A pensão por morte é, ao lado da aposentadoria, um dos benefícios previdenciários de primeira grandeza, traduzindo-se numa renda mensal paga aos dependentes de segurado falecido.
O art. 23 da EC nº 103/19 disciplina a pensão por morte no RPPS da União. Exsurgem, do texto constitucional, movimentos inequívocos de aproximação entre o RPPS da União e o RGPS. Um deles é o § 4º do art. 23 da EC nº 103/19, vazado nestes termos: “O tempo de duração da pensão por morte e das cotas individuais por dependente até a perda dessa qualidade, o rol de dependentes e sua qualificação e as condições necessárias para enquadramento serão aqueles estabelecidos na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.”
Prestigiou-se, assim, a Lei nº 8.213/91, que, repise-se, diz respeito aos benefícios do RGPS, em detrimento da Lei nº 8.112/90, que versa sobre o regime jurídico-administrativo (funcional) e jurídico-previdenciário dos “servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais”.
Da leitura atenta dos diplomas em comento, verifica-se que quase todas as normas previdenciárias contidas na Lei nº 8.112/90 já foram afastadas, seja pela EC nº 103/19 ou não.
BENEFICIÁRIOS
A Lei nº 8.213/91 divide os dependentes do segurado em três classes, a seguir descritas:
1ª) cônjuge; companheiro; ex-cônjuge recebedor de pensão de alimentos; ex-companheiro recebedor de pensão de alimentos; filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave; enteado não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave; e menor tutelado;
2ª) pais; e
3ª) irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave.
A existência de dependente de qualquer dessas classes exclui do direito às prestações os das classes seguintes.[1]
A dependência assume papel de destaque na determinação de quem faz jus ao benefício. Entre os múltiplos aspectos da dependência, sobressai o econômico. A Lei nº 8.213/91 presume expressamente a dependência econômica de algumas pessoas, exigindo de outras a comprovação de tal dependência (art. 16, § 4º):
- A dependência econômica é presumida para: cônjuge; companheiro; ex-cônjuge recebedor de pensão de alimentos; ex-companheiro recebedor de pensão de alimentos; e filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave.
- A dependência econômica deve ser comprovada por: enteado não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave; menor tutelado; pais; e irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave.
É a presunção de dependência econômica absoluta ou relativa? A lei, ao estabelecer presunção em favor de alguns dependentes, desobriga-os de comprovar dependência econômica. Isso significa tão somente que eles não têm de suportar o ônus da prova; não significa, em absoluto, que descaiba prova em contrário. Nessa linha, tanto a Administração quanto outros interessados podem apresentar prova em contrário, afastando a presunção estabelecida em lei.
Não há, todavia, nem na doutrina, nem na jurisprudência, consenso quanto ao assunto. A propósito, as correntes de pensamento são as seguintes: 1ª) a presunção é sempre juris et de jure; 2ª) a presunção é sempre juris tantum; e 3ª) a presunção só é juris et de jure se se tratar de cônjuge ou companheiro.
Prevalece a terceira corrente de pensamento, capitaneada pelo STJ (REsp 203.722/PE, REsp 461.150/RS, Resp 303.346/RS). Extrai-se do voto condutor da decisão proferida no REsp 203.722/PE[2], da lavra do Ministro Edson Vidigal:
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 201, V, reza que “os planos de Previdência Social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 5º do art. 202.”
Se é certo que o cônjuge ou companheiro são também dependentes do segurado falecido, para fins de concessão de benefício previdenciário, qual a razão de o Constituinte ter-lhes mencionado separadamente dos dependentes em geral? Por certo que pretendeu conferir-lhes a presunção absoluta de dependência, o que já é suficiente para a concessão da pensão por morte.
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O direito à percepção da pensão, constitucionalmente garantido, somente pode ser restringido em não havendo cônjuge ou companheiro, que gozam de presunção absoluta de dependência, ou ainda quaisquer dependentes que provem tal condição.
À luz da Lei nº 8.213/91, do REsp 203.722/PE, do REsp 461.150/RS e do Resp 303.346/RS, a questão da dependência econômica na pensão por morte se resolve com a aplicação destes critérios:
- Presunção absoluta de dependência econômica: cônjuge; companheiro; ex-cônjuge recebedor de pensão de alimentos; e ex-companheiro recebedor de pensão de alimentos.
- Presunção relativa de dependência econômica: filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave.
- Necessidade de comprovação da dependência econômica: enteado não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave; menor tutelado; pais; e irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou grave.
Havendo, por exemplo, nos autos de processo de pensão instituída por segurado do RPPS da União, prova de que o filho maior de 21 anos inválido não dependia do segurado, a presunção (relativa) de dependência econômica que milita em favor do interessado será afastada e o benefício não lhe será devido. No mesmo sentido é este julgado do TCU:
Acórdão 2352/2020 Primeira Câmara (Pensão Civil, Relator Ministro Bruno Dantas)
Pensão civil. Dependência econômica. Filho. Maioridade. Invalidez.
É ilegal a concessão de pensão a filho maior inválido quando houver prova da ausência de dependência econômica em relação ao servidor falecido que instituiu o benefício.
Algumas considerações adicionais se fazem necessárias.
Em primeiro lugar, considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o servidor ou servidora.[3]
Consoante a Portaria MPS nº 513/10, o companheiro ou a companheira do mesmo sexo também integra o rol dos dependentes e, desde que comprovada a união estável, concorre em igualdade de condições com os demais dependentes preferenciais.
Para fins previdenciários, ex-cônjuge recebedor de pensão de alimentos é o cônjuge separado de fato, separado judicialmente ou divorciado com percepção de pensão alimentícia, judicial ou não.[4]
Aliás, o cônjuge separado de fato, separado judicialmente ou divorciado só fará jus à pensão por morte se receber pensão alimentícia, judicial ou não.[5]
Havendo, por outro lado, cônjuge não separado (de fato ou judicialmente) nem divorciado, afastado será o direito do companheiro.[6]
Quanto ao reconhecimento jurídico de uniões estáveis concomitantes, frise-se que o STF, no RE 1.045.273/SE, aprovou a seguinte tese de repercussão geral: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.[7]
A concessão de pensão por morte ao menor sob guarda nos regimes próprios de previdência social, inclusive no RPPS da União, sempre foi objeto de acalorados debates tanto no campo da doutrina quanto no da jurisprudência. O § 6º do art. 23 da EC nº 103/19, no entanto, pôs fim à discussão: “Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica” (grifamos). Diante desse quadro, o menor sob guarda não é beneficiário de pensão por morte no RPPS da União ao menos desde a EC nº 103/19. Segundo o TCU, ele foi excluído do rol de beneficiários de pensão por morte pela Medida Provisória nº 664, de 30/12/14 (Acórdão nº 2.377/2015-Plenário).
Por fim, ressalte-se que a condição de beneficiário deve ser aferida tendo como referência a data de falecimento do instituidor, em homenagem ao princípio tempus regit actum. Suponhamos que um segurado do RPPS da União, ao falecer, deixe um filho maior de 21 anos não inválido, nem portador de deficiência intelectual ou mental ou grave. O filho, caso venha a se invalidar, não fará jus ao benefício, porque não era dependente do segurado à época do óbito, o que atrai a incidência do princípio, a ser aplicado, na hipótese, em desfavor do interessado.
VALOR E RATEIO
O cálculo do valor da pensão deve ser efetuado de acordo com os parâmetros constitucionais aqui relacionados:
- Pensão por morte = uma cota familiar de 50% + cotas de 10% por dependente (máximo = 100%).
- Base de cálculo: valor da aposentadoria recebida pelo servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito.
- As cotas por dependente cessarão com a perda dessa qualidade e não serão reversíveis aos demais dependentes, preservado o valor de 100% da pensão por morte quando o número de dependentes remanescente for igual ou superior a 5.
- Na hipótese de existir dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave, o valor da pensão por morte será equivalente a:
a) 100% da aposentadoria recebida pelo servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, até o limite máximo de benefícios do RGPS (R$ 6.433,57); e
b) uma cota familiar de 50% + cotas de 10% por dependente (máximo = 100%), para o valor que supere o limite máximo de benefícios do RGPS (R$ 6.433,57).
- Quando não houver mais dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave, o valor da pensão por morte será recalculado.
- A pensão por morte devida aos dependentes do policial, agente penitenciário ou agente socioeducativo decorrente de agressão sofrida no exercício ou em razão da função será vitalícia para o cônjuge ou companheiro e equivalente à remuneração do cargo.
A base de cálculo da pensão, em se tratanto de servidor falecido em atividade, é o valor dos proventos a que ele teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito. Estabelecida essa premissa, segue-se a inevitável pergunta: Qual a base de cálculo da pensão na hipótese de falecimento em decorrência de acidente de trabalho? 60% da média de todas as remunerações/salários de contribuição desde julho de 1994 + 2% para cada ano de contribuição que exceder 20 ou 100% da média de todas as remunerações/salários de contribuição desde julho de 1994?
Se o caso fosse de incapacidade permanente e não morte, o servidor faria jus, a título de proventos, a 100% da média de todas as remunerações/salários de contribuição desde julho de 1994. Logo, essa será a base de cálculo da pensão.
Imaginemos que o acidente de trabalho cause, num primeiro momento, a perda permanente da capacidade laborativa. Nessa hipótese, o servidor será aposentado por incapacidade permanente (com 100% da média de todas as remunerações/salários de contribuição desde julho de 1994). Se o agravamento das sequelas do acidente vier a redundar na morte do servidor, a pensão por ele instituída será calculada com base em 100% da média de todas as remunerações/salários de contribuição desde julho de 1994. Por que não seria assim se o acidente provocasse a morte imediata do servidor? Ubi eadem ratio ibi idem jus. Por ficção jurídica, reputamos implícita, como evento que antecede a morte decorrente de acidente de trabalho, a incapacidade permanente. Dito de outro modo, presume-se a transição pelo estado de incapacidade permanente na morte decorrente de acidente de trabalho.
O ponto de vista ora defendido está em perfeita harmonia com o tratamento privilegiado conferido aos dependentes do policial, agente penitenciário ou agente socioeducativo falecido em decorrência de agressão sofrida no exercício ou em razão da função (EC nº 103/19, art. 10, § 6º).
Em tempo: A tese encerrada nos quatro últimos parágrafos, apresentada pela primeira vez na primeira edição da obra "Reforma da previdência: o RPPS da União à luz da EC nº 103/19", de nossa autoria, veio a ser abraçada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia na Nota Informativa SEI/ME nº 33.521/20: “Esse cálculo diferenciado [com base em 100% da média de todas as remunerações/salários de contribuição desde julho de 1994] também deverá ser estendido à pensão por morte em atividade decorrente das mesmas causas [acidente de trabalho, doença profissional ou doença do trabalho].”
Debrucemo-nos agora sobre a situação de quem faleceu em atividade, com direito adquirido à aposentadoria voluntária pela regra de transição do art. 6º da EC nº 41/03 ou pela do art. 3º da EC nº 47/05.
EC nº 41/03, art. 6º:
Art. 6º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º desta Emenda, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda poderá aposentar-se com proventos integrais, que corresponderão à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, quando, observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no § 5º do art. 40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes condições:
I – sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher;
II – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
III – vinte anos de efetivo exercício no serviço público; e
IV – dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria.
EC nº 47/05, art. 3º:
Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes condições:
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
II – vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria;
III – idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo.
Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com base neste artigo o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, observando-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos de servidores falecidos que tenham se aposentado em conformidade com este artigo.
Nessa hipótese, a base de cálculo da pensão instituída pelo servidor será, em princípio, a remuneração no cargo efetivo em que se daria a aposentadoria. Extrai-se da Nota Informativa SEI/ME nº 33.521/20:
26. Cabe observar ainda que, se o servidor tiver cumprido todos os requisitos para aposentadoria voluntária e falecer em atividade, é coerente que o cálculo da pensão tenha por base o provento a que faria jus o servidor, em respeito ao princípio do direito adquirido. Ou seja, é assegurada a pensão por morte aos dependentes, calculada com base na aposentadoria que seria devida se o servidor estivesse aposentado voluntariamente à data do óbito, desde que tenham sido implementados todos os requisitos para a concessão dessa aposentadoria antes do falecimento.
27. A garantia do direito adquirido exige que os dependentes do servidor que se manteve em atividade tenham o mesmo tratamento em relação ao que se aposentou.
O valor da pensão, havendo mais de um pensionista, é dividido entre todos, em parte iguais.[8]
Nos termos do § 7º do art. 40 da CF, com redação dada pela EC nº 103/19, o valor da pensão não poderá ser inferior ao salário mínimo “quando se tratar da única fonte de renda formal auferida pelo dependente”. A contrario sensu, ele poderá ser inferior ao salário mínimo se o benefício em questão não for a única fonte de renda do dependente.
A Nota Informativa SEI/ME nº 33.521/20 corrobora o por nós defendido no parágrafo precedente.
A dicção do legislador constituinte derivado conduz, ainda, ao entendimento de que basta um dependente sem renda para justificar a complementação até o salário mínimo. A divisão do valor da pensão, alçado até o salário mínimo, segue a regra geral (montante dividido em partes iguais). De lege ferenda, a parcela relativa à complementação do salário mínimo poderia aproveitar, exclusivamente, ao dependente sem renda.