Capa da publicação O orçamento sigiloso das licitações das empresas estatais
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O orçamento sigiloso das licitações das empresas estatais:

considerações e o momento da sua divulgação

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31/01/2021 às 11:00
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O estudo discorre sobre orçamento sigiloso da Lei das Estatais: finalidade, vantagens e desvantagens, controvérsias e momento em que a informação deve ser divulgada.

RESUMO: A Lei Federal nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) alterou o regime licitatório e contratual das sociedades de economia mista e empresas públicas. Ela inovou com a regra do sigilo do valor estimado da contratação nas licitações, prática semelhante já adotada na “Lei do Regime Diferenciado de Contratações” (Lei Federal nº 12.462/2011). Porém, não deixou claro em que momento o orçamento sigiloso deve ser divulgado. O presente artigo visa abordar o orçamento sigiloso das licitações realizadas de acordo com a Lei das Estatais, a sua origem, finalidade, vantagens e desvantagens, controvérsias, bem como o momento em que essa informação deve ser divulgada. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica da doutrina sobre o tema, bem como da jurisprudência do TCU e do TCE/SC. Conclui-se que o sigilo do valor estimado tem por finalidade diminuir a assimetria de informações entre as empresas estatais e seus contratados, objetivando contratações mais vantajosas, competitivas e com preços reais de mercado. Contudo, o sigilo não é absoluto nem adequado para todas as licitações. Quanto ao momento de sua divulgação, considerando a omissão na Lei das Estatais, entende-se que cabe a cada empresa estatal regulamentar o tema no seu regulamento interno de licitações e contratos para maior segurança jurídica. Na falta de regulamentação, entende-se que o momento mais adequado para a divulgação é após a fase de negociação e antes da fase recursal, conforme o Prejulgado nº 2242 do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

Palavras-chave: Empresas estatais. Licitações. Orçamento sigiloso.


1 INTRODUÇÃO

Para regulamentar o art. 173, § 1º, da Constituição Federal de 1988 – com algumas décadas de atraso e após episódios de corrupção e desvios de verbas públicas no cenário nacional – a Lei Federal nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) foi elaborada com dois grandes títulos: um primeiro, com regras de governança corporativa, de transparência, práticas de gestão de riscos e de controle interno e critérios técnicos para a composição de administradores e um segundo destinado às licitações e contratos. Com a Lei das Estatais, as licitações e contratos das empresas públicas e sociedades de economia mista – ou simplesmente “empresas estatais” –, passaram a ser regidas pela referida Lei, e não mais pelo regime da Lei Federal nº 8.666/1993[1].

Muitos pontos da Lei das Estatais foram baseados na Lei Federal nº 8.666/1993 e, principalmente, na Lei Federal nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e na Lei Federal nº 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC)), normas essas que fazem parte do conjunto normativo sobre licitações no país. A intenção da lei foi a de tornar as contratações das empresas estatais mais eficientes, econômicas[2], competitivas, de modo que atendam aos seguintes objetivos: a) assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto contratado; b) evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento (arts. 31 e 32).

A Lei das Estatais definiu algumas diretrizes e regras gerais sobre licitações e contratos, cabendo a cada empresa estatal editar um regulamento interno sobre licitações e contratos, de acordo com as suas especificidades (art. 40), ou seja, deu mais liberdade e discricionariedade para os seus administradores e, consequentemente, mais responsabilidades. Por esse motivo, mostra-se a relevância das práticas de governança corporativa e de compliance, como a exigência de elaboração e divulgação de Código de Conduta e Integridade, canais de denúncias, treinamentos periódicos, práticas de gestão de riscos e de controles internos.

Entre uma das inovações da Lei das Estatais a ser abordada especificamente neste artigo, foi a regra do sigilo do valor estimado da contratação. O presente artigo tem por objetivo abordar o orçamento sigiloso da Lei das Estatais, considerações gerais, origem, finalidade, vantagens e desvantagens e controvérsias. Num segundo momento, tem por objetivo abordar especificamente o momento em que essa informação sigilosa deve ser divulgada, ponto esse que não ficou estabelecido na Lei das Estatais em razão dos seus vetos, e que ficou esclarecido no Prejulgado nº 2242 do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. O orçamento sigiloso é um assunto relevante e polêmico no âmbito das licitações das empresas estatais e que, conforme se verifica da pesquisa bibliográfica na doutrina e jurisprudência realizada, tem gerado entendimentos doutrinários em sentidos divergentes.

2 ORÇAMENTO SIGILOSO NAS LICITAÇÕES DAS EMPRESAS ESTATAIS

2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

Conforme o artigo 34 da Lei das Estatais, nas licitações realizadas pelas empresas estatais, inclusive na modalidade pregão, o valor estimado do contrato é sigiloso[3], ou seja, o orçamento que serviu de base para a licitação não é, inicialmente, revelado aos licitantes no edital:

Art. 34. O valor estimado do contrato a ser celebrado pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista será sigiloso, facultando-se à contratante, mediante justificação na fase de preparação prevista no inciso I do art. 51 desta Lei, conferir publicidade ao valor estimado do objeto da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.

§ 1º Na hipótese em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório.

§ 2º No caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório.

§ 3º A informação relativa ao valor estimado do objeto da licitação, ainda que tenha caráter sigiloso, será disponibilizada a órgãos de controle externo e interno, devendo a empresa pública ou a sociedade de economia mista registrar em documento formal sua disponibilização aos órgãos de controle, sempre que solicitado.

§ 4º (VETADO).

Contudo, é facultada a divulgação do sigilo do valor estimado para a contratação (orçamento), na fase de preparação, podendo essa informação constar no edital ou em outro ato formal. Trata-se de decisão discricionária (BARCELOS, 2020, p. 272) ou uma mera liberalidade (GUIMARÃES, 2017, p. 116), mas que sempre depende de justificativa nos autos do procedimento licitatório, de acordo com o que exige o art. 20 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro) e Decreto Federal nº 9.830/2019. Cabe ao gestor, portanto, decidir se, no caso concreto, a opção que conduzirá à proposta mais vantajosa e melhor resultado da licitação é a liberação ou não do sigilo – discricionariedade essa característica do procedimento flexível da Lei das Estatais.

As outras duas exceções em que o sigilo não se aplica são naqueles casos em que forem adotados o critério de julgamento do “maior desconto” ou de “melhor técnica”, conforme arts. 34, §§ 1º e 2º, 54, II e IV, e §§ 2º e 4º, da Lei das Estatais. Nesses casos, o valor estimado do contato (quando adotado o critério do maior desconto) e do prêmio ou remuneração (quando adotado o julgamento por melhor técnica) obrigatoriamente deve ser revelado no edital.

Embora o orçamento seja sigiloso, o edital e seus anexos devem ser devidamente publicados, apresentando um objeto claro, com todo o detalhamento dos quantitativos e demais informações necessárias para que os licitantes tenham condições de apresentar suas propostas (arts. 33, 34, caput, 39 e 51, § 2º, da Lei das Estatais e Súmula nº 177 do TCU).

Ainda que a empresa estatal não divulgue o orçamento, por óbvio, a sua realização não pode ser realizada depois da fase de divulgação do edital (fase externa da licitação), devendo ser concluída na fase de preparação do certame (art. 51, inciso I, da Lei das Estatais). A pesquisa de preços deve ser minuciosa, bem elaborada e refletir os preços de mercado, cabendo ao regulamento interno de licitações e contratos disciplinar a questão. No caso de obras e serviços de engenharia, a própria Lei das Estatais já define os parâmetros (art. 31). Quando aos demais objetos, a adoção da Instrução Normativa nº 73/2020 do Ministério da Economia é uma boa prática que pode servir de subsídio para a regulamentação do tema na estatal[4].

Além disso, é importante destacar que o orçamento sigiloso sempre deve ser disponibilizado aos órgãos de controle interno e externo – que ficarão corresponsáveis pela manutenção do sigilo –, devendo a empresa estatal “registrar em documento formal” o repasse da informação a esses órgãos, sempre que solicitada (arts. 34, § 3º e 85, §§ 1º e 2º, da Lei das Estatais).

2.2 ORIGEM, VANTAGES E DESVANTAGENS E CONTROVÉRSIAS

A regra do orçamento sigiloso da Lei das Estatais foi inspirada na Lei do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) (art. 6º da Lei Federal nº 12.462/2011). Posteriormente, essa regra foi incorporada no regulamento do pregão eletrônico[5], no âmbito da Administração Pública Federal (art. 15 do Decreto Federal nº 10.024/2019[6]).

Além disso, essa tendência do orçamento sigiloso também consta no projeto de lei que revogará a Lei Federal nº 8.666/1993 (Projeto de Lei nº 4.253/2020 no Senado Federal), mas, diferentemente da Lei das Estatais, será exigida uma justificativa para adotar o orçamento sigiloso (e não para divulgá-lo): “Art. 24. Desde que justificado, o orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso [...]”.

Quando o orçamento sigiloso surgiu com a Lei do RDC, essa regra foi polêmica e criticada na doutrina e por licitantes, inclusive sob alegação de que seria inconstitucional, pois violaria o princípio da publicidade ao “esconder” os custos da contratação para a sociedade. Porém, o orçamento sigiloso não é inconstitucional e tampouco viola o princípio da publicidade, já que este deve ser ponderado com outros princípios, em especial, os princípios da competitividade, da eficiência e da economicidade (art. 31, caput, da Lei das Estatais), visando atender ao interesse público (NIEBUHR, 2018, p. 149). Além disso, o sigiloso não é absoluto, mas relativo, especialmente se tendo em conta que o valor estimado do contrato deve ser disponibilizado aos órgãos de controle interno e externo (GUIMARÃES, 2017, p. 116).

Como vantagens do orçamento sigiloso, podemos citar que, com ele, busca-se equiparar a chamada “assimetria de informações”, ou seja, a empresa estatal não sabe o preço mínimo do fornecedor e ele também não sabe o preço máximo. Isso pode gerar vantagem econômica na contratação de modo que o preço máximo estimado pela empresa estatal não sirva como um parâmetro para que os licitantes ofertem as suas propostas aplicando apenas um percentual de redução de valores, muitas vezes, sem trabalho técnico e responsável e sem analisar detidamente todos os elementos do edital. Parte-se do pressuposto de que os licitantes tomariam por base o preço estimado – que, às vezes, pode apresentar falhas de pesquisa e sobrepreço – e, dessa forma, não apresentariam os preços mais competitivos (SCHIEFLER, 2017, p. 972-927).

Ora, a partir do momento em que a empresa estatal informa que aceita pagar determinado valor, de certa forma há uma tendência que os licitantes ofertem preços próximos daquilo que foi estipulado como preço máximo admitido – o que evidentemente não atende ao objetivo da seleção da proposta mais vantajosa (art. 31, caput, da Lei das Estatais). É um comportamento racional do licitante querer maximizar os seus lucros. O sigilo do valor estimado da contratação serve para que os licitantes apresentem valores reais de mercado, de acordo com os seus custos efetivos, de modo que a empresa estatal alcance melhores propostas.

Conforme Edgar Guimarães e José Anacleto Abduch Santos (2017, p. 116):

Tal medida se orienta a fomentar a elaboração de orçamentos próprios e independentes pelas empresas potencialmente interessadas em participar da licitação. Tal procedimento tende a diminuir o risco da contratação. Não é incomum que os licitantes deixem de elaborar os próprios orçamentos de serviços e obras, limitando-se a ofertar proposta de preço a partir do valor estimado da licitação (adota-se o valor estimado da contratação como referência, aplica-se um percentual de desconto aleatório e distribui-se o resultado da operação aritmética em planilha de custos unitários), sem a consideração de particularidades econômico-financeiras próprias. [grifos nossos]

Se o licitante sequer sabe precificar o custo efetivo daquilo que vai fornecer ou executar ou desconhece os valores praticados no mercado, provavelmente a empresa estatal poderá ter problemas na execução do contrato, com prejuízos financeiros e no atendimento da sua necessidade.

É fato que muitos licitantes participam de licitações e elaboram suas propostas sem ter a mínima capacidade de honrar com as futuras obrigações contratuais – ou seja, a empresa estatal pode contratar pelo “menor preço”, mas acaba, ao fim e ao cabo, tendo mais despesas e embaraços em função de descumprimento do contrato, com a abertura de procedimentos administrativos para aplicar sanções (arts. 82 a 84 da Lei das Estatais), rescisão contratual e realização de nova licitação ou sua dispensa para contratar o mesmo objeto (art. 29, VI, da Lei das Estatais).

Portanto, a não publicação da planilha de custos, preenchida com a estimativa feita pela empresa estatal, dificulta a participação de empresas sem expertise, com menor capacidade de planejamento ou mesmo com pouca responsabilidade técnica na confecção das propostas, já que algumas empresas não possuem equipe de orçamentistas (BARCELOS, 2020, p. 272).

O orçamento sigiloso também busca fazer com que o licitante traga o seu melhor preço de início, sem as amarras do orçamento-base, em especial em licitações em que se combinam modos de disputa, de modo a limitar à fase de lances apenas os três concorrentes com melhor preço (ALTOUNIAN, 2018, p. 308).

Porém, a questão é polêmica e Marçal Justen Filho (apud MACHADO, 2018) tece algumas críticas ao orçamento sigiloso:

Ciente de que uma proposta com valor mais elevado do que o necessário seria desclassificada, o licitante reduziria a sua oferta ao menor valor imaginável. Como dito, essa é uma concepção questionável e a comprovação de sua procedência é impossível [...]. Sempre fui contra essa orientação de sigilo do orçamento estimado. Não consigo me convencer de que a divulgação prévia do valor do orçamento é um incentivo à elevação dos preços. Essa é uma tese que demanda prova concreta, a qual somente poderia ser produzida mediante experimentação concreta – que não existe [...]. De todo modo, acho que a solução legislativa do sigilo do orçamento, embora incorreta (perdoem-me a sinceridade), é válida.

Outro benefício que o orçamento sigiloso pode trazer é evitar o sobrepreço. Quando as empresas privadas fornecem um orçamento prévio para servir de base para a empresa estatal fixar o valor estimado do contrato, não raro já informam um valor superior ao que realmente ofertariam aos seus demais clientes, pois, em muitos casos, pretendem posteriormente participar da licitação. Assim, além de incluir os seus custos, incluem uma “gordurinha para queimar” na fase de apresentação de lances, ou seja, propostas com preços inflados. Uma vez publicado o edital com o valor de referência, se não houver uma ampla disputa, a referida empresa não terá qualquer incentivo em reduzir os preços anteriormente orçados – o que poderá ocasionar uma contratação desvantajosa ao erário.

O orçamento sigiloso tem uma finalidade estratégica de estimular a negociação e evitar que os licitantes apresentem preços em desacordo com aqueles praticados no mercado, ou seja, propostas menos vantajosas na licitação:

[...] muitas vezes o sigilo inicial é necessário por questões estratégicas, além do que a abertura para discussão prévia à elaboração do instrumento convocatório pode resultar em processos intermináveis e pouco produtivos. Cita-se, por ilustração, o orçamento sigiloso [...] a fim de evitar que as licitantes apresentem propostas superfaturadas tomando como base o orçamento estimado para a contratação. (SCHRAMM, 2019, p. 65)

O sigilo do valor estimado visa à negociação, sendo que as partes se colocam no mesmo patamar, como ocorre nas contratações no âmbito privado. Como o licitante não sabe o valor do orçamento sigiloso, o pregoeiro ou comissão de licitação pode conseguir negociar a redução do preço mesmo já tendo o licitante apresentado proposta dentro do valor estimado – algo que seria muito difícil ou praticamente improvável caso o licitante soubesse da informação de antemão.

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Dawison Barcelos e Ronny Charles tecem alguns comentários sobre esse aspecto estratégico do orçamento sigiloso fazendo um paralelo com uma negociação cotidiana e privada da venda de um carro:

A ideia de adoção do orçamento sigiloso [...] decorre de um raciocínio natural às relações de negociação, em que uma parte oculta da outra o preço máximo ou mínimo aceitável. Em muitas negociações, a assimetria de informações pode prejudicar uma das partes na busca de sua melhor contratação. Para citar um exemplo cotidiano, é natural que, ao decidir vencer um carro, o proprietário tenha uma “margem especial” de valor mínimo pela qual pode aceitar vender seu veículo. Normalmente, essa margem é inferior ao valor de mercado e a diferença pode ser maior de acordo com circunstancias vivenciadas, como necessidade, oportunidade ou interesse na venda. Da mesma forma, quem deseja adquirir aquele bem, o potencial comprador, tem a ideia do valor de mercado possível para a aquisição (tanto a “pechincha” como o “preço justo”), mas pode admitir uma contratação com “margem especial” até superior, dependendo também de circunstâncias como necessidade, oportunidade ou interesse daquele objeto específico. (BARCELOS, 2020, p. 269) [grifos nossos]

O orçamento sigiloso também se mostra particularmente eficaz quando houver a ocorrência de lances fechados: sem as balizas de outros licitantes e do orçamento da empresa estatal, o licitante deverá oferecer um preço realmente competitivo e dentro de sua capacidade de executar o contrato com lucratividade adequada caso queira vencer o certame e não ser desclassificado (ZYMLER et al., 2018, p. 138).

Quando a descrição do objeto e de suas especificações técnicas permitirem uma noção exata do que a empresa estatal está contratando – especialmente na aquisição de bens e serviços comuns (hipótese em que a utilização do pregão é preferencial nas empresas estatais) – é “salutar a utilização do sigilo” (ALTOUNIAN, 2018, p. 309).

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no guia “Diretrizes para Combater o Conluio entre Concorrentes em Contratações Públicas” (2009), também tem indicado orçamento sigiloso como boa prática nas contratações públicas para evitar conluios[7]. O Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) (Banco Mundial), igualmente, possui normas no sentido de ser legítima a divulgação posterior do orçamento em obras financiadas pelo Bird (ZYMLER et al., 2018, p. 139). Sobre o orçamento sigiloso como ferramenta para combater o conluio/cartéis nas licitações, discorrem Dawison Barcelos e Ronny Charles o seguinte:

[...] o orçamento sigilo pode servir ao combate dos cartéis, uma vez que a divulgação do valor máximo admitido para a contratação estabelece a referência necessária para a parametrização do lucro escuso a ser obtido através do conluio entre os potenciais competidores [...]. Quando a Administração omite o orçamento estimado, [...] o cartel perde essa referência, dificultando, em tese, a negociação escusa (BARCELOS, 2020, p. 270) [grifos nossos]

Porém, também há críticas quanto a essa finalidade de combater cartéis em licitações:

Em um mundo onde não haja corrupção dos agentes públicos, a manutenção do orçamento em sigilo pode funcionar como estratégia de combate à prática acima descrita. [...]. No mundo real, no entanto, essa ideia, concebida para combater o conluio de licitantes, pode resultar ineficaz quando: a) houver corrupção dos servidores públicos que tiverem acesso às informações sigilosas; b) os competidores se recusarem a baixar os preços de suas propostas. O primeiro caso é de simples compreensão: se os integrantes do cartel obtiverem informações privilegiadas de agentes públicos corruptos, a prática antes descrita continuará sendo possível. Já no segundo caso, se os licitantes continuarem a oferecer propostas com preços superiores aos do orçamento da Administração, será necessário renovar o processo licitatório, até que algum deles apresente proposta em valor inferior ao do orçamento, ou [...] negociar com o autor da melhor proposta a sua redução até que alcance o valor orçado pela Administração. No limite, os licitantes descobririam o valor do orçamento da Administração, por um método de tentativa e erro, e o sigilo inicial do orçamento seria de muito pouca valia. Assim, embora a previsão do orçamento sigiloso seja justificada com o argumento de que ele poderia combater estratégias cartelísticas, é duvidosa a sua eficácia. Em um mercado cartelizado, bastará aos participantes do conluio persistir nas práticas atuais, para obterem resultado semelhante aos verificados atualmente (MONTEIRO, 2011).

Além de críticas, há também desvantagens na utilização do orçamento sigiloso. Ele pode ter efeitos indesejáveis, pois, ante a fragilidade na obtenção de seus custos, os licitantes podem embutir incertezas no valor de suas propostas, aumentando-o (ZYMLER et al., 2018, p. 139).

Além disso, aumenta-se a possibilidade de que todas as empresas apresentem propostas com valores superiores ao valor estimado da contratação fixado pela empresa estatal e recusem-se a ajustar a proposta na fase de negociação, gerando licitações fracassadas:

Se a “menor proposta” (em casos de licitações pelo menor preço) for superior ao valor máximo admitido, existem duas possibilidades: a primeira é de, na fase de negociação, a licitante abaixar sucessivamente seu preço para tentar atingir a “cota” permitida, em um processo de tentativas e erros – quase um jogo de “quente e frio”. Na prática, o “sigilo” seria quebrado no exato momento em que o preço atingir o teto de contratação. Nessa hipótese, a manutenção do sigilo só tornou o processo mais moroso, situação que, na busca pela eficiência [...], inclusive no que se refere ao tempo para contratação, parece-me um contrassenso. A outra hipótese é que, após consecutivas tentativas, a licitante não atinja o preço máximo admitido. A licitação restar-se-ia, então, fracassada. O próximo passo, por óbvio, seria empreender uma nova análise do orçamento, de modo a verificar-lhe a exequibilidade. Caso se decida, porém, pela manutenção do preço paradigma, a Administração correrá o risco de, novamente, ter o certame mal sucedido. (PEREIRA JÚNIOR et al., 2018, p. 281)

E, em alguns casos, o orçamento sigiloso não terá muita eficácia em razão do seu objeto, como ocorre em algumas obras e serviços engenharia, cuja orçamentação deve, em regra, seguir os valores do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) ou Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), conforme o caso, na forma do art. 31, § 2º e 3º, da Lei das Estatais:

[...] haverá situações em que a descrição adequada do objeto [...] comprometerá eventual intenção de se manter o sigilo do valor estimado. No caso de obras públicas, por exemplo, no mais das vezes, os serviços de engenharia a serem executados e constantes do projeto básico já se encontram orçados em sistemas oficiais de referência de acessos públicos (v. g. Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – Sinapi, no caso de construção civil em geral, ou na tabela do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias – Sicro). Desta feita, nessas situações, mesmo que não conste no edital, os licitantes possuem meios de ter acesso aos preços orçados (ZYMLER, 2018, p. 137). [grifos nossos]

No mesmo sentido: “No caso de obras e serviços de engenharia [...] se a referência de custos é o Sinapi ou Sicro, a previsão por parte do licitante da referência de valor não é tão difícil quanto parece” (ALTOUNIAN, 2018, p. 309).

Aproveitando-se do posicionamento do TCU no regime do RDC, o gestor da empresa estatal deverá ponderar se, no caso concreto, realmente é vantajosa a adoção do orçamento sigiloso “em obras mais complexas, com prazo muito exíguo para conclusão e cuja parcela relevante dos serviços a serem executados não possua referência explícita no Sinapi/Sicro” (TCU, Acórdão nº 3011/2012 – Plenário, TC-017.603/2012-9, rel. Valmir Campelo, data da sessão 8 nov. 2012).

Dawison Barcelos e Ronny Charles também não recomendam a utilização do orçamento sigiloso em uma licitação que adote a “remuneração variável” prevista no art. 45 da Lei das Estatais, que é uma contratação vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no edital e no contrato: “É que a incerteza sobre o teto de aumento da remuneração (preço estimado), decorrente do atendimento das metas admitidas no edital, pode gerar risco e desestímulo ao fornecedor detentor de maior desempenho potencial” (BARCELOS, 2020, p. 274).

Em suma, caberá ao gestor decidir no caso concreto se optará pelo sigilo ou não do orçamento. “Naquelas situações em que a adoção de ferramentas, por experiências anteriores, não tem produzido bons resultados, pode (e deve) o gestor afastá-la” (BARCELOS, 2020, p. 273).

Optando a empresa estatal pelo orçamento sigiloso, deverão ser tomadas as cautelas necessárias para que a informação não seja vazada indevidamente, sob pena de anulação da licitação e do contrato dela decorrente (art. 62 da Lei das Estatais), bem como responsabilização civil, administrativa e criminal do agente público infrator. Dawison Barcelos e Ronny Charles reforçam esse cuidado que a empresa estatal deve ter no resguardo do sigilo:

Decidindo pela opção do orçamento sigiloso, o órgão deve definir como resguardará o sigilo da estimativa de custos realizada. Como a Lei, acertadamente, não estabeleceu esse procedimento, compete à estatal, através de regulamentação interna, esmiuçar como isto será feito, firmando a competência para a realização da estimativa de custos e a responsabilidade pela guarda de seu sigilo (quando necessário) a determinado agente ou setor específico. Havendo vazamento ilegítimo da informação sigilosa, poderá ocorrer comprometimento do certame ou da contratação, com sua invalidação em casos nos quais não for possível convalidação, além da responsabilização dos agentes (BARCELOS et al., 2020, p. 268).

Assim sendo, além de avaliar se o orçamento sigiloso é vantajoso diante do caso concreto, deve a empresa estatal ter algumas precauções adicionais nas licitações para evitar o vazamento da informação (NIEBUHR, 2018, p. 149), devendo adotar medidas de governança e de compliance que abarquem as suas contratações.

2.2.1 Orçamento sigiloso e o Acórdão nº 1.502/2018 – Plenário do TCU

Além das críticas, vantagens e desvantagens quanto ao orçamento sigiloso, a decisão do Tribunal de Contas da União, publicada no Boletim de Jurisprudência nº 226, gerou certa discussão sobre o tema. Na ementa no boletim constou o seguinte:

Nas licitações realizadas pelas empresas estatais, sempre que o orçamento de referência for utilizado como critério de aceitabilidade das propostas, sua divulgação no edital é obrigatória, e não facultativa, em observância ao princípio constitucional da publicidade e, ainda, por não haver no art. 34 da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) proibição absoluta à revelação do orçamento (Acórdão nº 1.502/2018 – Plenário do TCU, rel. AROLDO CEDRAZ, data da sessão 04 jul. 2018)

Considerando o referido julgado, Murilo Jacoby Fernandes (2020, p. 29) entende que a regra do orçamento sigiloso não seria absoluta e que, quando ele estiver vinculado aos critérios de aceitabilidade da proposta, a sua divulgação seria obrigatória:

Para o Tribunal de Contas da União (TCU), o sigilo previsto no art. 34 precisa ser relativizado [...]. Desse modo, tem-se que apenas será possível a oposição do sigilo do orçamento quando não estiver esse vinculado aos critérios de aceitabilidade da proposta, ou seja, não havendo o estabelecimento de preço máximo para o processo licitatório.

A área técnica do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, na Consulta nº 19/00318161, ao analisar esse precedente, expôs o seguinte:

Há que se considerar que a jurisprudência indicada refere-se a um período anterior à edição da Lei n. 13.303/2016, portanto, dada a mudança de paradigma acolhido pelo legislador, de modo que deve ser interpretada à luz da nova disciplina, uma vez que a Lei n. 13.303/2016, chamada de Lei das Estatais, veio ao mundo para inovar em algumas questões relacionadas ao procedimento licitatório, sobretudo após gravíssimos casos de corrupção noticiados em relação às licitações públicas realizadas no âmbito das estatais federais. Uma das inovações que afetaram o procedimento de licitação foi o estabelecimento do sigilo quanto à divulgação do valor estimado da contratação durante o desenvolvimento do procedimento licitatório.

E, ainda sobre esse julgado, de acordo com artigo da Zênite (2019):

A orientação adotada pela Corte de Contas da União – quando diz que “sempre que o orçamento de referência for utilizado como critério de aceitabilidade das propostas, sua divulgação no edital é obrigatória” – gerou preocupação, especialmente porque contrária à regra geral em torno do orçamento sigiloso [...]. Uma análise sistêmica sobre o disposto no caput do art. 31, no caput do art. 34, do inciso IV e do parágrafo 4º do artigo 56, além do parágrafo 1º e 3º do artigo 57, todos da Lei Federal nº 13.303/2016, torna possível identificar uma opção pelo legislador (1) pelo orçamento sigiloso, como regra; e (2) quanto à equivalência entre preço global estimado e preço global máximo. Mas conjugar a sistemática legal – que equipara o valor estimado ao máximo que se pretende contratar – à orientação do TCU (quando enfatiza: “sempre que o orçamento de referência for utilizado como critério de aceitabilidade das propostas, sua divulgação no edital é obrigatória”), levaria à grave consequência de que em todas as licitações da estatal, seria necessário divulgar o orçamento no ato convocatório. [grifos do autor]

Caroline Rodrigues da Silva (2019, p. 127), igualmente, entende que o posicionamento do TCU colide com o disposto no art. 34 da Lei das Estatais:

Entendemos que o posicionamento externado acima colide com a própria Lei 13.303/16, que define no artigo 56, inciso IV, que as propostas que apresentarem valores superiores ao orçamento estimado serão desclassificadas. Ou seja, a sistemática da lei preconiza que o orçamento serve como parâmetro para aceitabilidade das propostas, na medida em que aquelas que ultrapassarem o valor estimado da contratação devem ser desclassificadas. Seguindo a posição do TCU acima, a divulgação do orçamento seria a regra, contrariando o disposto no artigo 34 que, como visto, determina o sigilo como regra. [grifos nossos]

E, no mesmo sentido, discorre Ana Carolina Coura Vicente Machado et al. (2018):

Essa posição do TCU, em nosso entender, afronta a sistemática da Lei 13.303/16, na medida em que o orçamento sempre servirá de parâmetro para analisar a aceitabilidade das propostas, em face do princípio do julgamento objetivo, de sorte que entender que ele deve ser sempre divulgado nesses casos acaba por contrariar a regra do sigilo do orçamento, esculpida no art. 34 [...]. Nesse sentido, na visão da JML, a regra deve ser o sigilo do orçamento. Sua divulgação, em anexo ao edital, por caracterizar exceção, requer justificativa.

Conforme Joel de Menezes Niebuhr (2018), a Lei das Estatais prescreveu um novo regime jurídico para as licitações das empresas estatais e é preciso “girar a chave” na interpretação das normas:

[...] no lugar do velho e excessivamente formalista regime jurídico fundado pela Lei nº 8.666/1993 [...]. As estatais que pretendem avançar estão apreensivas acerca dos órgãos de controle, a respeito de como eles vão entender o novo modelo de licitações e contratos. Especialmente, a apreensão é se os órgãos de controle estão abertos às inovações da Lei nº 13.303/2016 e se estão dispostos a prestigiar o largo campo de competências discricionárias concedido pelo legislador em favor das estatais [...] Para arrematar, a maior parte da jurisprudência dos órgãos de controle, desenvolvida em 25 anos de vigência da Lei nº 8.666/1993, não encontra lugar diante da Lei nº 13.303/2016 e dos regulamentos das estatais. Ora, não encontra lugar por uma razão simples: porque as normas jurídicas deduzidas da Lei nº 8.666/1993, que deram origem a tal jurisprudência, não foram replicadas na Lei nº 13.303/2016. Como as normas jurídicas são diferentes, a jurisprudência não pode ser a mesma. Na melhor das hipóteses, se a jurisprudência não for completamente inaplicável em face das estatais, deve sofrer ajustes e adequações, ser ponderada em razão do novo modelo.

Ao analisar o Acórdão nº 1.502/2018, nota-se que a decisão foi proferida na análise de um caso específico, amparada em decisões anteriores à Lei Federal nº 13.303/2016 (Acórdãos 392/2011-TCU-Plenário, rel. José Jorge; 2.166/2014-TCU-Plenário, rel. Augusto Sherman; 10.051/2015-TCU-2ª Câmara, rel. André Luís de Carvalho) e sobre uma licitação fundamentada na Lei Federal nº 8.666/93 (art. 40, inciso X, e § 2º, inciso II), e não na Lei das Estatais. Hoje, até mesmo o art. 15 do Decreto Federal nº 10.024/2019, que regulamenta o pregão eletrônico no âmbito federal, define que tanto o valor estimado como o valor máximo aceitável podem ser sigilosos.

Assim sendo, considerando que a Lei das Estatais (art. 34, caput) deixa claro e expresso que a regra geral é o orçamento sigiloso, entende-se que o novo diploma não pode ser interpretado com base em entendimentos sobre regras antigas e que o contradizem, cabendo à empresa estatal, diante do caso concreto, avaliar a decisão que conduzirá à contratação mais vantajosa.

2.3 MOMENTO DA DIVULGAÇÃO DO SIGILO E O PREJULGADO Nº 2242 DO TCE/SC

Adotando a empresa estatal pelo orçamento sigiloso, fica a seguinte dúvida: em que momento ou fase da licitação ele deve ser divulgado? Há algum prazo máximo, estipulado em lei, para a divulgação do sigilo?

A Lei das Estatais foi omissa quanto a esses pontos, deixando de indicar o momento da divulgação do valor estimado do contrato (ou orçamento estimado do objeto). O § 4º do art. 34 da Lei das Estatais possuiria a seguinte redação: “Na hipótese de adoção de procedimento sigiloso, depois de adjudicado o objeto, a informação do valor estimado será obrigatoriamente divulgada pela empresa pública ou sociedade de economia mista e fornecida a qualquer interessado”. Já o § 2º do art. 57 conteria a seguinte regra: “Durante a fase de negociação, o orçamento, se sigiloso, poderá ser aberto, desde que em sessão pública”.

Porém, ambos os parágrafos acima citados foram vetados pelo Presidente da República sob a seguinte fundamentação:

Os dispositivos consideram a divulgação do valor estimado do contrato ou do orçamento, após a adjudicação de objeto ou na fase de negociação, respectivamente, ambas resultantes de procedimento sigiloso. Embora louvável a intenção, poderia acarretar consequências indesejáveis para a formação de preços e a adequada competição em processos licitatórios posteriores, para objetos similares, motivo pelo qual recomenda-se seu veto por interesse público.

A Lei do RDC (art. 6º, caput), que serviu de inspiração para diversas regras da Lei das Estatais, definiu que a divulgação do orçamento previamente estimado para a contratação seria “tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação”. E, tal como previa o originalmente o art. 34, § 4º, da Lei das Estatais (vetado), o art. 9º do Decreto Federal nº 7.581/2011 (regulamento da Lei do RDC) definiu que o momento exato da divulgação do orçamento sigiloso (“encerramento da licitação”) seria “após a adjudicação do objeto” (note-se que há aparente antinomia entre a Lei do RDC e o seu decreto regulamentador)[8] (ou seja, após a fase prevista no art. 51, inciso IX, da Lei das Estatais).

Já no art. 15, caput e § 2º, do Decreto Federal nº 10.024/2019[9], que regulamenta o pregão eletrônico no âmbito federal, definiu-se que o momento da divulgação do valor estimado ou do valor máximo aceitável para a contratação deve ocorrer “apenas e imediatamente após o encerramento do envio de lances” (o que corresponderia à fase do art. 51, III, da Lei das Estatais).

Por fim, no art. 24, inciso II, do projeto de lei que substituirá a Lei Federal nº 8.666/1993, o orçamento será “tornado público apenas e imediatamente após a fase de julgamento de propostas” (equivalente à fase do art. 51, IV, da Lei das Estatais).

Conforme lecionam Edgar Guimarães e José Anacleto Abduch Santos (2017, p. 116), para resolver essa lacuna, recomenda-se que o edital deixe claro em que momento o orçamento sigiloso será divulgado: “Na falta de disposição normativa expressa, cabe ao instrumento convocatório fixar o momento em que o orçamento estimativo será tornado público”.

Já Jessé Torres (2018, p. 287) refere que cabe à empresa estatal dispor no regulamento interno de licitações e contratos os procedimentos de licitação, incluindo o momento adequado para a divulgação do orçamento estimado (art. 40, IV, da Lei das Estatais).

Há também o entendimento de que o orçamento sigiloso pode ser considerado como um segredo estratégico ou comercial – especialmente para as empresas estatais que atuam em atividade econômica em sentido estrito – e não ser revelado, cabendo, assim, ao regulamento referido no art. 86, §§ 4º e 5º, da Lei das Estatais estipular as questões de sigilo estratégico, comercial ou industrial:

[...] algumas empresas estatais atuam em regime de exploração de atividade econômica, de forma que os procedimentos internos de contratação, incluindo a estimativa de valor, podem constituir segredo comercial a ser protegido frente aos seus concorrentes no mercado. Em sendo assim, cada empresa pública ou sociedade de economia mista deverá disciplinar a matéria em seu regulamento interno de licitações e contratos (ZYMLER et al., 2018, p. 138).

Partindo da lógica descrita nas razões do veto aos § 4º do art. 34 e § 2º do art. 57 da Lei das Estatais, seria possível chegar à conclusão (equivocada) de que, uma vez optando o gestor pelo sigilo do orçamento, este não poderia ser divulgado nem durante o processo nem posteriormente, por entender que tal divulgação prejudicaria a busca de melhores propostas em processos licitatórios posteriores àquele em que o sigilo restou reconhecido. Não parece ser a interpretação mais razoável. Nesse sentido, discorrem Dawison Barcelos e Ronny Charles (2020, p. 277):

[...] Em nossa opinião, o veto [ao art. 34, § 4º, da Lei das Estatais] afasta a aplicação obrigatória, por analogia, da baliza temporal indicada no RDC [imediatamente após a adjudicação do objeto], obrigando-se a publicação das estimativa de custos, após o encerramento da licitação. Por outro lado, não parece admitir, sempre, um “sigilo eterno”, à estimativa de custos.

Com efeito, não pode haver sigilo sem um prazo delimitado ou “eterno”, uma vez que o art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988 estabelece o direito fundamental do cidadão de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade.

E, conforme o princípio constitucional da publicidade dos atos administrativos (art. 37, caput, CF/88) não se admite que a lei possa impor sigilo indefinidamente. Inclusive, a Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) impõe prazos de 5 (cinco) a 25 (vinte e cinco) anos para a divulgação de informações sigilosas que sejam consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado. Essa legislação é plenamente aplicável às empresas estatais e expressamente referenciada nos arts. 35, 74 e 85, § 1º, da Lei das Estatais.

Quanto ao momento adequado para a divulgação do orçamento sigiloso, Jessé Torres et al. (2018, p. 287) entendem que a empresa estatal poderia divulgá-lo após a fase de verificação de efetividade dos lances ou propostas (art. 51, inciso V, da Lei das Estatais):

Permite-se, assim, quando adotado o sigilo do orçamento estimado previsto no art. 34 da Lei nº 13.303/16, a sua divulgação ao encerramento da etapa competitiva do procedimento licitatório, ou seja, a divulgação do orçamento estimado ocorrerá após a verificação de efetividade do lance ou proposta. Na fase seguinte, de negociação, o agente ou comissão designada para a condução do procedimento licitatório buscará a redução dos custos ofertados pelo licitante classificado em primeiro lugar, na hipótese de sua proposta ou lance ultrapassar o orçamento estimado para a contratação (art. 56, IV, da Lei nº 13.303/16)

Há quem defenda a ideia de que este conhecimento deva ser dado apenas durante a fase de negociação (art. 51, inciso VI, da Lei das Estatais):

Parece razoável e adequado que o orçamento sigiloso seja aberto no momento da negociação, já que a sua manutenção pode inviabilizar a negociação com o licitante mais bem classificado e a própria interposição de recursos. Preserva-se o orçamento sigiloso enquanto perdurarem a disputa e a competição no certame (GARCIA, 2018, p. 592).

Sobre a possibilidade de liberação do sigilo durante a fase de negociação, em licitação submetida ao RDC, “o TCU admitiu que é possível a abertura do sigilo do orçamento na fase de negociação de preços com o primeiro colocado, desde que em ato público e devidamente justificado” (BARCELOS, 2020, p. 278)[10]. Renila Lacerda Bragagnoli (2020), igualmente, manifesta-se que “quando a Lei das Estatais torna obrigatória a fase de negociação (art. 57), entendemos possível a divulgação do orçamento nesse momento do procedimento, em busca da proposta mais vantajosa”.

Dawison Barcelos e Ronny Charles (2020, p. 276-277) posicionam-se no sentido de que a divulgação do orçamento sigiloso também pode ocorrer após a adjudicação do objeto (de forma similar ao regulamento da Lei do RDC) (art. 51, inciso IX, da Lei das Estatais):

[...] parece evidente que, em muitas das licitações realizadas, a abertura do sigilo, após a adjudicação, prestigiará o respeito à publicidade e não trará qualquer prejuízo à estatal. Entendemos que a solução deve ser dada pela regulamentação interna, de acordo com o perfil da estatal e as peculiaridades de sua atividade empresarial, orientando pela abertura do sigilo, em regra, após a adjudicação do objeto, e a possibilidade de apliá-lo (o sigilo) até um momento futuro ou mesmo indefinidamente (o que deve ser compreendido de forma excepcional e apenas em relação ao dever de realização da publicação oficial), quando isso for necessário ou estratégico para a estatal, nos limites da legislação.

Verifica-se, inclusive, que algumas empresas estatais definiram em seus respectivos regulamentos internos de licitações e contratos momentos diferentes para a divulgação do sigilo:

VALEC[11]. Art. 41. XIV. Sem prejuízo do sigilo do valor orçado, que será mantido até o final da etapa de negociação [...].

CAGECE[12]. Art. 48. O orçamento deve ser sigiloso até a abertura do prazo recursal único, nos casos de não inversão de fases e da fase recursal relativa à proposta de preços, quando houver a inversão.

PRODABEL[13]. Art. 30. 1) O orçamento deve ser sigiloso até a fase de homologação da licitação, permitindo-se ao agente de licitação divulgá-lo, anteriormente, na fase de negociação, se assim entender conveniente.

Considerando essa lacuna, divergências doutrinárias e diversas normas prevendo a divulgação em fases distintas, na resposta à Consulta nº 19/00318161, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina editou o Prejulgado nº 2242[14] com o seguinte teor:

1. Nas licitações realizadas por empresa estatal ou sociedade de economia mista, inclusive na modalidade de pregão, salvo as hipóteses de julgamento pelo critério de maior desconto ou de melhor técnica, em regra vigora o sigilo do valor estimado para a contratação (orçamento), podendo a autoridade administrativa competente, nos termos do art. 34 da Lei n. 13.303/2016, justificadamente, decidir pela dispensa do sigilo em qualquer fase do processo.

2. É recomendável que o regulamento interno de licitações e contratos, editado com fundamento no inciso IV do art. 40 da Lei nº 13.303/2016, contenha disciplinamento quanto às hipóteses excepcionais de divulgação do valor estimado da contratação do art. 34 do estatuto jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia mista e quanto ao momento em que poderá ser divulgado depois de encerrada a fase competitiva.

3. Não havendo disciplinamento no regulamento interno de licitações e contratos de empresa pública ou de sociedade de economia mista, mediante previsão no edital (princípio da publicidade e julgamento objetivo), o sigilo do valor estimado da contratação deverá permanecer até o encerramento fase da competitiva do procedimento licitatório (fase de negociação - § 3º do art. 57 da Lei n.13.303/2016) ou da fase de habilitação (art. 59 da mesma Lei), previamente ao momento em que os licitantes deverão manifestar eventual interesse em interpor recursos em face da decisão administrativa, em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Desse modo, considerando esse prejulgado, entende-se que as empresas estatais podem definir no seu regulamento interno de licitações e contratos o momento propício para a divulgação do orçamento sigiloso depois de encerrada a fase competitiva. Na falta de previsão expressa no regulamento, é o edital que deve estabelecer claramente o momento em que o valor estimado do contrato será divulgado, que deverá ocorrer após o encerramento da fase competitiva da licitação e negociação (arts. 51, VI, e 57, § 3º, da Lei das Estatais) ou da fase de habilitação (arts. 51, VII, e 58 da Lei das Estatais), mas antes da fase de interposição de recursos (arts. 51, VIII, e 59 da Lei das Estatais).

Segundo o TCE/SC, a divulgação do sigilo somente caberia após o encerramento da fase de negociação prevista no art. 57 da Lei das Estatais, já que liberar ao licitante a informação sobre o valor máximo que a empresa estatal está disposta a contratar antes dessa fase põe por terra o objetivo da norma descrita no art. 34 das Estatais. Sabendo antecipadamente o licitante o quanto a empresa estatal estará disposta a pagar, este, salvo raras exceções, não se sentirá estimulado a ofertar proposta de preço melhor na fase de negociação direta, tornando a regra inócua em muitos casos.

Por fim, a liberação do sigilo antes da fase recursal parece ser a medida que mais assegura ao exercício da ampla defesa e contraditório do licitante, pois, caso se encontre erro no orçamento-base ou na decisão de desclassificação somente após o fim da licitação, todos os atos posteriores poderão ser questionados.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei das Estatais mudou o regime licitatório e contratual das empresas estatais, tornando-o mais flexível, dinâmico, próximo às relações de direito privado e dando mais discricionariedade (e responsabilidades) ao gestor da empresa estatal para conduzir o certame à proposta mais vantajosa. Entre as principais alterações nas licitações, encontra-se o valor estimado da contratação sigiloso (ou “orçamento sigiloso”), o que não se admitia no regime jurídico da Lei Federal nº 8.666/1993.

O orçamento sigiloso da Lei das Estatais, que foi inspirado na Lei do RDC, é a regra geral nas licitações das empresas estatais (inclusive quando utilizado o pregão) e inaplicável quando adotados os critérios de julgamento da “maior oferta” ou da “melhor técnica”. Mas essa regra não é absoluta – cabe à empresa estatal decidir e justificar a sua não aplicação diante do caso concreto.

O orçamento sigiloso apresenta diversas vantagens, pois busca diminuir a assimetria de informações entre a empresa estatal e o licitante; estimula os licitantes a apresentarem propostas reais de preços, de acordo com os seus custos efetivos; dificulta a participação de empresas sem expertise, com menor capacidade de planejamento ou responsabilidade técnica na confecção das propostas; busca fazer com que os licitantes apresentem suas melhores propostas; fomenta a negociação; busca evitar o conluio nas licitações, ou seja, tem por escopo final selecionar a proposta mais vantajosa para a empresa estatal.

Há, contudo, algumas desvantagens, já que o orçamento sigiloso pode fazer com que os licitantes incluam os riscos no seu preço, aumentando-o. Além disso, o orçamento sigiloso pode ensejar licitações fracassadas quando os licitantes não atingem o valor estimado do contrato e a negociação restar frustrada. Outro aspecto importante é que a empresa estatal deve ter algumas precauções adicionais nas licitações para evitar o vazamento do valor orçado.

Em determinadas ocasiões, o orçamento sigiloso não tem muita eficácia, como ocorre em algumas obras e serviços de engenharia em que os licitantes têm plenas condições de chegarem ao valor estimado da contratação utilizando-se dos mesmos parâmetros de orçamentação da empresa estatal (Sinapi ou Sicro). E, em algumas contratações, o orçamento sigiloso não é recomendável, como, por exemplo, quando adotada remuneração variável.

Outro ponto relevante é que as inovações da Lei das Estatais não podem ser interpretadas à luz de entendimentos embasados na Lei Federal nº 8.666/1993 quando as regras específicas do novo regime jurídico são diferentes daquele que até então regia as suas licitações e contratações. Se a Lei das Estatais determinou que a regra geral é o orçamento sigiloso, conferindo ao gestor competência discricionária para afastar esse sigilo, não se sustenta interpretação em sentido diverso, calcada em normas inaplicáveis às empresas estatais, sob pena de afronta ao art. 34 da Lei das Estatais.

Por fim, quando ao momento da divulgação do orçamento sigiloso, considerando que a matéria não foi regulamentada na Lei das Estatais (considerando alguns vetos), conclui-se que caberá a cada empresa estatal especificar o momento adequado em seu regulamento interno de licitações e contratos para maior segurança jurídica, pois a doutrina aponta diversos momentos em que a informação pode ser revelada. Não é possível um “sigilo eterno”, até porque as empresas estatais estão submetidas à Lei de Acesso à Informação. Na falta de regulamentação, caberá à empresa estatal definir claramente no edital do certame em que momento a informação será divulgada, que deverá ocorrer após a fase competitiva e negociação ou fase de habilitação, mas antes da fase recursal, conforme o Prejulgado nº 2242 do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

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Sobre o autor
José Pedro Oliveira Rossés

Graduado em Direito pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP) (2011). Advogado da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Chefe da Divisão de Instrumentos Jurídicos. Exerceu o cargo de Analista Jurídico da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Membro do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) e membro do Comitê de Conformidade e Gerenciamento de Riscos (Compliance) da Epagri. Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologias para a Inovação (Ufsc-Profnit). Especialização em Direito do Trabalho pela Universidade Candido Mendes (2013) e em Direito Previdenciário pela Universidade Candido Mendes (2015). Especialização em Licitações e Contratos pela Faculdade Pólis Civitas (2021).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSÉS, José Pedro Oliveira. O orçamento sigiloso das licitações das empresas estatais:: considerações e o momento da sua divulgação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6423, 31 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88152. Acesso em: 24 abr. 2024.

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