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Uma conduta que afronta as regras ambientais

29/11/2020 às 22:30
Leia nesta página:

Discutem-se aspectos de responsabilidade ambiental e improbidade administrativa no caso do resort de luxo sobre a areia da Praia do Forte, na Bahia.

1. O FATO

O Estadão, em seu site, em 24 de novembro do corrente ano, divulgou que a decisão do superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Santos Alves, de cancelar atos de sua própria equipe técnica no Estado para liberar obras de um resort de luxo, erguidas sobre a areia da Praia do Forte, foi questionada por fiscais do órgão federal.

Foi dito ainda:

“Em uma nota técnica emitida nesta segunda-feira, 23, os analistas ambientais rebatem os argumentos usados por Alves para derrubar as decisões anteriores, afirmam que se trata de justificativas equivocadas e apontam que o crime ambiental é flagrante, por se tratar de uma obra realizada em plena areia da praia, fora da propriedade do resort, onde cabe ao Ibama atuar como órgão de fiscalização federal. Além do cargo de superintendente do Ibama na Bahia, Alves é sócio de uma empresa imobiliária, que atua na oferta de imóveis de luxo no litoral. Procurado para comentar a nota técnica, ele não se manifestou.”

“Toda a equipe foi unânime ao afirmar que o local em que estava sendo construído o muro era faixa de areia de praia. A materialidade e autoria da infração saltam aos olhos, visto que ao chegar no local da intervenção, a equipe do Ibama constatou que a empresa autuada estava construindo irregularmente e com gravíssimos impactos ambientais um muro de contenção sobre a areia da praia", afirmam os fiscais. "Não houve dúvidas durante a ação fiscalizatória de que aquele local é considerado praia e que se submete ao regramento da referida Resolução Conama n. 10/1996 (que regulamenta a atuação federal no licenciamento em praias onde ocorre a desova de tartarugas marinhas)."

Ainda se diz:

“O Tivoli Ecoresort, onde as diárias vão de R$ 1,5 mil a R$ 7 mil, iniciou a construção de um muro na areia da praia para conter o processo de erosão em frente ao hotel. A situação é causada pela deterioração das restingas, vegetação que cobre a areia.”


2. UM ATO DE IMPROBIDADE E A LEI DE GERENCIAMENTO COSTEIRO

Ora, a construção em área de praia afronta a lei de gerenciamento costeiro, constitui crime ambiental sem contar que há incidência de improbidade administrativa por conta do que revelam os artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92.

Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

Constitui, outrossim, ato de improbidade administrativa afrontar princípios constitucionais.

Tais princípios seriam, de forma transparente: o da legalidade, o da moralidade, o da razoabilidade, o da eficiência.

Será caso do Ministério Público Federal apurar o fato, em inquérito civil, no sentido de responsabilizar os responsáveis pelo licenciamento e construção da obra ilegal.

A Lei de gerenciamento costeiro abordou a complexa questão da definição de paria, até então relegada, e que dificultava a delimitação desse bem público.

As praias são bens públicos de uso comum do povo (artigo 10 da Lei 7.661). Esta lei antecipou-se à Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, que conceituou o “meio ambiente como bem de uso comum do povo”.

Observe-se que a primeira parte do artigo 10, caput, daquela Lei 7.661, diz respeito ao uso, e à segunda pare ao acesso à praia. No direito público francês, a Lei 86-2, de 3 de janeiro de 1986, disse: “O uso livre e gratuito pelo público constitui a destinação fundamental das praias, do mesmo modo que sua atenção às atividades de pesca e de culturas marítimas (artigo 30, 2).

Contraria, pois, a finalidade de utilização pela população a concessão de parte da praia para clubes construírem áreas esportivas, a ocupação por guarda-sóis de edifícios fronteiriços ou a autorização para a construção de bares, restaurantes e hotéis em praias. Fala-se que o Poder Público deverá proceder com grande prudência na construção de postos para policiamentos e/ou construção de sanitários públicos, evitando cometer atentados à estética e à paisagem, interesses que podem ser tutelados por ação civil pública.

Devem, pois, ser coibidas as tentativas de privatização da praia, prática essa objeto de apreciação no RE 94.253 pelo Supremo Tribunal Federal, julgado em 12 de novembro de 1982.

Era um caso onde se discutia sobre o fechamento de acesso às ruas que interligavam as ruas e conduziam à orla marítima.

Trata-se no artigo 10, caput, da Lei 7.661/88 de dois tipos de acesso às praias e ao mar. Interessa anotar que esse acesso pode ter origem em terra e no mar, como, também, através do ar. De nada adiantaria que se enfatizasse o caráter de bem público de uso comum do povo das praias e do mar, se, depois, não houvesse possibilidade da fruição ou uso desse bem pelo impedimento da chegada das pessoas a esses bens.

Discutem-se duas hipóteses: longa área de terrenos limítrofes com a praia é propriedade de particulares, que neles constituíram residência da estrada servindo os terrenos e a praia; a outra hipótese é de uma determinada ilha estar na posse de um particular. Na primeira hipótese, como bem acentuou Paulo Affonso Leme Machado (Direito Ambiental Brasileiro, 12ª edição, pág. 860), importa saber se há servidão de passagem e, caso inexista, preciso se torna implementar uma política municipal, estadual ou federal de desapropriação de passagens, para que o acesso a praia e ao mar seja efetivado. Na segunda hipótese, mesmo que a ilha não seja pública, as praias que a contornam assim como o mar são inegavelmente públicos e de uso comum do povo, e, portanto, assegurado está o direito de aceder a esses bens para qualquer do povo.

Restinga é acumulação de areia ou calhaus que se apoiam na costa a partir da qual se desenvolvem.

Sabe-se que a fixação de empreendimentos nas bordas de falésias altera a topografia da região, o desmatamento acelera o processo de erosão pluvial e interfere na trajetória do recuo natural da linha de costa.

Os especialistas identificam um aumento no risco de destruição de tais empreendimentos devido ao processo de recuo de modo que há um aumento de risco de destruição com a construção de empreendimentos devido ao processo de recuo.

Nesses empreendimentos podem ser constatadas tubulações que lançam águas de chuva e da piscina, contribuindo para a erosão.

As falésias são consideradas áreas de preservação permanente objeto de leitura do artigo 225 da Constituição e ainda por conta da definição no sentido de que se trata de área coberta ou não de vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo, assegurando o bem-estar das populações. Lembre-se ainda os termos da Resolução nº 303/02 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que proíbe qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros contados de sua borda.

Mas é certo que tais áreas se constituem um atrativo especial para os turistas, onde o mar é visto de cima. Daí o grande número de empreendimentos no litoral do nordeste. As falésias são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) pela Resolução nº 303/02 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que proíbe qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros, contados da sua borda.

Nas falésias, o processo erosivo atua em duas frentes: na base, pela ação das ondas e correntes marinhas; e no topo, pela ação das águas da chuva. As ondas escavam a base das falésias e provocam desmoronamentos. Isto, combinado com a ação das águas pluviais, faz com que as falésias recuem em direção ao continente.

Falésias são naturalmente áreas de risco, pois estão constantemente submetidas ao processo erosivo que favorece desmoronamentos, tanto no topo, como na base da falésia.

O Novo Código Florestal, Lei nº 12.651/2012, determina o que seria restinga. Neste sentido, convém destacarmos o artigo 3º, inciso XVI, desta lei:

“Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(...)

XVI - restinga: depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, com cobertura vegetal em mosaico, encontrada em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado;”.

As restingas foram destacadas como Área de Preservação Permanente (APP), ao teor do artigo 4º, inciso VI abaixo transcrito:

“Art. 4º. Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(...)

VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;”.

E, como Área de Preservação Permanente (APP), as restingas, em todo litoral brasileiro passaram a ser reguladas pelas disposições de restrições ao uso dispostas no Novo Código Florestal, sendo passível de supressão nos estritos casos (exceções) previstos neste diploma florestal.

Sobre essa possibilidade de supressão de Área de Preservação Permanente (APP), vejamos o teor do artigo 8º da referida Lei nº 12.651/2012:

“Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

§ 1º. A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.”.

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a validade da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que permite a exploração de áreas de restingas e manguezais, ecossistemas ricos em biodiversidade. A decisão liminar atendeu a recurso da Rede Sustentabilidade e do PSB e vale até o caso ser julgado pelo Plenário da Corte (O Globo ).

"Tenho por suficientemente evidenciado, pois, pelo menos em juízo preliminar, que a Resolução nº 500 (...) vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado nela assegurado e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldam o conteúdo desses direitos", escreveu a magistrada.


3. A NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é firme no sentido da não incidência da teoria do fato consumado em matérias de direito ambiental, haja vista que a sua utilização ensejaria a criação do direito de poluir, conforme elucidada na decisão do AgInt nos EDcl no Recurso Especial nº 1.447.071 – MS (2014/0078023-0).

Observe-se ainda dentre outros julgados:

[...] Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados as gerações futuras carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. 3. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo -conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente. 4. As APPs e a Reserva Legal justificam - se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em consequência de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir. 5. Os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ. 6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietário ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. [...]

(REsp 948921 SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009).

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Em um caso que foi recentemente julgado pelo STJ, pleiteou-se que as edificações (casas de veraneio) que estavam construídas em Área de Preservação Permanente (APP) fossem mantidas, em decorrência da teoria do fato consumado e pela existência de licença prévia concedida pelo órgão ambiental para as construções.

Ocorre que, o Ministro Antônio Herman V. Benjamim foi imperativo em sua relatoria, ao mencionar que: “teoria do fato consumado em matéria ambiental equivale a perpetuar, a perenizar suposto direito de poluir, que vai de encontro, no entanto, ao postulado do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida”.

Prevaleceu o entendimento de que o direito de propriedade não é absoluto e ao ser confrontado com a defesa do meio ambiente, que é um dos princípios constitucionais norteadores da ordem econômica, poderá sofrer algumas restrições em seu exercício.

Além disso, o exercício do poder de polícia pelo Poder Público na emissão de autorização ou licença ambiental, e ainda a sua validade, estará atrelado às normas legais ambientais, “mas isto não impede que sejam modificadas e recusadas, não somente segundo o direito aplicável à época de sua edição, mas também segundo o direito novo eventualmente aplicável à época de sua modificação” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência. 2. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. Pg. 261.).

Por conseguinte, o STJ e ainda o STF, são categóricos na aplicação do princípio fundamental de defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225. da CF/88, frente ao direito de propriedade, principalmente, no que se refere às construções em áreas de preservação permanente (APP) ou mangues, sendo defeso a incidência da teoria do fato consumado para justificar o direito de poluir.

O STF, em julgamento do Recurso Extraordinário 609.748 AgR/RJ, relator o Exmo. Sr. Min. Luiz Fux, 1ª Turma (DJ de 13/09/2011) já havia adotado este entendimento:

“A teoria do fato consumado não pode ser invocada para conceder direito inexistente sob a alegação de consolidação da situação fática pelo decurso do tempo. Esse é o entendimento consolidado por ambas as turmas desta Suprema Corte”.

É que, como ensina o Min. Herman Benjamin (Resp 650728/SC, 2ª T. = DJe de 02/12/2009), a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado é incompatível com o Direito brasileiro.


4. A APLICAÇÃO DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS

Já se entendeu que não cabe aplicação do artigo 40 da Lei 9.605/98 na medida em que a restinga é área de preservação permanente.

Estabelece o artigo 40 da Lei 9.605/1998:

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27. do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 1º Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público.

§ 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. (Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 2o A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação de Proteção Integral será considerada circunstância agravante para a fixação da pena. (Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 3º Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

Qualquer pessoa pode causar esse crime, seja pessoa física ou jurídica.

Causar dano significa originar, produzir, ocasionar, dar lugar a prejuízos, deteriorações, de qualquer ordem, contra a flora ou a fauna locais.

O art. 40. da Lei n° 9.605/98, consistente em “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação”, trata de crime material, que depende da ocorrência de resultado naturalístico para se caracterizar, ou seja, da efetiva causação de dano, direto ou indireto, à unidade de conservação. É delito de perigo abstrato, pois o prejuízo ao meio ambiente é presumido caso a conduta seja praticada.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu, no julgamento do REsp 1.402.984/DF, Relator Ministro Moura Ribeiro, DJe de 28 de abril de 2014, ao analisar o artigo 40, caput, da Lei 9.605/1998, que se tratando de construções em área de proteção permanente ocorre um crime instantâneo de efeitos permanentes, cujo termo inicial da prescrição se dá com a edificação irregular.

Na mesma linha, há outra decisão, no HC 124.820/DF, Relator Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), DJe de 22 de agosto de 2011, envolvendo a construção de casa de adobe em área de preservação ambiental, onde se dizia que a construção constituía dano direto instantâneo de efeitos permanentes.

Trago a decisão do TRF 3ª Região, no Recurso em Sentido Estrito nº 0004713-04.2006.4.03.6106/SP - 2006.61.06.004713-9/SP, Relator Desembargador Antônio Cedenho.

Ali se entendeu que não havia elementos hábeis a demonstrar que a conduta imputada ao réu foi praticada em unidade de conservação, mas sim em área de preservação permanente. Como tal deve-se em matéria de ilícito penal respeitar-se o princípio da tipicidade.

Assim, entende-se como áreas de preservação permanente aquelas descritas nos artigos 1º, § 2º, inciso II, 2º e 3º, ambos do antigo Código Florestal, verbis:

"Art. 1° (...)

(...)

§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por:

(...)

II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

(...)

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;

2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;

e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.

(...)

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras;

b) a fixar as dunas;

c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;

h) a assegurar condições de bem-estar público.

(...)"

Por sua vez, para os fins da Lei nº 9.985/00, entende-se por Unidade de Conservação, o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

Ademais, as Unidades de Conservação dividem-se em: de Proteção Integral, consistentes em Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre, e de Uso Sustentável, compostas por Áreas de Proteção Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural, conforme descritas nos artigos 40, § 1º e 40-A, § 1°, ambos da Lei nº 9.605/98, alterada pela Lei nº 9.985/00.

Portanto, são distintos os conceitos legais de áreas de preservação permanente e de unidades de conservação, disciplinadas pela Lei nº 4.771/65 (Código Florestal) e pela Lei nº 9.985/00, respectivamente.

Nesse sentido, trago julgados desta C. 5ª Turma:

"PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - ARTS. 40. E 48 DA LEI Nº 9.605/98 - UNIDADE DE CONSERVAÇÃO NÃO ESPECIFICADA - EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DO RÉU - CRIME DO ARTIGO 48 DA LEI Nº 9.605/98 DE CARÁTER PERMANENTE - MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO PELO ARTIGO 40 DA LEI Nº 9.605/98 - RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM QUANTO AO DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO PARA APLICAÇÃO DA LEI 9.099/95 - PROVIMENTO DO RECURSO. 1.Narra a denúncia que, no dia 21 de outubro de 2002, agentes do IBAMA, durante fiscalização de rotina, constataram que o denunciado causara dano direto ao meio ambiente, mediante intervenção em área de preservação permanente, localizada às margens do Rio Grande, zona rural do município de Orindiúva/SP. Conforme Laudo Pericial, foram realizadas edificações em alvenaria, construção de churrasqueira e impermeabilização do solo em trecho do terreno localizado a menos de 100 (cem) metros da margem daquele rio, infringindo o disposto no artigo 3º, inc. I, "c", da Resolução nº 303 do CONAMA, de 20 de março de 2002, numa área de aproximadamente 330 (trezentos e trinta) metros quadrados. 2. Não se aplica ao caso dos autos o disposto no art. 40. da referida lei ambiental, porquanto, o Laudo de Constatação de Dano Ambiental encartado aos autos dá conta de que a degradação ambiental verificada ocorreu em área de preservação permanente, sendo que a denúncia, da mesma forma, assim também descreveu a conduta do acusado, estando claro que a inicial acusatória baseou-se em documentos que em momento algum descrevem ter sido a conduta imputada ao recorrido praticada em unidade de conservação, mas sim em área de preservação permanente. 3. Não há elementos nos autos que possibilitem aferir a subsunção da conduta do recorrido ao tipo do artigo 40 da Lei nº 9.605/98, em virtude da ausência de descrição na denúncia de um dos elementos do tipo consistente na elementar "Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27. do Decreto nº 99.274". 4. O crime tipificado no artigo 48 da Lei nº 9.605/98 é de natureza permanente, daí porque enquanto a edificação permanecer intacta em área de preservação permanente, torna-se evidente que com a omissão continuada do réu em remover o imóvel construído ilicitamente, o crime em questão permanece em plena consumação, porquanto o meio ambiente, da mesma forma, é impedido de se regenerar. 5. Devem os presentes autos ser encaminhados ao juízo de origem nos termos da Lei nº 9.099/95. 6. Provimento do recurso ministerial."

(ACR 200361060006665, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF 3 - QUINTA TURMA, DJF 3 CJ 1 DATA:14/07/2011 PÁGINA: 655.)

"PENAL - PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - LEI 9.605/98, ARTIGOS 40 E 48 - NÃO CONFIGURADO DANO EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO - RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. 1. O Laudo de Exame para Constatação de Dano Ambiental revelou em seu item IV - EXAMES que : "... em relação ao 'Condomínio Porto Militão' não foram verificadas interferências com 'Unidades de Conservação', considerando a atual existência, na área de influência do empreendimento, de Reservas Biológicas, Reserva Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental e/ou outras unidades definidas nos termos da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 e da Lei n. 9.985, de 15 de julho de 2000 (SNUC). Contudo, o Lote examinado insere-se totalmente em APP - 'Área de Preservação', formada na faixa marginal ao redor do reservatório da UHE Água Vermelha, com largura mínima de 10 (cem) metros, nos termos da legislação ambiental vigente (a partir da Resolução CONAMA 04, de 18 de setembro de 1985). As construções existentes foram erigidas a menos de 100 m (cem metros) do 'Nível Máximo Normal' do Reservatório da UHE Água Vermelha. 2. O dano está situado integralmente em Área de Preservação Permanente - APP e para configuração do tipo penal subsumido ao artigo 40 da Lei 9.605/98 a conduta deve se perpetrar em Unidade de Conservação. Precedentes : STJ, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, RE 849.423-SP -2006/0103433-2, DJ 16/10/2006; TRF 3 , RSE 2005.61.06.004570-1-SP, Desemb. Fed. Cecília Mello, 2ª T., DJF 3 CJ 2 -22/01/2009. 3. Recurso ministerial desprovido, devendo os autos retornar ao Juízo de origem, para regular prosseguimento do feito em relação ao delito previsto no artigo 48 da Lei 9.605/98."

(RSE 200461060118988, DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, TRF 3 - QUINTA TURMA, DJF 3 CJ 1 DATA:28/04/2011 PÁGINA: 1717.)

Fala-se num dano nas áreas de entorno como já era tratado pelo artigo 27 do Decreto nº 99.247/90.

Ali se tem:

Art. 27. Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficará subordinada às normas editadas pelo Conama.

Por sua vez, aplica-se o artigo 67 da Lei de Crimes Ambientais cuja redação é a que segue:

Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

O sujeito ativo é o funcionário público.

O núcleo do tipo é conceder, que significa dar, outorgar. Incrimina-se a concessão, pelo funcionário público, à luz do que determina o artigo 327 do CP, de licença, autorização, permissão, em desacordo com as normas ambientais que disciplinam a matéria, para a realização de atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo (licença, autorização, permissão) do Poder Público (federal, estadual e municipal ou do Distrito Federal).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo.

Consuma-se a infração penal com a efetiva concessão, pelo funcionário público, de autorização, licença ou permissão, desde que em desacordo com as normas ambientais. A tentativa é admissível.

Trata-se de crime próprio, de mão própria, simples, comissivo e de mera atividade.

Para o caso a ação penal é pública incondicionada.

Dir-se-á que se trata de norma penal em branco ao se ditar “em desacordo com as normas ambientais”.

Cabe, a teor do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, a suspensão condicional do processo se preenchidos os seus requisitos legais.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma conduta que afronta as regras ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6360, 29 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87125. Acesso em: 2 nov. 2024.

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