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Questão preliminar para o julgamento do recurso de apelação criminal

06/04/2021 às 10:30
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O STJ anulou julgamento de apelação no qual o TRF da 5ª Região tomou globalmente os votos, registrando o resultado das questões preliminar e de mérito como resultado final. Entenda os reflexos disso.

I – A APELAÇÃO NO PROCESSO PENAL

Duplo grau é a possibilidade de correção da decisão. São fundamentos do duplo grau: o inconformismo do vencido, a decisão injusta ou incorreta, onde se requer revisão ao órgão ad quem.

Volto-me, especificamente, ab initio, à apelação criminal.

Na lição de Magalhães Noronha (Curso de Direito Processual Penal, São Paulo, Saraiva, 1989, 19ª edição, pág. 355), a apelação é o recurso interposto da sentença definitiva, ou com força de definitiva, para a segunda instância, com o fim de que esta proceda a novo exame do assunto, apreciando toda a matéria decidida e, assim, modificar, total ou parcialmente, a decisão.

Segundo a classificação dos atos processuais adotada, em despachos, decisões interlocutórias, mistas e simples, decisões com força de definitivas e em sentenças propriamente ditas, somente estas duas últimas seriam apeláveis.

As decisões com força de definitivas, tais como as sentenças, apreciam o mérito com uma diferença, porém: julgam o mérito, não da pretensão punitiva, mas de questões ou processos incidentes. Assim são apeláveis, nos termos do artigo 593, II, do Código de Processo Penal, as decisões que julgam o pedido de restituição de coisas apreendidas (artigo 118 e seguintes do Código de Processo Penal), que julgam o pedido de reabilitação (art. 743 do Código de Processo Penal), o cancelamento de inscrição de hipoteca (art. 141 do Código de Processo Penal), o levantamento do sequestro (artigo 131 do Código de Processo Penal). Todas têm como ponto único, como característica, o fato de extinguirem o procedimento com o julgamento do respectivo mérito.

Cabe, ainda, apelação das chamadas decisões interlocutórias mistas como a pronúncia e a absolvição sumária (artigo 416 do Código de Processo Penal)

A doutrina pontua que o recurso de apelação permite uma maior amplitude quanto a matéria impugnável, devolvendo ao tribunal toda a matéria de fato e de direito, na linha do que temos o tantum devolutum quantum appellatum, o efeito devolutivo, nos limites da impugnação, respeitado tanto a extensão como a profundidade do recurso.

No caso dos julgamentos proferidos pelo juiz singular, a fundamentação dos recursos é ampla, podendo ser impugnados quaisquer aspectos da sentença. Por outro, no caso dos julgamentos do Tribunal do Júri, à vista do princípio constitucional da soberania do Júri, artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal, a teor da Súmula 713 do Supremo Tribunal Federal, o efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos de sua interposição.

Nos processos envolvendo crimes dolosos contra a vida, de competência do Tribunal do Júri, tem-se:

a) Se ocorrer nulidade posterior a pronúncia (decisão interlocutória mista, que desafia recurso em sentido estrito, encerrando a fase do sumário de culpa, presidida por um juiz singular, para enviar o réu para o julgamento do Júri), a teor do artigo 593, III, ¨a¨ do Código de Processo Penal, a consequência do recurso que lhe dá provimento é a anulação do julgamento para que outro se realize; b) No caso da decisão do juiz presidente do Tribunal do Júri contrária à lei expressa ou a decisão dos jurado (artigo 593, III, ¨b¨, do Código de Processo Penal), cuidando-se de erro do juiz presidente na prolação da sentença, o tribunal ad quem poderá corrigir, ele mesmo, o equívoco, para adequar a decisão aos termos da lei ou do pronunciamento do Conselho de Sentença; c) Ainda no caso do artigo 593, III, ¨c¨, do Código de Processo Penal, se houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança, o tribunal ad quem pode corrigir o erro do juiz presidente, aplicando a pena cabível; d) Finalmente, no caso do artigo 593, III, ¨d¨, do Código de Processo Penal, tem-se a soberania do júri aplicada em todo o seu fulgor, como garantia constitucional, se a decisão dos jurados for contrária a prova dos autos. O tribunal ad quem deve anular a decisão, face a error in iudicando, submetendo o acusado a novo júri, a teor do artigo 593, § 3º, do Código de Processo Penal. Ali a decisão do Júri deverá ser contraria ao próprio senso comum.

Outro efeito é o suspensivo.

Havendo sentença absolutória, o réu deve ser posto em liberdade, imediatamente, artigo 596 do Código de Processo Penal, se estiver preso.

Se houver decisão condenatória, o artigo 387, parágrafo único do Código de Processo Penal, obriga ao juiz, naquela ocasião, o dever de motivar a decisão de manter o réu preso, em prisão preventiva, que se afigure necessária. É o que se tem da redação dada pela Lei 11.719/08, em sentido contrário a revogada e inconstitucional redação que era dada ao artigo 594 do Código de Processo Penal, na linha teleológica superada da redação original daquela norma infraconstitucional, editada em 1941, sob o império do Estado Novo.

A regra será a liberdade, uma vez que o recurso de apelação tem efeito suspensivo, e, somente pela via da exceção, quando houver razões ponderáveis de índole cautelar, recomenda-se o encarceramento, devendo o juiz, de forma motivada, fundamentada, decretá-lo.

Tal raciocínio se aplica, data vênia, inclusive diante de legislações draconianas, como aquelas envolvendo: os crimes das organizações criminosas (lei 9.034/95, art. 9º); os chamados crimes hediondos (Lei 8.072/90), os crimes de lavagem de dinheiro Lei 9.613/98, e ainda a Lei dos Crimes de Tóxicos, Lei 11.343/06.

O réu somente deve ser mantido preso, diante de decisão em primeiro grau de índole condenatória, se mantidas razoáveis razões para a decretação da prisão preventiva, artigo 312 do Código de Processo Penal.


II – OS EMBARGOS INFRINGENTES OU DE NULIDADE

Passo ao recurso de embargos infringentes que é recurso de fundamentação vinculada.

O pressuposto é a divergência entre os votos proferidos pelos juízes do tribunal, ou seja, a existência de um ou mais votos vencidos na decisão desfavorável ao réu.

A divergência pode ser total, quando envolve sobre todo o julgado e ainda parcial quando se dará sobre um ponto da decisão.

Nos termos do artigo 609, parágrafo único do Código de Processo Penal, das decisões proferidas nos julgamentos de recursos em sentido estrito e de apelação, caberão embargos infringentes ou de nulidade quando se tratar de decisões não unânimes e desfavoráveis ao réu.

Se a decisão não unânime for apenas parcial, será dessa parte da sentença que irá ser ajuizado o recurso de embargos infringentes ou de nulidade, no tempo em que pode a defesa interpor recurso especial ou recurso extraordinário com relação a parte unânime da decisão, de forma concomitante, mas que apenas seguirão para julgamento, após a decisão no recurso ordinário estudado.


III - PECULIARIDADES DA APELAÇÃO CONTRA SENTENÇA DEFINITIVA NO PROCESSO PENAL

O certo é que a apelação interposta devolve ao conhecimento do órgão ad quem o mérito da causa, em todos os seus aspectos. Assim, em princípio, compete igualmente ao tribunal proferir decisão de procedência ou de improcedência, ainda que a sentença apelada não haja chegado a examinar todo o conteúdo da lide.

Mas, tenha-se que é inadmissível que o órgão superior se pronuncie sobre o meritum causae, sem que antes o tenha feito o juízo inferior. Trata-se de evidente supressão de instância. Não será necessário que a atividade cognitiva deste haja esgotado a matéria de mérito. O princípio do duplo grau, no sistema do estatuto processual, não reclama que se passem ao exame do tribunal as questões efetivamente resolvidas na primeira instância: fica satisfeito com a simples possibilidade de que essas questões fossem legitimamente apreciadas ali. É a lição de Vellani (Appello - dir. proc. Civil, in Enc. Del dir. vol. II,l pág. 719).

Deve-se reconhecer tal possibilidade sempre que o juiz a quo já estivesse em condições de resolvê-las, no momento em que proferiu a sentença. Se o tribunal acolheu preliminar suscitada pelo réu sem que o juízo a quo examinasse matéria de mérito, é claro que os autos devem voltar para a primeira instância para o exame do mérito, exceto nos casos de litispendência, coisa julgada, por exemplo. Se o caso for de incompetência, devem voltar para exame da primeira instância para convalidar ou não esses atos adotados.

Pode acontecer que a impugnação da decisão pode também fundar-se na alegação de error in procedendo a visar a anulação da sentença. Aqui, o que se discute, em primeiro lugar, é a própria validade desta como ato processual. Se o órgão ad quem acolhe a impugnação, dando provimento ao recurso, deixa de existir pronunciamento de primeiro grau sobre o mérito. E não em virtude da respectiva substituição pelo julgamento superior, pois não coincidem os objetos de um e de outro, ao contrário do que se dá nos casos que eram, no CPC de 1973, abrangidos pelo antigo 512, como revelou Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, volume V, 1985, pág. 429), em lição atual. Nesse caso a apelação terá desempenhado função meramente reincidente. O juízo a quo terá de proferir nova sentença, para “cumprir e acabar o ofício jurisdicional’. Não é licito ao tribunal, após anular a decisão apelada, ingressar no exame do mérito.

Tem-se o que dita o CPC de 2015, no artigo 939:

“Se a preliminar for rejeitada ou se a apreciação do mérito for com ela compatível, seguir-se-ão a discussão e o julgamento da matéria principal, sobre a qual deverão se pronunciar os juízes vencidos na preliminar.”

De toda sorte, é amplíssima a profundidade da devolução. Estão aí compreendidas:

a) As questões examináveis de ofício, a cujo respeito o órgão a quo não se manifestou;

b) As questões que, não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas a despeito de haverem sido suscitadas e discutidas pelas partes.

As questões preliminares devem ser examinadas de início. Elas impedem o julgamento do mérito. Após, devem ser examinadas as questões de mérito, pedido, lide. Elas devem ser examinadas, necessariamente, em separado. Se assim não age, atua em erro in procedendo.

“O error in procedendo implica em vício de atividade (v.g., defeitos de estrutura formal da decisão, julgamento que se distancia do que foi pedido pela parte, impedimento do juiz, incompetência absoluta) e por isso se pleiteia, neste caso, a INVALIDAÇÃO da decisão, averbada de ilegal, e o objeto do juízo de mérito no recurso é o próprio julgamento proferido no grau inferior” (José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, volume V, 2005, pág. 267).


IV – QUESTÕES PRELIMINARES

Estamos diante de questões preliminares, e não prejudiciais. A preliminar, matéria de processo, impede o julgamento do mérito; a prejudicial, geralmente de mérito, influencia no julgamento de mérito.

Discute-se sobre as preliminares do recurso.

Barbosa Moreira (obra citada, pág. 665) assim ensinava:

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“a) as preliminares do recurso, isto é, as questões de cuja solução depende a possibilidade de julgar-se o mérito da impugnação: tais são, em primeiro lugar, a competência do órgão ad quem, e em seguida todas as questões concernentes à admissibilidade do recurso – cabimento, legitimação e interesse de recorrer, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, tempestividade, regularidade formal, preparo;

b) As preliminares do julgamento do mérito da causa, como atinente a legitimidade das partes, que podem ser, no recurso, questionadas;

c) As preliminares de mérito, a saber, as questões já situadas no âmbito do meritum causae, mas suscetíveis, se resolvidas em certo sentido, de dispensar o órgão julgador de prosseguir em sua atividade cognitiva (exemplo: prescrição).”

É certo que, desde a reforma do CPC de 1973, no processo civil, se o Tribunal entender que não houve a prescrição, pode examinar de pronto a matéria de mérito, propriamente dita, se não houver revolvimento de provas e for questão de direito. No processo penal, por óbvio, à luz do due process of law, não se dispensa o contraditório e a necessária produção de provas, no sistema acusatório.

Conforme esclarece Barbosa Moreira, a diferenciação entre preliminar e prejudicial não tem cabimento aqui. A propósito, confira-se o comentário ao art. 561 do CPC/73, cujo preceito é idêntico ao art. 939 do atual CPC: O Código usa a palavra em acepção um pouco mais ampla. Conforme ressalta do teor do art. 561, admite que a apreciação do mérito seja compatível com o acolhimento da preliminar (verbis: "... ou se com ela for compatível a apreciação do mérito"). Supõe, portanto, a existência de preliminares que, seja qual for o sentido em que se resolvam, permitem que o órgão judicial, depois de resolvê-las, prossiga em sua atividade cognitiva (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 699).

A questão preliminar envolve relação entre duas questões, tais que a solução de uma, conforme o sentido em que se pronuncia o órgão judicial, cria ou remove obstáculos à apreciação de outra. A própria possibilidade de apreciar-se a segunda depende, pois, da maneira por que se revolve a primeira.

Não se confundem as preliminares, repito, com as questões prejudiciais, de cuja solução depende não a possibilidade, nem a forma de pronunciamento sobre outras questões, mas o teor mesmo desse pronunciamento, como anda ensinou Barbosa Moreira (Questão prejudicial e coisa julgada, páginas 21 e seguintes). Para que o pedido seja julgado procedente é mister que a questão prejudicial seja resolvida no sentido afirmativo.


V - REsp 1843523

Volto-me à recente e importante decisão do STJ, por sua Quinta Turma, no julgamento do REsp 1843523.

​Como se lê do site do Superior Tribunal de Justiça, em 26 de março do corrente ano, no julgamento de apelação, o tribunal deve colher em separado os votos sobre as questões preliminares, garantindo ao magistrado vencido na análise de preliminar que possa votar sobre a matéria de mérito. Uma das razões para essa formalidade – prevista pelo artigo 938 do Código de Processo Civil – é a garantia de que não haverá diminuição do espectro de impugnação em eventuais embargos infringentes.

O entendimento foi firmado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao anular julgamento de apelação no qual o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) tomou globalmente os votos, registrando o resultado das questões preliminar e de mérito como resultado final. Por isso, um dos membros do colegiado, vencido em relação a uma preliminar de cerceamento de defesa – que ele acolhia em razão do indeferimento de uma prova –, não pôde se pronunciar sobre o mérito do recurso.

Por meio de embargos infringentes, a defesa apontou a nulidade do julgamento em razão de não ter sido respeitada a colheita de votos em separado sobre a questão preliminar. O TRF5, entretanto, rejeitou essa tese por entender que não houve prejuízo ao julgamento ou à defesa.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do recurso especial, lembrou que o artigo 939 do CPC estabelece que, se a preliminar for rejeitada ou se a apreciação do mérito for compatível com ela, o julgamento terá sequência com a discussão e a análise da matéria principal, sobre a qual deverão se pronunciar também os juízes vencidos na preliminar.

Segundo o magistrado, ainda que se adotasse interpretação mais restritiva sobre o conceito de preliminar, não seria possível tratar como uma prejudicial o cerceamento de defesa resultante do indeferimento de prova. "Em relação ao processo, o seu acolhimento impõe obstáculo ao julgamento da causa, dada a necessidade de refazimento da prova. Em relação ao mérito recursal, o seu acolhimento também obstaria o julgamento dos demais pontos suscitados pela defesa no apelo, por implicar a remessa dos autos à origem", explicou.

Em consequência, ao não tomar o voto quanto ao mérito da apelação do juiz vencido na preliminar, o ministro entendeu que o TRF5 incorreu no chamado error in procedendo, violando o artigo 939 do CPC.

"Assim, cabíveis os infringentes na origem, e constatado o erro no procedimento relativo ao julgamento da apelação, deve o acórdão apelatório ser anulado, com o retorno dos autos à origem, para que se proceda ao julgamento da apelação com a manifestação de todos os julgadores sobre as questões preliminar e de mérito", concluiu o ministro.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Questão preliminar para o julgamento do recurso de apelação criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6488, 6 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89443. Acesso em: 21 nov. 2024.

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