prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido durante aqueles cinco meses. Obviamente, se não conseguir comprovar que a gravidez era preexistente à dispensa arbitrária, não haverá incidência desse direito social.

Senhor Presidente, concluindo, o que se exige, para mim, é a presença de um único requisito, é um requisito biológico: gravidez preexistente à dispensa arbitrária, mesmo que, após a dispensa, a gestante tenha o conhecimento e consiga comprovar. O requisito é biológico para o reconhecimento da estabilidade provisória e, consequentemente, o direito à indenização, se foi dispensada, é o único requisito. E, no caso concreto, não se discute que houve a gravidez preexistente à dispensa, o que se discute exatamente é que era desconhecida também da gestante e só foi avisada ao empregador após a dispensa. Não importa, a meu ver, porque a gravidez é preexistente.

Nesse julgamento, o enunciado normativo estampado no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 não oferece maiores dificuldades: fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Ou seja, o fato biológico gravidez autoriza a incidência plena do preceito normativo constitucional.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Equidade de sexo (gênero): Uma breve análise acerca dos direitos sociais das mulheres trabalhadoras na jurisprudência do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6356, 25 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87068. Acesso em: 22 nov. 2024.

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