Surgiu, recentemente, tese patrocinada pela FEBRABAN (e alguns bancos) segundo a qual os clientes portadores de caderneta de poupança que ajuizaram execução provisória de sentenças coletivas provenientes de diversas Ações Civis Públicas (ACP), estão vinculados ao ACORDO e seu ADITIVO ajustados pela FEBRABAN e associações voltadas à defesa de consumidores.
O núcleo de tal entendimento está contido na cláusula 9.2 do ACORDO:
“Este ACORDO surtirá os seguintes efeitos sobre as ações civis públicas listadas no anexo: a) Para as ações civis públicas ainda não transitadas em julgado, (...) listadas no anexo deste ACORDO, as Partes comprometem-se a apresentar petição conjunta em que será requerido: i) a homologação das obrigações de pagamento aqui previstas; ii) por conta dos pagamentos a serem efetuados a extinção da ação coletiva por transação (...), e consequente formação de título executivo judicial em benefício unicamente das pessoas que iniciaram cumprimento da sentença coletiva até 31.12.2016 [data posteriormente alterada para 11.12.2017], identificadas na petição (...)”.
Simplificando: nas hipóteses em que a sentença coletiva está sendo executada provisoriamente (na medida em que ainda pende RE referentemente aos temas 264, 265, 284 e 285), as partes (isto é, o banco réu e a associação autora) se comprometem a apresentar, nos autos da ACP, um pedido conjunto em que fixam valores a serem pagos aos poupadores (conforme os critérios estabelecidos no ACORDO) e requererão seja homologado o que foi combinado nessa petição conjunta, com o consequente encerramento do feito.
A tese defendida pelos bancos é que, como a sentença homologatória da transação transitou em julgado, ela substituirá a que está sendo executada provisória e individualmente pelos poupadores em processos (distintos da ACP) instaurados para esse fim. Ou seja, prevalece a sentença homologatória em detrimento do título judicial objeto da execução individual e provisória dos poupadores.
Dois são os pontos de vista dos bancos. O primeiro é que o ACORDO entre a FEBRABAN e as entidades representativas dos consumidores (que se denominará daqui em diante de ASSOCIAÇÕES) sujeita somente os bancos aderentes (cláusula 5.2.2: “apenas estarão abrangidos as instituições financeiras que aderiram a este ACORDO”) e os poupadores aderentes ou não. As “Partes” do ACORDO, conforme está dito no preâmbulo são, “de um lado”, as várias ASSOCIAÇÕES ali mencionadas. E, “de outro lado” a FEBRABAN e a CONSIF.
Nota-se, no entanto, que o ACORDO não é fiel ao referir-se às partes. No preâmbulo, as partes são, indubitavelmente, a FEBRABAN e a CONSIF, de um lado. E, de outro lado, as ASSOCIAÇÕES ali listadas. Porém, na supra citada cláusula 9.2, serão partes o banco (ou instituição financeira) que aderiu ao ACORDO e a ASSOCIAÇÃO que ajuizou a ACP. Essas partes é que têm a obrigação de apresentar a “petição conjunta” para ser homologada pelo órgão judicial.
O segundo ponto de vista é o de que houve um fato superveniente à execução provisória. E, na conformidade dos incisos II e III do art. 520 do CPC, a sentença objeto de tal execução tornou-se ineficaz quando sobreveio a decisão homologatória da transação. Quer dizer, infere-se do que sustentam os bancos que, à espécie, aplica-se o art. 1.008 do CPC: a decisão do órgão judicial de hierarquia superior substitui a do inferior. Ou seja, a sentença de primeira instância foi substituída pelo acórdão de segundo grau e este, por sua vez, pelo acórdão (ou decisão monocrática) do tribunal superior (STJ ou STF). Essa substituição em cascata está correta. Mas quanto a aplicação do art. 520, a tese é fraca.
Essa norma incide apenas se houver coincidência entre o autor da ação da qual proveio a sentença condenatória – ainda sujeita a recurso desprovido de efeito suspensivo − e o exequente dela. Aplicar-se-ía caso o IDEC, por exemplo, fosse favorecido por sentença condenatória coletiva e ele mesmo cuidasse da fase de cumprimento provisório. Mas o entendimento das instituições financeiras é o de que a sentença homologatória substitui o título executivo, tanto nas execuções individuais promovidas pelos poupadores, como nas execuções em que a ASSOCIAÇÃO que obteve a sentença seja a responsável pela execução.
Na verdade, os bancos entendem que tais ASSOCIAÇÕES têm legitimidade para dispor (abrir mão) dos direitos dos poupadores, porque foram elas que obtiveram a sentença que deu àqueles a possibilidade de executá-las individualmente, ainda que provisoriamente. E, sendo assim, poderiam transacioná-los, tal como fizeram ao requerer a homologação de acordo ajustado com o banco, cumprindo, então, obrigação assumida contratualmente (cláusula 9.2 do ACORDO). Elas seriam dominus litis com poderes para retirar com a mão esquerda os benefícios que deram aos poupadores com a mão direita.
Ocorre, porém, que as ASSOCIAÇÕES não podem abdicar direitos que não lhes pertencem, ou melhor, que lhes pertenceram até a ocasião em que enorme quantidade de poupadores autorizados pelo art. 97 do CDC promoveu individualmente o cumprimento da sentença coletiva. É a chamada substituição processual. Alguém pleiteia em nome próprio direito que não lhe pertence (art. 18 do CPC). E foi o que as ASSOCIAÇÕES fizeram, autorizadas pelo art. 82, nº IV do CDC, na qualidade de substitutas processuais. Mas, obtida a sentença condenatória na ACP, a execução dela poderá, por força do supra citado art. 97 do CDC, ser instaurada pelos substituídos processuais, isto é, os poupadores.
Resumindo: o ACORDO e seu ADITIVO só sujeitam aos seus termos aqueles poupadores que a eles aderiram.